São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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ALEMANHA

Hospitais alemães instalam dispositivo para receber crianças abandonadas; projeto causa controvérsia no país

Berlim tem portinhola para mãe deixar bebê

SILVIA BITTENCOURT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE BERLIM

O caminho que a jovem mãe toma com seu bebê nos braços circunda uma das alas laterais do Hospital Waldfriede, no sudoeste de Berlim. É um caminho isolado, que corta um jardim, e quem passa por ele mal pode ser observado das janelas do hospital. Várias placas indicando a chamada "babyklappe" mostram onde ele acaba: numa portinhola de bebês, que jovens e mulheres necessitadas podem abrir e deixar seus recém-nascidos, garantindo o anonimato delas e a segurança deles.
A "babyklappe" (pronuncia-se beibeclape e significa portinhola de bebês) do Hospital Waldfriede é uma das três instaladas em pouco mais de um ano na capital alemã, com o objetivo de salvar a vida de bebês que correriam perigo de ser abandonados ou mesmo mortos por mães desesperadas.
Por ano, cerca de 40 bebês são achados abandonados na Alemanha, pelo menos a metade deles sem vida. Considerando os que não são encontrados, este número deve ser bem maior.
O Hospital Waldfriede não costuma anunciar cada caso em que sua portinhola é usada. Poucas semanas atrás, porém, os responsáveis pela "babyklappe" fizeram um balanço para a imprensa: no primeiro ano do projeto, um total de quatro mulheres fizeram uso das três portinholas de Berlim, entregando de forma anônima seus filhos para adoção, sem passar por todo o processo que esta exige.
A "babyklappe" é a portinhola de uma caixa metálica, instalada na parede de uma das salas de um hospital. Dentro da caixa há um pequeno colchão coberto por uma manta de pele, lembrando um cesto para bebês, onde a criança deve ser colocada. Uma pequena lâmpada acesa e um sistema de aquecimento garantem luz e calor ao recém-nascido.
Uma das laterais da caixa é a portinhola externa, aberta pela mãe do bebê. A outra, interna, é usada pelos enfermeiros, chamados por um sistema de alarme também ali instalado. A portinhola aciona o alarme cerca de dois minutos depois de ter sido fechada do lado de fora -para dar tempo à mãe de deixar o local.
Retirado da caixa, o bebê é examinado pelos médicos. Dias depois, o Serviço de Assistência ao Menor da Prefeitura de Berlim encaminha o recém-nascido para uma família, que cuidará dele até ser adotado.
Uma carta que a mãe encontra abrindo a portinhola explica que ela pode mudar de idéia e procurar o hospital para ter a criança de volta, com a garantia de que não será acusada de abandono.
A carta também informa que o hospital oferecerá à mãe toda a assistência necessária se ela decidir ficar com o filho. Caso a mãe não se manifeste -como nos quatro casos registrados em Berlim-, a criança é liberada para adoção cerca de dois meses depois.

Polêmica
A primeira "babyklappe" alemã surgiu na cidade de Hamburgo, em 2000, pouco depois de um recém-nascido ter sido encontrado morto num depósito de lixo. O fato chocou a opinião pública do país, que passou a ser confrontada com números alarmantes sobre a pobreza infantil em uma das nações mais ricas do mundo.
Calcula-se que mais de 1 milhão de crianças alemãs vivam em situação beirando a pobreza, com famílias dependentes de assistência social.
Hoje, cerca de 30 portinholas -também apelidadas de "janelas", "ninhos de Moisés" ou "portas da vida"- estão espalhadas pelo país. Sua instituição foi polêmica, começando pelo aspecto jurídico.
Como no Brasil, na Alemanha a lei obriga o registro de todo recém-nascido. Diferentemente da maioria dos casos de adoção, a portinhola descarta para a criança a possibilidade de, no futuro, procurar sua mãe -e conhecer as origens é um direito previsto até por convenção da ONU (Organização das Nações Unidas).
Além disso, perguntam-se juristas, quem garante que um bebê encontrado na "babyklappe" não foi colocado ali por outra pessoa, sem o conhecimento da mãe?
As instituições de defesa do menor e para a adoção também gritaram contra o projeto.
Para elas, a portinhola não fará diminuir o índice de recém-nascidos abandonados. "Mães que matam seus bebês estão em pânico, e ninguém procura, em pânico, uma portinhola", afirma a pedagoga Christine Swientek, da Universidade de Hannover.
Além disso, a "babyklappe" não resolve o problema das mulheres que, por medo de serem identificadas, ganham bebês sozinhas, sem assistência médica. Por isso os defensores da portinhola fazem também uma campanha pela instituição do parto anônimo, ainda proibido na Alemanha.
Fato é que, como não há indícios de maus-tratos, a Justiça alemã vem tolerando a portinhola. A polícia só é acionada quando há suspeita de que o bebê tenha sofrido maus-tratos antes de ser entregue.
Já para os defensores da "babyklappe", é o anonimato que garante a salvação de um bebê nascido em condições adversas. "Para nós, trata-se primeiramente de fazer uma criança sobreviver", disse à Folha Ursula Künning, responsável pelo projeto "babyklappe" da organização católica Caritas, em Berlim.
O projeto faz parte de um programa maior de prevenção e assistência a jovens grávidas e mães necessitadas, justamente para que estas não recorram à portinhola. "Quanto menos bebês aparecerem na "babyklappe", melhor", acrescenta.
Segundo a pastora Gabriele Stangl, do Hospital Waldfriede, a instituição assiste, por mês, de uma a duas jovens grávidas ou mães em situação difícil, com o objetivo de convencê-las a ficarem com seus bebês. A maioria tem entre 14 e 17 anos de idade.
Na Alemanha, são principalmente instituições católicas e protestantes que realizam o projeto "babyklappe". O que não surpreende: dez séculos atrás, durante a Idade Média, igrejas e mosteiros na Europa já ofereciam portinholas para mães necessitadas.



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