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VENEZUELA
Cientista político Jorge Castañeda crê que eleição do ex-golpista mostra rejeição a elites e defende populismo
Chávez pode ser modelo para esquerda
PIERRE HASKI
do "Libération", em Davos
O ex-golpista Hugo Chávez, empossado na Presidência da Venezuela na semana passada, deve se
tornar um "verdadeiro populista
latino-americano". A opinião é de
Jorge Castañeda, professor da Universidade Autônoma do México e
um dos mais prolíficos intelectuais
latino-americanos da atualidade.
Castañeda é autor de uma obra
sobre a esquerda latino-americana
após a Guerra Fria e, mais recentemente, de uma biografia de Che
Guevara. Foi entrevistado à margem do Fórum de Davos, na Suíça,
do qual foi participante.
²
Pergunta - O que representa a
eleição de Hugo Chávez na paisagem política latino-americana?
Jorge Castañeda - O simples fato
de ele ter sido eleito deixa claro que
existe por parte de um setor do
eleitorado uma rejeição clara não
tanto aos políticos, mas a uma classe ou elite política, intelectual, empresarial e até mesmo étnica. A
maioria esmagadora dos eleitores
não-brancos escolheu Chávez, enquanto a maioria esmagadora dos
brancos votou em seu rival. O eleitorado votou contra essa elite, fato
que, a meu ver, é positivo. Espero
que Chávez se torne tudo aquilo
que as elites temem que se torne.
Eu gostaria que ele se transformasse num verdadeiro populista latino-americano.
Pergunta - Por quê?
Castañeda - Precisamos de dirigentes latino-americanos que pensem nas pessoas. A meu ver, é melhor fazer coisas e cometer erros do
que não fazer nada por medo de
errar. E é justamente isso que vem
acontecendo na América Latina
nos últimos 30 anos. Chávez tem o
potencial de ser um verdadeiro populista latino-americano. É bom
lembrar que, apesar de todos os
seus defeitos, as grandes épocas
populistas na América Latina, nos
anos 30 e 40, com Vargas, Cárdenas, Perón, etc, foram os únicos
momentos em que parte dos excluídos foi incorporada à sociedade. Uma parte minoritária, um
pouco elitista, é verdade -os trabalhadores industriais organizados-, mas foi melhor isso do que
nada!
Pergunta - Quais são as vantagens de Chávez?
Castañeda - As vantagens tipicamente populistas latino-americanas. Essa é uma descrição bastante
fiel do que foi o populismo latino-americano no passado. Chávez
conquistou o poder pela via eleitoral, mas poderia tê-lo feito por outros meios, como os velhos populistas, que também tentaram de tudo: insurreições, revoltas. Chávez
pode conseguir reunir uma coalizão muito ampla, incluindo o empresariado, os pobres urbanos, os
trabalhadores organizados, os militares. Se o conseguir, as perspectivas são muito promissoras.
Pergunta - Qual é sua margem de
manobra, num país financeiramente asfixiado?
Castañeda - Seria preciso que ele
obtivesse do FMI e dos EUA concessões que ultrapassam de longe
aquilo que esses poderes já concederam até aqui. Até agora ninguém tentou pressionar essas instituições até o limite. Até agora os
dirigentes latino-americano têm
tido tanto medo que eles mesmos
se autolimitam.
Pergunta - Chávez seria uma das
vias para a esquerda latino-americana hoje?
Castañeda - No meu livro sobre a
esquerda latino-americana, falei
da necessidade de atualização do
populismo local. Outra via possível seria a de uma social-democracia moderna. Por enquanto, essa
via ainda não existe.
A via de um partido operário à
esquerda da social-democracia,
que poderia ter sido concretizada
no PT brasileiro ou no Partido Revolucionário Democrático (PRD)
no México, ainda não decolou. Já
um populismo latino-americano
renovado, que fosse -antes de
mais nada- democrático e que levasse em conta o mercado e a globalização, pode representar um caminho a ser seguido pela esquerda.
Pergunta - Até agora as crises
não têm ajudado essa corrente na
América Latina. No Brasil, FHC foi
reeleito enquanto a crise corria
solta. Isso muda alguma coisa?
Castañeda - O caso de Cardoso é
o mais interessante, porque o Brasil é o país mais importante da
América Latina. Foi uma reeleição
que custou caro: entre US$40 bilhões e US$50 bilhões fugiram das
reservas brasileiras. Hoje é possível que Cardoso esteja se sentindo
tentado a mudar de rumo. O Brasil
é o único país da América Latina
que poderia fazê-lo. Ele possui a
autoridade moral, política e internacional necessária para isso. Se a
crise brasileira não parar logo, não
será fácil continuar com uma política ortodoxa nesse país, onde não
é possível impor qualquer coisa à
opinião pública, aos trabalhadores, à imprensa, etc. Ele poderia ser
obrigado a optar por impor controles aos movimentos de capitais,
uma política de salários e preços e
uma mudança nas alianças políticas internas. Hoje estamos mais
próximos de uma mudança de rumo no Brasil do que em qualquer
outro momento na história recente da América Latina.
²
Tradução de
Clara Allain
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