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Ucrânia vai às urnas descrente da política
Ex-presidente e atual premiê disputam eleição presidencial, com cenário indefinido; lisura do pleito já é questionada
Divisão de poderes confusa e ambígua deslegitima instituições e paralisa o país, que se encontra nas áreas de influência da Rússia e da UE
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
A frustração é o sentimento
que dá o tom à eleição presidencial de hoje na Ucrânia, e o
vencedor -seja o ex-presidente Viktor Yanukovich ou a atual
primeira-ministra Yulia
Tymoshenko- terá como missão maior driblá-la.
Cinco anos depois da Revolução Laranja, o povo que foi às
ruas pedir mais democracia na
mais vibrante das manifestações recentes no antigo Leste
Europeu se desanimou diante
do colapso de suas promessas e
um sem-fim de brigas entre
Executivo e Legislativo.
Segundo pesquisa do Pew
Research Center feita em setembro, apenas 11% dos entrevistados achavam que as eleições multipartidárias e o sistema Judiciário ucranianos iam
bem. A insatisfação com os rumos políticos do país era de
88%, e com a economia, de 91%.
Reformar e recuperar a crença no sistema político será o
maior desafio do vencedor de
hoje. Yanukovich, o homem
que a Revolução Laranja tirou
do poder, venceu o primeiro
turno, em janeiro, com 35% dos
votos. Tymoshenko, catapultada pelos palanques da mesma
revolução, teve 25%. O presidente Viktor Yushchenko, seu
ex-aliado e atual desafeto,
amargou menos de 6%.
O favoritismo de Yanukovich
é tímido. O voto não é obrigatório, e se a premiê mobilizar os
eleitores dos candidatos derrotados, é possível reverter a vantagem. Ao longo desses cinco
anos, ela se afastou do discurso
estridente pró-ocidental de
Yushchenko e adotou o pragmatismo, enquanto o milionário Yanukovich dosou as manifestações pró-Rússia. As nuances esmaeceram.
"Tymoshenko é muito hábil
em campanhas, ninguém pode
subestimá-la", disse à Folha
Pavol Demes, diretor do programa de Europa Central e do
Leste no think-tank transatlântico German Marshall
Fund. "Ela é extremamente carismática e determinada."
Mas as brigas com Yushchenko afetaram a popularidade da premiê, que se tornou de
certo modo ao lado do ex-aliado o símbolo do caos institucional ucraniano, no qual o
perpétuo cabo de guerra entre
os gabinetes barra avanços.
Somando a isso uma economia que mergulhou em uma
retração de mais de 14% com a
crise econômica, não surpreende o desalento dos ucranianos.
Constituinte
"Eles precisarão de uma reforma constitucional", diz Demes. "A divisão de poderes é
ambígua demais, e a população
tem essa percepção de que precisa mudar. O presidente nomeia alguns ministros e o premiê nomeia outros, imagine."
Reerguer a economia e combater a corrupção são o resumo
dos discursos de campanha,
mas aí também as diferenças
são poucas. Yanukovich culpou
a rival pela crise; ela se vangloriou de as consequências não
terem sido ainda piores.
Desta vez, diferentemente de
2005, nem a Rússia nem a
União Europeia são fatores de
polarização. Nenhum dos lados
declarou apoio a nenhum candidato, e tanto Yanukovich
quanto Tymoshenko defendem a melhora das relações dos
dois lados da fronteira.
"Acho que isso é um progresso", afirma Demes. "Além disso, a Ucrânia está mesmo localizada entre a Rússia e a União
Europeia, duas realidades geopolíticas distintas, e tem de se
equilibrar entre os dois."
Tymoshenko já acusou o adversário de manobras para
fraudar o pleito, mudando a lei
para tirar dos locais de votação
monitores partidários. Demes
prevê que, se a margem de vitória for estreita, seja de quem
for, o derrotado recorrerá aos
tribunais -o que iniciaria um
processo arrastado com potencial para fragilizar ainda mais a
governança do país.
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