São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Toledo diz que combaterá populismo fora do poder

Presidente peruano afirma que não aceita "ingerência" do colega Hugo Chávez

Primeiro mandatário do país de origem indígena relaciona impopularidade de sua gestão às demandas sociais da América Latina


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

O presidente do Peru, Alejandro Toledo Manrique, 60, deixará ao sucessor, Alan García, um crescimento econômico ininterrupto há 50 meses, o que não ocorria há 45 anos. Mas sairá após governar quase o tempo todo com taxa de aprovação de um dígito e sem sucessor político: seu partido, Peru Possível, não lançou candidato e elegeu só duas das 120 cadeiras da Assembléia. "Deixo a mesa servida", resigna-se. Na entrevista à Folha concedida ontem no Palácio de Governo, Toledo diz que, depois da eleição, se tornará "guerreiro contra o populismo barato dos petrodólares", em alusão ao venezuelano Hugo Chávez. Teatral, se levantou várias vezes durante a entrevista, andou pela sala enquanto respondia e alternou o tom da voz entre murmúrios e quase gritos.

 

FOLHA - O sr. governou quase todo o tempo como um dos líderes mais impopulares da América do Sul, mas conclui o mandato como o presidente mais popular do Peru nos últimos 20 anos. Como explicar isso?
ALEJANDRO TOLEDO -
Assumi uma posição talvez não muito padronizada na América Latina. Governar hoje na região significa ter a responsabilidade de pagar um preço político, fazer consistentes políticas de crescimento econômico sustentável que nos levem a ter a oportunidade de distribuir os benefícios com políticas sociais. [...] Eu não tive lua-de-mel, há uma inundação de expectativas sociais justificadas. Dizem: "Cholo" (índio) já nos deu democracia, agora quero trabalho". Já plantei, já está bonito, tenho de ir. Isso é o que representa a baixa popularidade que tive nos primeiros anos, porque me aferrei a acreditar que a pobreza não se elimina dando o peixe mas ensinando a pescar.

FOLHA - Tem havido um debate sobre o "voto emprestado", que garantiu a vitória de García. Uma vitória assim traz risco de instabilidade?
TOLEDO -
Não vou comentar porque a contagem não terminou. Mas é certo que as pessoas não votaram totalmente em García. Houve um segmento importante que votou contra o outro candidato. Mas eu peço que lhe dêem uma trégua, que tenham tolerância. Não façam o que fizeram comigo.

FOLHA - O sr. concorda com a avaliação de García de que o imperialismo de Chávez saiu derrotado?
TOLEDO -
Não sei se é um imperialismo, mas é uma ingerência. Disse ao presidente Chávez: "Meu amigo, lhe elegeram para ser o presidente da Venezuela, não da América Latina. Não se meta nos assuntos internos do Peru. Não compete ao senhor financiar candidatos".

FOLHA - Então Chávez financiou Ollanta Humala?
TOLEDO -
Não sei, não tenho evidências. Mas veja como é essa história: se não ganha o candidato que ele quer, então vai romper relações. O que é isso? Que ameaças são essas? [Levanta a voz]. Que intromissão! Não permito! Quando deixar de ser presidente vou virar um guerreiro contra o populismo barato dos petrodólares.

FOLHA - O senhor já se definiu como um erro estatístico e é presidente num país que não está acostumado com um indígena no poder. Que influência sua origem teve?
TOLEDO -
Sou o primeiro presidente peruano de origem indígenas democraticamente eleito em 500 anos. É uma enorme responsabilidade. Foi difícil para muita gente, nos primeiros anos do meu governo, digerir que seu presidente é um "cholo". Mas isso era problema deles, não meu. Agora, já me deixam entrar no Clube Nacional.


NA FOLHA ONLINE - Leia a entrevista completa de Alejandro Toledo

Texto Anterior: Bagdá já contabiliza 6.000 mortos no ano
Próximo Texto: Humala perdeu por causa do apoio de Chávez, afirma García
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.