São Paulo, segunda-feira, 07 de março de 2011

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Casamento do check-in

Em nome da independência , Tania Cooper Patriota constroi uma união peculiar com o chanceler brasileiro

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
"Isso é que é um ninho vazio!", começava, em 2007, a nota no boletim que segue o movimentado mundo diplomático de Washington. O ninho em questão era a casa do então embaixador do Brasil nos EUA, Antonio Patriota.
O comentário tinha algo de reprimenda ao caráter intermitente da presença de sua mulher, Tania Cooper Patriota, na capital americana -uma heresia no script tradicional da diplomacia.
Quem organizaria o brunch? Um chá? Azeitaria os contatos sociais da representação brasileira?
No 7 de Setembro daquele ano, Tania ofereceu uma recepção. Distribui sorrisos e acarajé. Mas quase todo o tempo ela passava no Haiti, onde era representante do Fundo de Populações da Nações Unidas (UNFPA).
De lá para cá, a história de Tania ganharia contornos dramáticos -ela enfrentou o megaterremoto haitiano. E se incrementariam, em tese, suas responsabilidades protocolares: seu marido virou chanceler.
Mas a americana naturalizada brasileira, psicóloga com mestrado em saúde pública na Universidade Columbia, manteria sua adesão à ética do trabalho dos puritanos de Plymouth (Massachussetts), onde a família de seu pai chegou em 1620.
"Depois de tanta experiência, parar?", diz ela.
Quando Patriota servia na China, foi secretária da embaixada do México e limpou até a biblioteca. Na Venezuela, traduzia em casa. "Minha mãe catalã viveu a Guerra Civil espanhola. Meu pai, a Grande Depressão. O lema sempre foi ser independente financeiramente."
Tania agora responde pelo UNFPA na Colômbia (onde mora) e na Venezuela.

NO LIMITE
Não foi uma decisão fácil. A experiência no Haiti a levou ao limite. Em menos de dois minutos, duas dezenas de amigos desapareceram.
"Eu perdi muitos amigos, não só parceiros de trabalho. Pessoas com quem eu convivia todos os dias. Eu já estava lá há três anos. Você vê fantasmas em todos os cantos."
"Só saberia se algumas pessoas estavam vivas ou mortas um mês depois", diz, em português sem sotaque.
Naquele fim de tarde de 12 de janeiro de 2010, Tania preparava o relatório anual da agência sobre o Haiti.
"O Haiti começou uma fase bastante positiva em 2009", escrevia.
Veio o tremor.
"Fui para debaixo da mesa. O barulho era terrível. Era como um gigante sacudindo uma caixa de fósforos."
Por horas, o chanceler não soube da mulher. Um fuzileiro naval brasileiro, a pedido do embaixador, foi em busca de Tania.
Às 3h, ela conseguiu enviar um e-mail: "Alive in Porto Príncipe". Com uma lista na mão, buscava notícias dos 45 funcionários.
Após um mês de trabalho de tarefas de emergência- a funcionária da ONU foi para o Brasil por duas semanas.
Pensou em antecipar a aposentadoria -poderia fazê-lo dali há três anos, quando completasse 60. Decidiu aceitar o posto em Bogotá.
"Descobrimos no ano passado uma comunidade indígena colombiana onde se praticava mutilação genital. Apoiamos mulheres da comunidade que queriam acabar com a prática", conta.

SOLIDÃO
Entre os custos está seguir com a espécie de casamento do "check-in". "Há momentos duros de solidão. Nunca me senti tão só como nos apagões em Porto Príncipe."
O contato principal com o chanceler, diz, é via e-mail. "Eu sou conectada, gosto de Facebook, de Skype." É assim que ela fala com Thomas, 27, que vive em Brasília, e Miguel, 30, em Nova York.
"O Antonio não tem nem televisão nem computador em casa em Brasília. Ele prefere ler", diz.
E em 31 anos de vida conjugal, 20 com carreira diplomática paralela à do chanceler, onde os Cooper Patriota se sentem em casa?
"Na Bahia. É o único lugar em que temos uma casa nossa. É o lugar de encontro. Lá, talvez, eu acabe meus dias."


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