São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / ARRECADAÇÃO DE CAMPANHA

Candidatos atacam seus financiadores

Setores mais criticados publicamente na corrida à Presidência dos EUA são também maiores doadores das campanhas

Obama lidera arrecadação em que contribuintes principais são bancos, imobiliárias e advogados; total deve chegar a US$ 5 bi

Manuel Balce Ceneta/Associated Press
Voluntários da campanha de Obama trabalham em campus da Universidade da Pensilvânia

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A fim de conquistar votos de um eleitorado majoritariamente pró-Hillary Clinton, Barack Obama participou de um bate-papo com trabalhadores em Scranton, na Pensilvânia, na semana passada. Entre promessas, criticou as empresas imobiliárias, que, afirmou, gastaram US$ 185 milhões com lobistas na última década. O pré-candidato democrata esqueceu-se de dizer que ambos os setores são respectivamente o primeiro e segundo principais doadores de sua campanha.
Análise dos números divulgados mensalmente pelos dois pré-candidatos democratas e pelo republicano John McCain mostra que os três criticam duramente em público as mesmas mãos que alimentam suas campanhas em privado. Eles recebem boa parte de seu dinheiro do setor financeiro, de seguros e de negócios imobiliários, além de escritórios de direito e lobby, suas principais vítimas em discursos e anúncios.
Entre as cinco maiores origens de doadores dos candidatos estão os principais nomes do setor global de bancos: Goldman Sachs, Morgan Stanley, Citigroup, Merrill Lynch, UBS Ag, Lehman Brothers e JP Morgan -o último, presente no noticiário recente ao participar da operação de resgate do Bear Stearns promovida pelo Fed (banco central dos EUA), a um custo de US$ 30 bilhões.
Dois escritórios internacionais de advocacia são os maiores contribuintes da campanha de Hillary e de McCain. Ambos têm ramificação no setor de lobby, os "grupos de interesses especiais" que a senadora e Obama prometem varrer de Washington e contra os quais McCain aprovou lei no Senado.
"Há um descompasso entre o discurso dos candidatos e a realidade das arrecadações de campanha", disse à Folha Sheila Krumholz, do Center for Responsive Politics. Vêm do site mantido por essa ONG pró-transparência política, batizado de OpenSecrets, e dos números fornecidos pelas campanhas dos candidatos à FEC (Comissão Federal Eleitoral) os dados desta reportagem.

Pulverização
Os números oficiais mostram uma pulverização de doações anônimas e aparentemente sem interesse de grupo ou de setor por trás. Assim, segundo os mais recentes, fechados em 28 de fevereiro e consolidados pelo FEC, Barack Obama lidera o total de arrecadação, com US$ 138,2 milhões. É seguido de perto por Hillary Clinton, com US$ 134,5 milhões, com John McCain na lanterna, com US$ 53,7 milhões. Os números ainda não consolidados pelo FEC, que incluem a arrecadação de março e foram divulgados pelas campanhas, são de US$ 234 milhões para Obama e US$ 176 milhões para Hillary. McCain não divulgou os seus.
Pela lei americana, cada pessoa física pode doar até US$ 2.300 por candidato por etapa da eleição. Já as empresas podem doar US$ 5.000 por candidato por eleição. Quem doa quanto e para quem é informação pública, postada na internet. Bill Gates, por exemplo, já deu US$ 2.300 tanto para Hillary como para Obama.
O problema é quando essas doações de pessoas físicas são agrupadas de acordo com os setores da economia e as empresas de onde vieram. É o que fazem ONGs como o CRP. Assim, fica-se sabendo que US$ 16,9 milhões do total doado a Hillary, por exemplo, vieram de trabalhadores ou empresas do setor de finanças, seguros ou negócios imobiliários.
Na cultura corporativa dos EUA, o empregado sabe para qual candidato a empresa espere que ele dê dinheiro, e vice-versa. Um gerente de um fundo de investimentos, por exemplo, pode ser encarado como "contra o time" se doar para um candidato diferente do que a empresa para a qual trabalha decidiu que é o melhor.
Além disso, há outras maneiras de uma empresa ajudar esse ou aquele candidato diretamente. A mais comum é pelas chamadas organizações 527. Elas são criadas a cada ciclo eleitoral supostamente para receber dinheiro para defender questões e divulgar posições específicas, como o direito ao porte de armas, mas na prática atuam a favor desse ou daquele candidato. Não há limite de doações para essas organizações por pessoas jurídicas, que não precisam dizer para quem nem quanto doaram.
Uma organização 527 virou notícia em 2004: a Swift Boat Veterans for Truth, que levou ao ar anúncios questionando a atuação e o patriotismo na Guerra do Vietnã do então candidato democrata, John Kerry. Calcula-se que na corrida atual entidades como essa receberão US$ 600 milhões.
Assim, o total de dinheiro arrecadado nesta eleição deve ser recorde: US$ 5 bilhões ante US$ 4 bilhões do anterior. Desses, US$ 1 bilhão deve ir para os dois principais candidatos apenas em doações diretas de pessoas físicas e jurídicas.


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