São Paulo, sexta-feira, 07 de julho de 2006

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análise

Ausência de pragmatismo alimenta a crise

GARETH EVANS
ROBERT MALLEY
PARA O "FINANCIAL TIMES"

Desde que o cabo israelense Gilad Shalit foi seqüestrado por militantes palestinos, pouco mais de uma semana atrás, todos os atores do drama que está se desenrolando na faixa de Gaza vêm agindo conforme o roteiro habitual. Sem saber o que fazer, eles estão fazendo o que sabem. Para o Hamas -o governo palestino eleito-, isso significa violência; para Israel, castigo coletivo, e, para a comunidade internacional -bem, para ela isso significa muito pouco, na realidade. Nada disso vai levar a lugar nenhum; com certeza, não levará a nada bom. É urgente que os envolvidos façam uma reavaliação pragmática. O primeiro passo é compreender a que diz respeito a crise e a que ela não diz respeito. Analistas israelenses e ocidentais se apressaram a concluir que a decisão do Hamas de retomar os ataques armados refletia uma divisão interna profunda, que ela teria sido ditada por uma liderança no exílio, de linha mais dura, interessada em provocar um confronto para constranger um governo islâmico mais pragmático, obcecado em se autopreservar. Essa análise demonstra um desconhecimento lamentável do funcionamento do Hamas e das propostas de sua liderança atual. As diferenças existem, mas são muito mais complexas do que pode sugerir qualquer pequena divergência entre líderes internos e externos. Em sua condição de organização para a prevenção de conflitos, o International Crisis Group se reúne regularmente com os líderes do Hamas, nos territórios ocupados e fora deles. Temos pouca paciência com a ideologia do Hamas e nada a não ser repúdio por suas táticas de terror. Mas nós ouvimos. Ao longo das últimas semanas, ouvimos tonalidades divergentes, prioridades distintas -e uma mensagem que se sobrepõe a tudo: deixem o Hamas governar, ou então o vejam combater.
Estratégia de pressão
Governar é o que não se vem permitindo ao Hamas fazer. Desde o Fatah, o movimento secular que é seu rival, até Israel, o mundo árabe e o Ocidente, a estratégia seguida desde as eleições palestinas de 25 de janeiro vem sendo inteiramente transparente: pressionar e isolar o governo, privá-lo de recursos e contar com a insatisfação popular para assegurar que a experiência do Hamas no poder chegue logo ao fim. Nesse contexto, o ataque à base militar de Kerem Shalom não saiu do nada, nem das divisões internas do Hamas. Ela saiu principalmente do cálculo feito pelos islâmicos de que precisavam mostrar que tinham outras opções, além da política eleitoral -e que as conseqüências de seu fracasso em governar recairiam sobre todos. Nesse ambiente enormemente tenso, é compreensível que Israel possa acreditar que castigar a população palestina, violando o direito internacional, é tudo o que pode fazer para preservar sua credibilidade em termos de ação dissuasiva e para desencorajar seqüestros futuros. Mas será que isso vai levar o soldado seqüestrado a ser solto, ileso? Vai fortalecer os setores palestinos pragmáticos? Restaurar o cessar-fogo? Neste momento, depois de tentativas e erros em série, seria de se esperar que a liderança israelense já tivesse compreendido que isso não funcionará. No confronto atual, o apoio ao Hamas está crescendo, suas fileiras estão ficando mais unificadas e seus detratores estão sendo reduzidos ao silêncio. Nada disso pinta um retrato encorajador, mas pode apontar para uma saída. Se quisermos que seja alcançado um acordo, as linhas gerais são previsíveis: Israel quer calma, e o Hamas quer a capacidade de governar. O Hamas precisa libertar o soldado, reinstalar a trégua e fazer com que as milícias parem de disparar foguetes.
Mediação
Israel precisa pôr fim a sua incursão na faixa de Gaza, parar com a ação militar desproporcional e libertar os ministros e parlamentares detidos, além dos prisioneiros palestinos que não tiverem sido formalmente acusados. Para se chegar a qualquer acordo, será preciso uma mediação muito mais ativa de uma terceira parte do que houve até agora. Qualquer tranqüilidade resultante será apenas passageira se o boicote internacional à Autoridade Nacional Palestina continuar. Essa decisão nunca fez muito sentido em termos do objetivo declarado da Europa e dos EUA, que é induzir o Hamas a evoluir. Faz menos sentido ainda agora, se a meta é impedir a deterioração total. A assinatura recente de um acordo entre Fatah e Hamas, a decisão de formar um governo de união nacional e a designação do presidente palestino, Mahmoud Abbas, como o encarregado das negociações com Israel, não satisfazem todas as condições do Quarteto de mediadores do Oriente Médio. Mas, por insuficientes que sejam, esses avanços representam um movimento. Em vista da urgência atual, eles deveriam levar pelo menos Bruxelas a repensar sua postura e considerar a ampliação de seu mecanismo de financiamento de modo a abranger os salários palestinos e o setor de segurança, cuja importância é crítica. Desde as eleições palestinas, o consenso ocidental vem sendo que ninguém deve tratar com o Hamas a não ser que este modifique sua ideologia. É uma posição perfeitamente defensável, até o momento em que realmente se quer alguma coisa do Hamas -por exemplo, que ele ponha fim à violência ou que liberte um refém. Se o acordo esboçado acima pode ser alcançado é tudo, menos certo. Mas a alternativa já é conhecida. Ela já foi vista antes. E é assombrosamente deprimente.


Gareth Evans é presidente do International Crisis Group. Robert Malley é diretor do programa da organização para o Oriente Médio.
Tradução de CLARA ALLAIN


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