São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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MUDANÇA

West End, que já foi centro da vibração da capital britânica, enfrenta criminalidade e reclamação de moradores

Região badalada de Londres vive decadência

STEVE BOGGAN
DO "THE INDEPENDENT"

Há apenas cinco anos, ele era o centro geográfico da cidade descrita pela revista "Newsweek" como "a mais "cool" do mundo". Partindo dele, a vibração que moveu a idéia da Inglaterra "cool" propagou-se em uma onda positiva que ajudou a impelir o novo trabalhismo à vitória nas urnas.
Hoje, o West End de Londres, o local que abriga a essência da cultura teatral e de clubes britânica, segundo o homem que supostamente o administra, está perto da anarquia. O sentimento positivo deu lugar a assaltos, tráfico de drogas, presença constante de pessoas embriagadas nas ruas e tanto lixo que é impossível retirar tudo entre o fim de um dia de farras e o começo do dia seguinte.
Simon Milton, presidente da Câmara dos Vereadores do distrito de Westminster (região central de Londres), compara o West End à Times Square, em Nova York, de dez anos atrás, quando era ímã de usuários e traficantes de drogas, criminosos e mendigos.
Embora tenha sido a Câmara presidida por Milton que deu alvará aos pubs, clubes e bares responsáveis pelo excesso de entretenimento que está sufocando a região, ele está reclamando de tudo.
"Não podemos empurrar o problema para baixo do tapete", disse Milton. "Temos traficantes agressivos nas ruas, mendigos, vagabundos. Houve casos de tiroteios diante de clubes. Não podemos ignorar isso. Precisamos adotar uma política de tolerância zero."
West End designa toda uma região que engloba o que os urbanistas ingleses do pós-guerra chamavam de "a zona de atividade central de Londres", na qual os habitantes podiam trabalhar, fazer comprar, comer fora, dançar e desfrutar de atrações culturais.
Entre as áreas de atração do West End estão Leicester Square, Covent Garden, Trafalgar Square, Oxford Street, Soho, Mayfair, Piccadilly e Charing Cross. Algumas, como Mayfair, têm poucos problemas. Em outras, como Soho, eles são constantes.
Todas as noites, dezenas de milhares de pessoas -até 100 mil nos finais de semana- se reúnem numa área relativamente pequena onde muitos bares permitem que se beba até as 3h.
Mas o metrô fecha à 0h30, os ônibus noturnos são vistos como perigosos e pouco usados e muitos taxistas licenciados evitam circular pela área à noite. Restam os cerca de 5.000 taxistas que trabalham ilegalmente. Muitos desses, quando presos, revelam estar portando drogas ou ter fichas na polícia por crimes violentos.
Numa reunião com autoridades de Londres, Milton disse: "Estamos vivendo a ascensão do "megapub", com sua ênfase no "consumo vertical de álcool", e do "megaclube", com 2.500 pessoas".
"Temos só 15 policiais para percorrer a região e lidar com centenas de milhares de jovens embriagados numa sexta qualquer."
O melhor e o pior do West End estavam à mostra num começo de noite deste mês. Em Covent Garden e no Soho, londrinos bem-humorados saíam às ruas após o trabalho. Havia turistas por toda parte, espantados com o agito, mesmo numa noite de semana.
Quando a noite caiu, entretanto, o clima começou a mudar. Diante do teatro Prince Edward, na Old Compton Street, o americano Charles Dwyer, de Boston, fazia fila para comprar um ingresso para o musical ""Mamma Mia!".
""Há um sujeito na entrada ao lado, tomando cerveja, fumando cigarros e pedindo esmolas", contou. "Onde ele arrumou o dinheiro para os cigarros? Ele não estava só pedindo esmolas. Era algo um pouco agressivo. E já nos ofereceram drogas duas vezes. É uma sensação muito incômoda. Será que este bairro é seguro?", disse.
A poucos metros, em Moor Street, africanos oferecem drogas. Não perdem seu tempo com maconha: vendem heroína e cocaína.
"Dá para ver pessoas fumando crack em latas vazias", disse um membro da Sociedade Soho, que defende os interesses dos moradores. Ele pediu para não ser identificado. "De manhã, vemos latas e agulhas deixadas por usuários de heroína. As mães têm medo de levar seus filhos à escola, pois esses caras resolvem desentendimentos com armas ou facas. Às 7h30, muitos traficantes ainda estão na rua."
A polícia nega que a situação do West End esteja se agravando. Aponta para as 14 mil prisões que fez neste ano, contra as 11 mil feitas no ano passado.
"Essas histórias de pessoas que acharam seringas usadas de manhã são coisa do passado", disse um porta-voz da polícia. "Estamos avançando na repressão ao tráfico. Há pouco tempo, prendemos 19 traficantes."
Mas, como observa Simon Milton, há 42 mil policiais em Nova York e 28 mil em Londres. As duas metrópoles têm mais ou menos o mesmo tamanho.
"Não somos contra a idéia de a cidade funcionar 24 horas", disse Milton. "Mas, se quisermos estender o horário em que a venda de álcool é permitida, temos de calcular o total aceitável de bares e pessoas. Precisamos de policiamento e transporte adequados."
São palavras sábias que podem poupar o resto da Inglaterra da experiência dolorosa vivida pelo West End. Mas são lições que deveriam ter sido aprendidas há muito tempo com a cidade mais "cool" do mundo: Nova York.


Tradução de Clara Allain


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