São Paulo, Domingo, 07 de Março de 1999
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"VIETNÃ ISRAELENSE"
Guerrilheiros aprenderam a usar estratégias de Israel

ROBERT FISK
do "The Independent"

Houve uma época em que os palestinos diziam que o Líbano se tornaria o Vietnã de Israel.
Os israelenses riram da ameaça, invadiram o Líbano em 1982 (pela segunda vez em quatro anos), expulsaram a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) de Beirute e, por força da ferocidade de seus ataques, criaram o Hizbollah.
Agora, o Hizbollah veio concretizar a previsão palestina. Não apenas Israel perdeu a guerra do Líbano -foi redondamente derrotado por um dos mais profissionais exércitos guerrilheiros do mundo-, como já deixou de meter medo nos libaneses.
Na semana retrasada, um coronel israelense e dois soldados foram mortos no sul do Líbano, na área sob ocupação israelense inacreditavelmente chamada de "zona de segurança".
Na passada, a mesma coisa aconteceu com um general e três de seus soldados.
Qual foi a reação israelense? A mesma retórica sobre "combater o terrorismo" que se ouve há mais de 20 anos.
A inanidade da tão propagandeada "vingança" ficou clara pelo nome escolhido para a mais recente incursão retaliatória israelense no Líbano: "Operação Terra, Mar e Ar".
A triste verdade é que nenhum soldado israelense hoje ousa pôr os pés fora da zona ocupada; nenhum soldado se aventura a avançar a pé, ou mesmo com tanques, para atacar guerrilheiros do Hizbollah.
É o que basta para eliminar o elemento "terra" da operação. O Líbano será alvejado pelos disparos de artilharia de sempre. Em apenas 48 horas na semana passada, houve pelo menos 23 ataques aéreos - são cerca de 1.400 em 12 meses.
E a pequena canhoneira classe Hetz que está disparando contra o antigo acampamento palestino de Nahme, ao sul de Beirute -um alvo que não guarda a menor relação com o Hizbollah-, não vai preocupar os homens que estão destruindo Israel no sul do Líbano.
Na realidade, o que o Hizbollah vem fazendo é copiar cuidadosamente táticas israelenses e voltá-las contra o inimigo.
Quando Israel começou a usar o sistema analógico para detonar bombas escondidas atrás de pedras, os guerrilheiros copiaram a tecnologia.
Quando os israelenses blindaram seus grandes tanques Merkava para prevenir ataques por foguetes, o Hizbollah aprendeu a disparar mísseis nos pontos de junção das chapas blindadas.
Quando os israelenses se gabaram das proezas do seu serviço de inteligência no sul do Líbano, o Hizbollah subornou ou chantageou colaboradores libaneses de Israel na região, membros do Exército do Sul do Líbano, e forçou-os a trair seus patrões.
Mas o Hizbollah também copiou outra tática israelense de poder destrutivo muito maior.
No passado, era parte da política israelense obrigar a população civil libanesa a pagar pela presença dos guerrilheiros no sul do Líbano. A idéia era simples: o sofrimento imposto aos civis seria tão grande que obrigaria o governo libanês a desarmar o Hizbollah.
Agora, é o Hizbollah que ameaça disparar saraivadas de foguetes contra o norte de Israel. E são os israelenses que imploram a seu governo para que retire as tropas do Líbano.
É justamente nisso que consiste a beleza da confusão toda, do ponto de vista dos libaneses e dos aliados sírios e iranianos do Hizbollah.
A Síria quer a devolução das colinas do Golã, ocupadas por Israel. A continuação da guerra movida pelo Hizbollah contra a ocupação do sul do Líbano é a única forma de pressão sangrenta que Damasco pode aplicar sobre Israel.
Já os libaneses recebem com escárnio as condições propostas por Israel para se retirar da região. "Obedeçam a resolução 425 do Conselho de Segurança da ONU", respondem. A resolução, de 1978, exige "a retirada total e incondicional".
Na realidade, os libaneses não têm pressa de ver os israelenses partirem. Mas Israel está tentando desesperadamente sair da região.
E os soldados israelenses têm tanto medo que, quando têm licença, preferem percorrer -a pé e à noite, através de uma zona rural e o mais distante possível das estradas- os cerca de 20 quilômetros que os separam da fronteira israelense.


Tradução de Clara Allain


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