São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ucrânia vai às urnas descrente da política

Ex-presidente e atual premiê disputam eleição presidencial, com cenário indefinido; lisura do pleito já é questionada

Divisão de poderes confusa e ambígua deslegitima instituições e paralisa o país, que se encontra nas áreas de influência da Rússia e da UE

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

A frustração é o sentimento que dá o tom à eleição presidencial de hoje na Ucrânia, e o vencedor -seja o ex-presidente Viktor Yanukovich ou a atual primeira-ministra Yulia Tymoshenko- terá como missão maior driblá-la.
Cinco anos depois da Revolução Laranja, o povo que foi às ruas pedir mais democracia na mais vibrante das manifestações recentes no antigo Leste Europeu se desanimou diante do colapso de suas promessas e um sem-fim de brigas entre Executivo e Legislativo.
Segundo pesquisa do Pew Research Center feita em setembro, apenas 11% dos entrevistados achavam que as eleições multipartidárias e o sistema Judiciário ucranianos iam bem. A insatisfação com os rumos políticos do país era de 88%, e com a economia, de 91%.
Reformar e recuperar a crença no sistema político será o maior desafio do vencedor de hoje. Yanukovich, o homem que a Revolução Laranja tirou do poder, venceu o primeiro turno, em janeiro, com 35% dos votos. Tymoshenko, catapultada pelos palanques da mesma revolução, teve 25%. O presidente Viktor Yushchenko, seu ex-aliado e atual desafeto, amargou menos de 6%.
O favoritismo de Yanukovich é tímido. O voto não é obrigatório, e se a premiê mobilizar os eleitores dos candidatos derrotados, é possível reverter a vantagem. Ao longo desses cinco anos, ela se afastou do discurso estridente pró-ocidental de Yushchenko e adotou o pragmatismo, enquanto o milionário Yanukovich dosou as manifestações pró-Rússia. As nuances esmaeceram.
"Tymoshenko é muito hábil em campanhas, ninguém pode subestimá-la", disse à Folha Pavol Demes, diretor do programa de Europa Central e do Leste no think-tank transatlântico German Marshall Fund. "Ela é extremamente carismática e determinada."
Mas as brigas com Yushchenko afetaram a popularidade da premiê, que se tornou de certo modo ao lado do ex-aliado o símbolo do caos institucional ucraniano, no qual o perpétuo cabo de guerra entre os gabinetes barra avanços.
Somando a isso uma economia que mergulhou em uma retração de mais de 14% com a crise econômica, não surpreende o desalento dos ucranianos.

Constituinte
"Eles precisarão de uma reforma constitucional", diz Demes. "A divisão de poderes é ambígua demais, e a população tem essa percepção de que precisa mudar. O presidente nomeia alguns ministros e o premiê nomeia outros, imagine."
Reerguer a economia e combater a corrupção são o resumo dos discursos de campanha, mas aí também as diferenças são poucas. Yanukovich culpou a rival pela crise; ela se vangloriou de as consequências não terem sido ainda piores.
Desta vez, diferentemente de 2005, nem a Rússia nem a União Europeia são fatores de polarização. Nenhum dos lados declarou apoio a nenhum candidato, e tanto Yanukovich quanto Tymoshenko defendem a melhora das relações dos dois lados da fronteira.
"Acho que isso é um progresso", afirma Demes. "Além disso, a Ucrânia está mesmo localizada entre a Rússia e a União Europeia, duas realidades geopolíticas distintas, e tem de se equilibrar entre os dois."
Tymoshenko já acusou o adversário de manobras para fraudar o pleito, mudando a lei para tirar dos locais de votação monitores partidários. Demes prevê que, se a margem de vitória for estreita, seja de quem for, o derrotado recorrerá aos tribunais -o que iniciaria um processo arrastado com potencial para fragilizar ainda mais a governança do país.


Texto Anterior: Racismo: Ex-deputado opositor ecoa segregação e provoca polêmica
Próximo Texto: Entrevista: País precisa de reforma política, diz analista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.