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"NOVA ALEMANHA'
Primeiros cem dias do chanceler alemão no poder são marcados por indecisões e medidas inócuas
Escorregões marcam governo Schroeder
IMRE KARACS
do "The Independent", em Bonn
Durante anos a imprensa de
Bonn (ex-capital), profundamente
entediada -como, aliás, o resto da
Alemanha-, especulou sobre o
que poderia acontecer com a política nacional depois da saída do
chanceler (primeiro-ministro)
Helmut Kohl do governo.
"Imagine um governo formado
por vermelhos e verdes", brincava
algum piadista de plantão, "chefiado por Gerhard Schroeder e incluindo Oskar Lafontaine e Joschka Fischer. Rarará!"
Cem dias se passaram desde que
esse trio inusitado assumiu as rédeas do país, e ainda estamos dando risada com os escorregões quase diários.
Aquelas semanas durante as
quais os pisos e os tetos dos impostos subiam e desciam constantemente, como ioiôs, foram inesquecíveis.
A discussão sobre o destino das
usinas nucleares -"vamos fechar
todas", "não, não vamos"- vai
permanecer por muito tempo gravada na memória.
Talvez fosse injusto esperar alguma dose de competência por parte
de um partido, o Social-Democrata, que passou 16 anos apenas observando Helmut Kohl (premiê
entre 1982 e 1998).
E, quem sabe, seu parceiro, o
Partido Verde, tivesse direito a um
período transitório durante o qual
pudesse perder sua inocência.
No entanto, o epíteto que chegou
mais perto de atingir o alvo, durante a enxurrada implacável de
opróbrios que se abateu sobre o
governo, foi "diletantes".
Isso não significa que eles não
realizaram nada. Dias depois de
assumir o poder, em outubro de
98, o novo governo desfez as duas
únicas reformas que a administração Kohl conseguira aprovar durante seu último mandato.
O salário-doença e o salário-família voltaram a seus níveis originais. Considerou-se que a justiça
social havia sido restaurada.
O outro lado da equação econômica -gerar condições para o desenvolvimento das empresas- ficará a cargo de Lafontaine (ministro das Finanças). Ou, pelo menos,
é o que dizem.
A julgar pelo zelo com que Lafontaine anda apontando dedos
acusadores em direção a outros
-os bancos maldosos que fixaram os juros em pavorosos 3%, os
impostos injustamente baixos praticados em outros países europeus-, Lafontaine já está convencido de que vai fracassar.
Mas, alto lá -ainda existe o
"pacto de empregos", um acordo
que envolve sindicatos e empresas.
A idéia é que todos se reúnam em
volta da mesa da cozinha de
Schroeder e discutam um acordo
sobre aumentos salariais, horas
extras e níveis de emprego, tudo
adoçado por um pequeno incentivo fiscal aqui e ali.
Pode até dar mais ou menos certo. Mas dificilmente isso vai conseguir reduzir o número de desempregados em 1 milhão, alvo que,
num momento de descuido, Lafontaine fixou.
Para isso também seria preciso
proceder a uma reforma abrangente do Estado de bem-estar social, para que a mão-de-obra alemã voltasse a custar preços acessíveis. Lafontaine não tem nenhum
plano desse tipo em sua gaveta.
Talvez este seja mais um exemplo de "priorizar o estilo em lugar
do conteúdo", acusação que é habitualmente feita a Schroeder.
É "estiloso", por exemplo, quando o gabinete se reúne em Berlim,
para onde o governo começa a se
mudar a partir do próximo verão
europeu, como fez na última semana.
Não existe razão convincente para que isso seja feito, exceto que dá
uma boa impressão, destacando o
chanceler como alguém que mal
consegue esperar a chegada da
chamada "República de Berlim".
Surpreendentemente, porém,
uma parcela nada desprezível de
conteúdo se esconde por trás dessa
aparência de estilo.
Antes de Bonn ser esvaziada, o
Bundestag (Parlamento alemão)
deverá relegar à lata de lixo da história a Lei da Nacionalidade, criada em 1913 para beneficiar as pessoas de origem ariana.
Até 4 milhões de "estrangeiros"
receberão a cidadania alemã e os
muitos direitos que a acompanham. O mito da nação alemã homogênea será jogado por terra, e
os alemães serão confrontados
com o caráter multicultural de sua
sociedade.
Essa reforma, por si só, já representaria um avanço de enorme valor. Mas haverá outros. Independentemente dos tropeços da coalizão vermelho-verde, o governo do
país mais rico da Europa já deu um
grande passo em direção ao fechamento de usinas nucleares.
A desativação das usinas se dará
de maneira gradativa e lenta, e
sempre restará a possibilidade de o
próximo governo reverter tudo.
Mas o consenso contrário à energia nuclear está se fortalecendo.
Também existe uma chance, embora remota, de um avanço na
frente externa. Schroeder quer a
redução da contribuição alemã à
UE, claramente injusta.
Mas selar acordos na Europa é
brincadeira de criança em comparação com a tarefa de alcançar uma
decisão no gabinete alemão.
A pergunta de quem dirige a Alemanha se conserva pertinente desde o primeiro dia do governo.
Oskar Lafontaine, ministro das
Finanças e presidente do Partido
Social-Democrata, acha que é ele.
O vice-premiê Joschka Fischer,
líder do Partido Verde e ministro
do Exterior, acha que é ele quem
comanda a política externa alemã.
Para complicar, o ministro do
Meio Ambiente, o verde Jurgen
Trittin, nutre a ilusão de ser o responsável pela energia nuclear.
Mas quem realmente manda na
Alemanha é Bodo Hombach, o
ideólogo do "Novo Centro" (leia-se "Terceira Via"), pau para toda
obra de Schroeder.
Com a ajuda de Hombach, o
chanceler saiu vencedor de todas
as disputas políticas importantes
até agora.
Tradução de
Clara Allain
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