São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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Saúde frágil aumenta questionamentos sobre liderança do papa, que pode recolher-se definitivamente a mosteiro polonês, em agosto

Até quando?

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

No mês que vem, o papa João Paulo 2º, 82, pode fazer uma viagem só de ida à sua terra natal, a Polônia, onde anunciaria a renúncia à liderança católica em sua ex-diocese (na Cracóvia) e se recolheria a um mosteiro em oração, segundo rumores atribuídos a assessores próximos a ele.
A deterioração de sua saúde aumentou os questionamentos sobre até quando a igreja pretende mantê-lo à frente do cerca de 1 bilhão de católicos e sobre como seria a sucessão no caso de uma renúncia ou da constatação de incapacidade para ocupar o trono de são Pedro -inédita em um cenário desses nos tempos modernos.
Não há quase nada anunciado no cronograma papal após agosto, quando o número de cardeais que compõem o Colégio Cardinalício, indicados em sua quase totalidade por Karol Wojtyla, fica próximo a 120 -tradicional para a realização de um conclave.
Quando um papa morre -ou renuncia-, cardeais de menos de 80 anos podem participar do conclave que elege um sucessor entre os reunidos em assembléia.
Desde 1993, o papa tem manifestado sintomas claros do mal de Parkinson, uma desordem do sistema nervoso. Entre esses indícios, destacam-se um tremor quase incontrolável de seu braço esquerdo e uma rigidez de seus músculos faciais, dando ao pontífice uma expressão de fragilidade.
O papa sofre também de uma artrose no joelho e das consequências do atentado a tiros que quase o matou em 1981. De tempos em tempos surgem rumores de que uma operação ortopédica será necessária, já que João Paulo 2º reclama de dores nas juntas.
Nas últimas semanas, vem recebendo as visitas em seu apartamento particular no terceiro andar do palácio apostólico, no Vaticano, em vez de recebê-las no segundo andar do prédio, aconselhado por médicos devido à sua dificuldade de caminhar

Fim do tabu
Pouco antes de o papa completar 82 anos (em 18 de maio), O cardeal alemão Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que personifica a voz da ortodoxia católica, e subdeão do Colégio Cardinalício, tornou-se o mais importante clérigo a falar em uma possível renúncia.
Um repórter de um jornal religioso de Munique perguntou se Ratzinger sabia o que papa pensava sobre um eventual recolhimento. "Eu ainda não lhe perguntei nada sobre isso, mas, se ele percebesse que não poderia absolutamente [continuar", com certeza ele renunciaria", argumentou o cardeal.
Em 16 de maio, o cardeal hondurenho Oscar Rodriguez Maradiaga também foi questionado se ele acreditava que um dia o papa se sentiria compelido a renunciar. "O papa sente a responsabilidade de seu ministério e, no dia em que sentir que não pode mais continuar, vai renunciar", afirmou. "Acho que ele teria a coragem de se aposentar caso problemas de saúde o proibissem de realizar seu ministério", disse o arcebispo de Tegucigalpa.

Carta secreta
Outra teoria diz que Karol Wojtyla (nome de batismo do papa) teria entregue uma carta secreta, sem data, a seu secretário pessoal desde os tempos da Cracóvia, Stanislaw Dziwisz (também polonês), na qual abordaria a questão de sua renúncia.
Foi Dziwisz, que mantém contato permanente com o papa, quem confirmou que ele vai visitar a Polônia entre 16 e 19 de agosto. Na agenda oficial do Vaticano, não há nada indicado após esse mês, embora uma viagem à Croácia, em setembro, esteja "em preparação", de acordo com autoridades eclesiásticas.
A carta teria sido redigida como precaução em razão da vitaliciedade do papado e com o intuito de evitar uma paralisia administrativa se o líder da Igreja Católica não pudesse expressar a decisão de renunciar.
O Código de Direito Canônico não especifica o que deve ser feito caso o papa perca as faculdades mentais. Assim, ele próprio teria traçado uma linha de ação, tal como fez o papa Paulo 6º, que deixou uma carta de natureza semelhante com seu secretário pessoal, o arcebispo Pasquale Macchi, para que a abrissem se ele fosse considerado mentalmente incapaz.
Segundo Macchi relata em um livro, a carta não chegou a ser aberta porque o pontificado de Giovanni Battista Montini teve um final normal, com sua morte, em agosto de 1978.
Ao tomar como base a experiência dos jesuítas, José María de Vera, diretor de imprensa e informação da Companhia de Jesus, em Roma, considera ""verossímil" a existência da carta. ""É costume na Companhia de Jesus que o padre-geral deixe uma carta selada com seu secretário pessoal, contendo orientações sobre as medidas a serem tomadas no caso de ele, por exemplo, entrar em estado de coma", explica De Vera.
As viagens papais não contestam a hipótese da carta de renúncia, segundo analistas. Enquanto tiver forças, o papa vai procurar manter-se no cargo. ""Vou visitar igrejas e países distantes porque isso faz parte de minha missão, para promover a unidade de todo o povo de Deus", disse ele.
O escritor e biógrafo Vittorio Messori, ligado ao Opus Dei, acha plausível a existência do documento, pois o mal de Parkinson geralmente leva a uma incapacidade física e, segundo ele, ""65% dos doentes de Parkinson com mais de 80 anos de idade apresentam sintomas graves de déficit cognitivo".
Mas a suposta carta-testamento do papa divide especialistas.
"Quem vai lhe dizer: santo padre, você está incapacitado? Esse é o problema", diz o teólogo Charles Burns, que trabalhou mais de 25 anos nos arquivos do Vaticano.
Na opinião do monsenhor e teólogo George Cottier, trata-se de "pura especulação".
Para o cardeal Joachim Meisner (da Alemanha), considerado próximo ao papa, a fragilidade do líder religioso o beneficia e se tornou um "símbolo da igreja". Meisner rejeitou os rumores de renúncia e disse que o papa vai manter sua visita ao México, programada para dias 30 e 31 de julho e 1º de agosto. João Paulo 2º celebrará a canonização de um indígena mexicano.
Enquanto isso, aumentam as articulações dos interessados em se tornar o sucessor de são Pedro, que disputam espaço em torno do papa e tentam formar bases de apoio para o futuro conclave.



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