São Paulo, quinta-feira, 07 de julho de 2005

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LIBERDADE DE IMPRENSA

Judith Miller, que se recusou a dizer quem lhe contou a identidade de espiã, pode ficar detida até 3 meses

Repórter é presa nos EUA por não abrir fonte

Gerald Herbert/Associated Press
Jornalista Judith Miller chega à corte federal em Washington, onde se recusou a depor e foi presa


PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

"Se não se pode confiar nos jornalistas para garantir confidencialidade, os jornalistas não têm como trabalhar corretamente, e não há como termos uma imprensa livre." Pouco depois de pronunciar estas palavras perante um juiz, a repórter Judith Miller, do "New York Times", foi levada para a cadeia por se recusar a dizer a pessoa que lhe revelou o nome de uma agente da CIA.
O outro repórter envolvido no caso, Matthew Cooper, da revista "Time", concordou na última hora em depor e não vai para a cadeia. O jornalista disse que sua fonte -a pessoa que havia fornecido informações para sua reportagem- o liberou do compromisso de confidencialidade.
"[Anteontem] à noite abracei meu filho e disse a ele que poderia passar um longo tempo sem vê-lo", falou Cooper. Mas o repórter afirmou que, na manhã de ontem, sua fonte o autorizou a revelar seu nome. Na semana passada, a "Time" já havia fornecido ao juiz federal que cuida do caso, Thomas Hogan, e-mails e anotações do repórter. Mas o conteúdo foi considerado insuficiente pelo promotor do caso, Patrick Fitzgerald.
Miller será a primeira jornalista do "Times" a ir para a cadeia por não revelar sua fonte desde 1978, quando um repórter do jornal, Myron Farber, passou 40 dias preso. O número de casos contra jornalistas tem aumentado nos EUA nos últimos anos, segundo advogados da área.
"O direito à desobediência civil é baseado na consciência pessoal, é fundamental para nosso sistema e foi honrado ao longo de nossa história", afirmou Miller, antes de ser levada do tribunal.
Ao contrário do que pediram seus advogados, a repórter não terá direito a prisão domiciliar. Ela ficará numa prisão no Distrito de Columbia (onde fica Washington) até outubro, quando acaba a investigação, ou até mudar de idéia e revelar a fonte.
"Ainda há uma chance real de que o confinamento a leve a testemunhar", disse o juiz Hogan.

Ganhadora do Pulitzer
Uma das principais repórteres investigativas do "Times", Miller trabalha no jornal desde 1977. Já ganhou o prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo americano, e, mais recentemente, cobriu a Guerra do Iraque. Foi correspondente no Egito e em Paris, além de ter feito várias coberturas internacionais.
O caso que a levou para a cadeia começou em 2003, quando o nome da agente secreta Valerie Plame vazou para a imprensa. A identidade foi primeiro revelada por um colunista conservador, Robert Novak. Em seguida, Miller e Cooper começaram a investigar a história para seus veículos de comunicação. Agora, o promotor quer saber quem no governo americano vazou o nome da espiã, um crime pelas leis dos EUA.
O vazamento ocorreu dias depois de o marido de Plame, um ex-diplomata, publicar um artigo em que contestava duramente pontos da política externa do presidente George W. Bush.
Um dos pontos curiosos é que Miller, apesar de ter investigado a história e entrevistado suas fontes a respeito, jamais sequer publicou uma linha sobre o tema.
A sua prisão provocou reações de entidades defensoras da liberdade de imprensa, e ela teve apoio total do jornal em que trabalha.

"Um ato de consciência"
O publisher do "New York Times", Arthur Sulzberger Jr., disse que há momentos em que o "bem maior da democracia" americana "exige um ato de consciência". "Judy escolheu tal ato ao honrar seu compromisso de confidencialidade com suas fontes. Ela acredita, assim como nós, que o livre fluxo de informações é fundamental para uma cidadania bem informada", completou.
O editor-executivo do jornal, Bill Keller, afirmou que a decisão da repórter era uma "escolha corajosa e de princípios". De acordo com o jornalista, a acusação falhou em mostrar até se há crime ou não. "É confuso, em razão do mistério sobre que crime exatamente foi cometido e o que exatamente o promotor espera ao concretizar o ato draconiano de punir uma jornalista honrada", afirmou. "Qualquer um que acredite que o governo e outras poderosas instituições deveriam ser fiscalizadas de perto e agressivamente deveria sentir um frio na espinha [com a decisão]."

O que diz o promotor
O promotor que investiga o caso e pediu a prisão de Miller argumenta que "jornalistas não têm o direito de prometer confidencialidade completa -ninguém nos Estados Unidos tem". Em sua opinião, "não podemos ter 50 mil jornalistas, cada um tomando suas próprias decisões sobre revelar suas fontes" . "Não podemos tolerar isso", disse Fitzgerald.


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