São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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"NOVA ALEMANHA'
Primeiros cem dias do chanceler alemão no poder são marcados por indecisões e medidas inócuas
Escorregões marcam governo Schroeder

IMRE KARACS
do "The Independent", em Bonn

Durante anos a imprensa de Bonn (ex-capital), profundamente entediada -como, aliás, o resto da Alemanha-, especulou sobre o que poderia acontecer com a política nacional depois da saída do chanceler (primeiro-ministro) Helmut Kohl do governo.
"Imagine um governo formado por vermelhos e verdes", brincava algum piadista de plantão, "chefiado por Gerhard Schroeder e incluindo Oskar Lafontaine e Joschka Fischer. Rarará!"
Cem dias se passaram desde que esse trio inusitado assumiu as rédeas do país, e ainda estamos dando risada com os escorregões quase diários.
Aquelas semanas durante as quais os pisos e os tetos dos impostos subiam e desciam constantemente, como ioiôs, foram inesquecíveis.
A discussão sobre o destino das usinas nucleares -"vamos fechar todas", "não, não vamos"- vai permanecer por muito tempo gravada na memória.
Talvez fosse injusto esperar alguma dose de competência por parte de um partido, o Social-Democrata, que passou 16 anos apenas observando Helmut Kohl (premiê entre 1982 e 1998).
E, quem sabe, seu parceiro, o Partido Verde, tivesse direito a um período transitório durante o qual pudesse perder sua inocência.
No entanto, o epíteto que chegou mais perto de atingir o alvo, durante a enxurrada implacável de opróbrios que se abateu sobre o governo, foi "diletantes".
Isso não significa que eles não realizaram nada. Dias depois de assumir o poder, em outubro de 98, o novo governo desfez as duas únicas reformas que a administração Kohl conseguira aprovar durante seu último mandato.
O salário-doença e o salário-família voltaram a seus níveis originais. Considerou-se que a justiça social havia sido restaurada.
O outro lado da equação econômica -gerar condições para o desenvolvimento das empresas- ficará a cargo de Lafontaine (ministro das Finanças). Ou, pelo menos, é o que dizem.
A julgar pelo zelo com que Lafontaine anda apontando dedos acusadores em direção a outros -os bancos maldosos que fixaram os juros em pavorosos 3%, os impostos injustamente baixos praticados em outros países europeus-, Lafontaine já está convencido de que vai fracassar.
Mas, alto lá -ainda existe o "pacto de empregos", um acordo que envolve sindicatos e empresas.
A idéia é que todos se reúnam em volta da mesa da cozinha de Schroeder e discutam um acordo sobre aumentos salariais, horas extras e níveis de emprego, tudo adoçado por um pequeno incentivo fiscal aqui e ali.
Pode até dar mais ou menos certo. Mas dificilmente isso vai conseguir reduzir o número de desempregados em 1 milhão, alvo que, num momento de descuido, Lafontaine fixou.
Para isso também seria preciso proceder a uma reforma abrangente do Estado de bem-estar social, para que a mão-de-obra alemã voltasse a custar preços acessíveis. Lafontaine não tem nenhum plano desse tipo em sua gaveta.
Talvez este seja mais um exemplo de "priorizar o estilo em lugar do conteúdo", acusação que é habitualmente feita a Schroeder.
É "estiloso", por exemplo, quando o gabinete se reúne em Berlim, para onde o governo começa a se mudar a partir do próximo verão europeu, como fez na última semana.
Não existe razão convincente para que isso seja feito, exceto que dá uma boa impressão, destacando o chanceler como alguém que mal consegue esperar a chegada da chamada "República de Berlim".
Surpreendentemente, porém, uma parcela nada desprezível de conteúdo se esconde por trás dessa aparência de estilo.
Antes de Bonn ser esvaziada, o Bundestag (Parlamento alemão) deverá relegar à lata de lixo da história a Lei da Nacionalidade, criada em 1913 para beneficiar as pessoas de origem ariana.
Até 4 milhões de "estrangeiros" receberão a cidadania alemã e os muitos direitos que a acompanham. O mito da nação alemã homogênea será jogado por terra, e os alemães serão confrontados com o caráter multicultural de sua sociedade.
Essa reforma, por si só, já representaria um avanço de enorme valor. Mas haverá outros. Independentemente dos tropeços da coalizão vermelho-verde, o governo do país mais rico da Europa já deu um grande passo em direção ao fechamento de usinas nucleares.
A desativação das usinas se dará de maneira gradativa e lenta, e sempre restará a possibilidade de o próximo governo reverter tudo. Mas o consenso contrário à energia nuclear está se fortalecendo.
Também existe uma chance, embora remota, de um avanço na frente externa. Schroeder quer a redução da contribuição alemã à UE, claramente injusta.
Mas selar acordos na Europa é brincadeira de criança em comparação com a tarefa de alcançar uma decisão no gabinete alemão.
A pergunta de quem dirige a Alemanha se conserva pertinente desde o primeiro dia do governo.
Oskar Lafontaine, ministro das Finanças e presidente do Partido Social-Democrata, acha que é ele.
O vice-premiê Joschka Fischer, líder do Partido Verde e ministro do Exterior, acha que é ele quem comanda a política externa alemã.
Para complicar, o ministro do Meio Ambiente, o verde Jurgen Trittin, nutre a ilusão de ser o responsável pela energia nuclear.
Mas quem realmente manda na Alemanha é Bodo Hombach, o ideólogo do "Novo Centro" (leia-se "Terceira Via"), pau para toda obra de Schroeder.
Com a ajuda de Hombach, o chanceler saiu vencedor de todas as disputas políticas importantes até agora.


Tradução de Clara Allain



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