São Paulo, Domingo, 07 de Março de 1999
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SUL DO LÍBANO
Soldado de origem brasileira afirma ter matado civis usados como escudos humanos pelo grupo terrorista
Israelense descreve guerra contra Hizbollah

Reuters
Criança israelense se espreguiça depois de passar a noite num bunker em Kyriat Shemona, norte de Israel


MARCELO STAROBINAS
especial para a Folha

O brasileiro naturalizado israelense J.G, 31, integrou unidade de elite do Exército de Israel criada para combater o grupo extremista islâmico Hizbollah. Entre 90 e 93, viveu e sobreviveu à guerra.
Nesse período, J.G. viu amigos morrendo ao seu lado. Foi ferido com estilhaços de granada. Matou inimigos. E também civis.
"Era ou eu e meu amigo, ou eles", disse, contando o episódio em que seus disparos atingiram o alvo desejado -um guerrilheiro-, mas também custaram a vida de uma mulher e de uma criança que estavam na linha de fogo.
"Os terroristas sabem da consciência humanitária do soldado israelense. Por isso, usam civis como escudo", argumenta.
Desde 1985, Israel já perdeu mais de 300 soldados no conflito com o Hizbollah na faixa de cerca de 15 km que ocupa no sul do Líbano.
Leia trechos de sua entrevista, concedida à Folha por telefone.

Folha - O que você fazia no Líbano?
J.G. -
Participei do comando Lotar, uma unidade experimental de combate à guerrilha. Ficávamos numa base na fronteira. Saíamos a pé ou de helicóptero, sempre à noite, com os objetivos já traçados.
Andávamos camuflados pela mata, com pintura na cara, em silêncio total. A arma já vai carregada com uma bala no cano. Nunca subestimamos os terroristas. Não entramos lá de salto alto. Sabemos que eles apanham uma vez, duas, na décima vez já estão esperando.
Folha - Alguém morreu com você?
J.G. -
Morreram dois amigos meus em uma batalha, no final de 1991. Eu mesmo me feri nesse dia, com estilhaços de granada, que entraram numa perna e nas costas.
Folha - O que deu errado?
J.G. -
Íamos para uma aldeia e eles nos pegaram desprevenidos. Nessas horas, leva vantagem quem atira primeiro. No final, matamos cinco. Estávamos em 12 -dois morreram e eu e mais três ficamos levemente feridos.
Folha - O que passa pela cabeça num momento desses?
J.G. -
Não pensamos em nada. Imaginamos onde está cada companheiro e nos preocupamos em manter uma linha única.
Íamos em 12. O esquema é mais ou menos o mesmo. Três avançam correndo, atirando, enquanto os outros, deitados, dão cobertura, disparando. Aí, eles deitam e outros passam. Assim, vai-se avançando, sem nunca parar de atirar.
O ponto é que avançamos sob tiros dos próprios companheiros, ouvindo o zunido na orelha. É a técnica israelense. Há muito treino para não atingirmos um de nós. Mas erros humanos acontecem.
Folha - Essa foi a vez em que você esteve mais próximo de morrer?
J.G. -
Foi a única vez que me feri. Mas passei situações mais perigosas. Uma vez, entramos numa aldeia para sequestrar um cara importante do Hizbollah para ser interrogado. Minha função era ir aos quartos e ver se havia inimigos.
Eu e um amigo entramos num quarto onde havia uma mulher sentada com uma criança. Atrás dela, havia uma cortina fechada, que serve como armários nesses vilarejos. Meu amigo entrou primeiro. A mulher estava com a criança abraçada no colo. Passei e perguntei : "Tá limpo?". Ele disse que sim. Quando ele se virou, vi de rabo de olho a cortina se abrindo e um terrorista armado com uma Kalashnikov. Ele estava jogando a mulher para o lado para atirar. Fui mais rápido, peguei meu amigo com toda a força pelo colete, joguei-o para fora do quarto, e atirei.
Folha - Com a mulher no meio?
J.G. -
Éramos nós ou eles. O terrorista, a mulher e a criança morreram.
Folha - E você conseguiu dormir?
J.G. -
Normalmente. Estava muito cansado depois da missão. Mesmo hoje, não sinto remorso.
Folha - Você teve de fazer relatório explicando a morte dos civis?
J.G.
Não. Contei ao meu superior, que deve ter relatado aos seus superiores. Nunca ninguém do Exército veio falar comigo.
Folha - Você quer dizer que o Hizbollah usa civis para se proteger?
J.G. -
Isso é comum. O terrorista do Hizbollah é ciente da consciência humanitária israelense. Coloca suas bases onde está a população.


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