São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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VENEZUELA
Cientista político Jorge Castañeda crê que eleição do ex-golpista mostra rejeição a elites e defende populismo
Chávez pode ser modelo para esquerda

PIERRE HASKI
do "Libération", em Davos

O ex-golpista Hugo Chávez, empossado na Presidência da Venezuela na semana passada, deve se tornar um "verdadeiro populista latino-americano". A opinião é de Jorge Castañeda, professor da Universidade Autônoma do México e um dos mais prolíficos intelectuais latino-americanos da atualidade.
Castañeda é autor de uma obra sobre a esquerda latino-americana após a Guerra Fria e, mais recentemente, de uma biografia de Che Guevara. Foi entrevistado à margem do Fórum de Davos, na Suíça, do qual foi participante.
² Pergunta - O que representa a eleição de Hugo Chávez na paisagem política latino-americana?
Jorge Castañeda -
O simples fato de ele ter sido eleito deixa claro que existe por parte de um setor do eleitorado uma rejeição clara não tanto aos políticos, mas a uma classe ou elite política, intelectual, empresarial e até mesmo étnica. A maioria esmagadora dos eleitores não-brancos escolheu Chávez, enquanto a maioria esmagadora dos brancos votou em seu rival. O eleitorado votou contra essa elite, fato que, a meu ver, é positivo. Espero que Chávez se torne tudo aquilo que as elites temem que se torne. Eu gostaria que ele se transformasse num verdadeiro populista latino-americano.
Pergunta - Por quê?
Castañeda -
Precisamos de dirigentes latino-americanos que pensem nas pessoas. A meu ver, é melhor fazer coisas e cometer erros do que não fazer nada por medo de errar. E é justamente isso que vem acontecendo na América Latina nos últimos 30 anos. Chávez tem o potencial de ser um verdadeiro populista latino-americano. É bom lembrar que, apesar de todos os seus defeitos, as grandes épocas populistas na América Latina, nos anos 30 e 40, com Vargas, Cárdenas, Perón, etc, foram os únicos momentos em que parte dos excluídos foi incorporada à sociedade. Uma parte minoritária, um pouco elitista, é verdade -os trabalhadores industriais organizados-, mas foi melhor isso do que nada!
Pergunta - Quais são as vantagens de Chávez?
Castañeda -
As vantagens tipicamente populistas latino-americanas. Essa é uma descrição bastante fiel do que foi o populismo latino-americano no passado. Chávez conquistou o poder pela via eleitoral, mas poderia tê-lo feito por outros meios, como os velhos populistas, que também tentaram de tudo: insurreições, revoltas. Chávez pode conseguir reunir uma coalizão muito ampla, incluindo o empresariado, os pobres urbanos, os trabalhadores organizados, os militares. Se o conseguir, as perspectivas são muito promissoras.
Pergunta - Qual é sua margem de manobra, num país financeiramente asfixiado?
Castañeda -
Seria preciso que ele obtivesse do FMI e dos EUA concessões que ultrapassam de longe aquilo que esses poderes já concederam até aqui. Até agora ninguém tentou pressionar essas instituições até o limite. Até agora os dirigentes latino-americano têm tido tanto medo que eles mesmos se autolimitam.
Pergunta - Chávez seria uma das vias para a esquerda latino-americana hoje?
Castañeda -
No meu livro sobre a esquerda latino-americana, falei da necessidade de atualização do populismo local. Outra via possível seria a de uma social-democracia moderna. Por enquanto, essa via ainda não existe.
A via de um partido operário à esquerda da social-democracia, que poderia ter sido concretizada no PT brasileiro ou no Partido Revolucionário Democrático (PRD) no México, ainda não decolou. Já um populismo latino-americano renovado, que fosse -antes de mais nada- democrático e que levasse em conta o mercado e a globalização, pode representar um caminho a ser seguido pela esquerda.
Pergunta - Até agora as crises não têm ajudado essa corrente na América Latina. No Brasil, FHC foi reeleito enquanto a crise corria solta. Isso muda alguma coisa?
Castañeda -
O caso de Cardoso é o mais interessante, porque o Brasil é o país mais importante da América Latina. Foi uma reeleição que custou caro: entre US$40 bilhões e US$50 bilhões fugiram das reservas brasileiras. Hoje é possível que Cardoso esteja se sentindo tentado a mudar de rumo. O Brasil é o único país da América Latina que poderia fazê-lo. Ele possui a autoridade moral, política e internacional necessária para isso. Se a crise brasileira não parar logo, não será fácil continuar com uma política ortodoxa nesse país, onde não é possível impor qualquer coisa à opinião pública, aos trabalhadores, à imprensa, etc. Ele poderia ser obrigado a optar por impor controles aos movimentos de capitais, uma política de salários e preços e uma mudança nas alianças políticas internas. Hoje estamos mais próximos de uma mudança de rumo no Brasil do que em qualquer outro momento na história recente da América Latina.
²


Tradução de Clara Allain



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