UOL


São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2003

Texto Anterior | Índice

Política econômica será minha, diz Néstor Kirchner

ENVIADO ESPECIAL A CÓRDOBA

Néstor Kirchner, um dos três candidatos do PJ (Partido Justicialista) à Presidência argentina, diz que não irá "alugar o Ministério da Economia" do país. É sua forma de afirmar que não permitirá que, caso seja eleito, seu governo adote medidas diferentes das que o candidato prometeu durante a campanha.
Ele também se recusa a dizer que economistas admira. Diante da pergunta, responde: "Eu. Como presidente, eu serei o responsável pela política econômica".
O candidato avalia que só após o início do novo governo será possível recuperar a confiança dos argentinos nos políticos do país. Diz que adotará uma política econômica de "produção e emprego" e que planeja negociar a dívida externa argentina "com descontos de pelo menos 50% e com prazo de 50 anos".
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha. (MARCELO BILLI)

Folha - As pesquisas mostram que os argentinos se sentiram traídos nas últimas quatro eleições. Como o sr. recuperaria a confiança da população no novo governo?
Néstor Kirchner -
Na Argentina, em 1989 [quando foi eleito o ex-presidente Carlos Menem", disseram que ia haver uma revolução produtiva e de trabalho e se entregou o país a Domingo Cavallo. Veio [Fernando" De la Rúa e disse que ia fazer uma reestruturação ética e um país novo. Voltou Cavallo.
Digo ao povo argentino que eu garanto a política econômica. Óbvio que teremos gente trabalhando na área econômica, mas o responsável pela política econômica serei eu. Recuperar a credibilidade não é tarefa fácil.
Na campanha, encontrei muita gente que disse gostar do que eu estava dizendo e perguntava: "Como faço para acreditar?". A população não vai dar um cheque em branco ao novo governo. Há um nível de ceticismo compreensível depois do que aconteceu aqui. O eleitor votou por uma coisa, e fizeram outra. O próximo governo será de gestão. As pessoas vão voltar a acreditar quando constatarem que faremos na Casa Rosada [sede do governo argentino" o que dissemos nas ruas.

Folha - Quem quer que seja o presidente, terá que enfrentar um Parlamento, segundo muitos analistas, hostil. Seu partido chega às eleições rachado em três grupos. Como governará nessas condições?
Kirchner -
Houve uma época em que se dizia que, na Argentina, se o candidato não tivesse mais de 51% dos votos, era impossível governar. Mas não é verdade, sempre tivemos um Parlamento plural. O justicialismo já está rachado há muito tempo. É um partido com visões diferentes. Existe o justicialismo do Menem, que é sinônimo de corrupção, que está aliado ao capital concentrado na economia, que representa aqueles que ficaram com a riqueza e o trabalho dos argentinos. O que nós queremos é um justicialismo plural, que construa um projeto nacional, popular, progressista.

Folha - As principais preocupações dos argentinos hoje são o desemprego e a pobreza.
Kirchner -
Vamos construir um projeto de produção e emprego, com forte investimento público. Vamos gerar postos de trabalho com investimentos em infra-estrutura. Se geramos trabalho, se geramos investimentos e temos um projeto produtivo, vamos avançar sobre a pobreza. Temos de dar atenção também às políticas sociais. Enfim, levaremos adiante um projeto econômico com inclusão social e competitividade. Estabilidade com equidade.

Folha - É um projeto que pressupõe um governo mais intervencionista. No primeiro mês de governo, o sr. terá de negociar com o FMI, que pedirá menos gastos públicos.
Kirchner -
Na Argentina, fracassou o mercado e fracassou o Estado empresário. Queremos um Estado pequeno, um governo com presença e que regule e controle os instrumentos macroeconômicos do Estado. Um mercado heterodoxo, que se complemente com o Estado para gerar crescimento com justiça social e dignidade.

Folha - Como o sr. negociará a dívida argentina?
Kirchner -
A Argentina deve US$ 180 bilhões: US$ 30 bilhões para organismos multilaterais e US$ 150 bilhões para um número enorme de investidores. Hoje, essa dívida tem um valor que corresponde a 22% [do valor de face dos títulos". No início de 2002, os títulos chegaram a ser comprados por 10% de seu valor. O que propomos é um abatimento de, pelo menos, 50% do valor da dívida. Vamos fazer uma reprogramação da dívida. Não como a que fez Cavallo, que a fez por dez anos, o que não é nada. Reprogramaremos em, pelo menos, 50 anos, com abatimento de juros e pagamentos que estejam de acordo com as possibilidades do Orçamento.

Folha - Em quanto tempo os argentinos recuperarão o que perderam em qualidade de vida, renda etc. nos últimos quatro anos?
Kirchner -
Não cometerei a irresponsabilidade de, por estar em eleição, sair com propostas demagógicas. Reconstruir a Argentina, com justa distribuição de renda, justiça social e um Estado eficiente, leva tempo. Começaremos a trabalhar desde o primeiro dia.

Folha - O sr. mencionou o presidente Lula da Silva várias vezes.
Kirchner -
Estou muito contente que o Brasil tenha um presidente como o que tem. Espero ser o presidente da Argentina para que, com Lula, possamos integrar definitivamente o Brasil e a Argentina. É isso o que estão esperando os países do Mercosul: que o Brasil e a Argentina coordenem rapidamente suas políticas.
Devemos construir um espaço não apenas econômico, mas político. Temos de começar a reivindicar conjuntamente, ser uma região com pensamento independente, baseada na autodeterminação dos povos, nos princípios de justiça social, no combate à corrupção. Precisamos adotar políticas solidárias para sair da situação em que estamos.


Texto Anterior: Rodríguez Saá quer "colocar argentinos para trabalhar"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.