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São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2003

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GUERRA DE IMAGENS

Emissoras do Oriente Médio cobrem conflito do ponto de vista dos bombardeados

TVs árabes mostram o outro lado

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A AMÃ

Um iraquiano de cerca de 50 anos grita com a câmera desesperado, enquanto vai e volta até a parte traseira de um caminhão na cidade de Nassíria, no sul do país, apontando sempre seu conteúdo: pelo menos cinco corpos empilhados, todos seus parentes.
Pega pela mão esquerda o corpo de uma menina de não mais de dois anos e a chacoalha para o cinegrafista. O pequeno cadáver balança como se fosse uma boneca de pano. Qual conjunto de emissoras exibiu esta cena, no começo a semana passada?
De um lado, CNN, BBC, Sky News e Fox News. Do outro, Al Jazeera, Al Arabiya e Abu Dhabi TV. As primeiras mostram esta guerra do ponto de vista dos bombardeadores, com seus mapas, estratégias, experts, alta tecnologia e assepsia. As últimas têm a perspectiva dos bombardeados, com cidades destruídas, alvos civis atingidos por engano, familiares revoltados e muito sangue.
A novidade é que, diferentemente da Guerra do Golfo de 1991, quando Peter Arnett via CNN era a única fonte de informação televisiva, agora o mundo árabe tem pelo menos três emissoras de notícia via satélite.
Al Jazeera, baseada no Qatar, é a "CNN árabe", com mais audiência do que as outras duas somadas (40 milhões de espectadores) e quatro milhões de novos assinantes conquistados depois de começada a guerra. Seu público mora no Oriente Médio, sim, mas também em países como a França, com seus 5 milhões de habitantes que falam árabe.
É a mais profissional entre elas. Criada em 1996 pelo emir do Qatar, tem jornalistas experientes que fizeram carreira justamente em emissoras européias como BBC e não é chapa-branca como a maioria das televisões árabes.
Não por acaso seus repórteres já foram expulsos de países como Jordânia, Arábia Saudita e, mais recentemente, Iraque (nos três casos, todos foram readmitidos mais tarde). A estrela é o palestino Majed Abdel Hadi, que cobriu a guerra do Afeganistão.
A saudita Al Arabiya foi inaugurada cerca de um mês antes de iniciado o conflito e se fia na cobertura da guerra para "pegar" entre o público árabe e, de preferência, roubar assinantes de sua maior concorrente. É do grupo Middle East Broadcasting Center, o mesmo que têm os direitos da versão árabe do game-show "Who Wants to Be a Millionaire", e tem 22 correspondentes espalhados entre Bagdá, Basra e Mossul.
A Abu Dhabi, de propriedade do governo dos Emirados Árabes Unidos, é a menor das três, corre por fora e, por isso mesmo, é a mais gráfica do trio, mostrando imagens como a relatada acima.
Diz ter entre os compradores de suas imagens mais de 120 organizações jornalísticas. É a única das três a ter estúdio em Bagdá, montado antes da guerra. "A maior parte da cidade pode ser vista do telhado de nosso escritório, onde temos quatro câmeras ligadas 24 horas por dia, uma apontada para cada lado", disse Ali Al Ahmed, diretor da emissora.

Mais correspondentes
Quem está mais próximo da verdade? Os dois lados exageram, as TVs ocidentais mostrando uma guerra sem vítimas e sem erros, as árabes mostrando mais sangue e exploração da dor humana do que recomenda o bom senso jornalístico.
Mas não há dúvida de que as emissoras baseadas nos EUA e na Europa perderam contato com a realidade da guerra, seja pelo grande número de repórteres "embutidos" com as forças de coalizão (a Al Jazeera só tem um), seja pelo pequeno número de repórteres cobrindo diretamente das cidades atacadas (só a BBC tem gente em Bagdá, por exemplo, campo em que a Al Jazeera conta com cinco jornalistas).
Quem se informou nos últimos dias só pela CNN e BBC, por exemplo, acreditou que a cidade portuária de Umm Qasr estava totalmente dominada (não estava, e as redes tiveram de voltar atrás depois), que a maioria xiita tinha se revoltado contra o exército iraquiano em Basra (não tinha, a cidade permanecia calma) e, tão recente quanto ontem à noite, que o aeroporto internacional de Bagdá continuava sob poder da coalizão (não continuava, continuava sendo disputado pelos iraquianos).

Duas versões
"Nós do mundo árabe estamos ligeiramente em melhor posição do que a maioria dos americanos", escreveu o analista Rami G. Khouri, do diário libanês "Daily Star". "Pelo menos, podemos ver e ouvir ambos os lados, dada a facilidade de se sintonizar as redes dos EUA e da Europa aqui. Já eles só ouvem a versão oficial."


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