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análise
Ausência de pragmatismo alimenta a crise
GARETH EVANS
ROBERT MALLEY
PARA O "FINANCIAL TIMES"
Desde que o cabo israelense Gilad Shalit foi seqüestrado por militantes palestinos,
pouco mais de uma semana
atrás, todos os atores do drama que está se desenrolando
na faixa de Gaza vêm agindo
conforme o roteiro habitual.
Sem saber o que fazer, eles
estão fazendo o que sabem.
Para o Hamas -o governo
palestino eleito-, isso significa violência; para Israel,
castigo coletivo, e, para a comunidade internacional
-bem, para ela isso significa
muito pouco, na realidade.
Nada disso vai levar a lugar
nenhum; com certeza, não
levará a nada bom. É urgente
que os envolvidos façam uma
reavaliação pragmática.
O primeiro passo é compreender a que diz respeito a
crise e a que ela não diz respeito. Analistas israelenses e
ocidentais se apressaram a
concluir que a decisão do Hamas de retomar os ataques
armados refletia uma divisão
interna profunda, que ela teria sido ditada por uma liderança no exílio, de linha mais
dura, interessada em provocar um confronto para constranger um governo islâmico
mais pragmático, obcecado
em se autopreservar.
Essa análise demonstra
um desconhecimento lamentável do funcionamento
do Hamas e das propostas de
sua liderança atual. As diferenças existem, mas são muito mais complexas do que
pode sugerir qualquer pequena divergência entre líderes internos e externos.
Em sua condição de organização para a prevenção de
conflitos, o International
Crisis Group se reúne regularmente com os líderes do
Hamas, nos territórios ocupados e fora deles. Temos
pouca paciência com a ideologia do Hamas e nada a não
ser repúdio por suas táticas
de terror. Mas nós ouvimos.
Ao longo das últimas semanas, ouvimos tonalidades
divergentes, prioridades distintas -e uma mensagem
que se sobrepõe a tudo: deixem o Hamas governar, ou
então o vejam combater.
Estratégia de pressão
Governar é o que não se
vem permitindo ao Hamas
fazer. Desde o Fatah, o movimento secular que é seu rival, até Israel, o mundo árabe
e o Ocidente, a estratégia seguida desde as eleições palestinas de 25 de janeiro vem
sendo inteiramente transparente: pressionar e isolar o
governo, privá-lo de recursos
e contar com a insatisfação
popular para assegurar que a
experiência do Hamas no poder chegue logo ao fim.
Nesse contexto, o ataque à
base militar de Kerem Shalom não saiu do nada, nem
das divisões internas do Hamas. Ela saiu principalmente
do cálculo feito pelos islâmicos de que precisavam mostrar que tinham outras opções, além da política eleitoral -e que as conseqüências
de seu fracasso em governar
recairiam sobre todos.
Nesse ambiente enormemente tenso, é compreensível que Israel possa acreditar
que castigar a população palestina, violando o direito internacional, é tudo o que pode fazer para preservar sua
credibilidade em termos de
ação dissuasiva e para desencorajar seqüestros futuros.
Mas será que isso vai levar
o soldado seqüestrado a ser
solto, ileso? Vai fortalecer os
setores palestinos pragmáticos? Restaurar o cessar-fogo? Neste momento, depois
de tentativas e erros em série, seria de se esperar que a
liderança israelense já tivesse compreendido que isso
não funcionará. No confronto atual, o apoio ao Hamas
está crescendo, suas fileiras
estão ficando mais unificadas e seus detratores estão
sendo reduzidos ao silêncio.
Nada disso pinta um retrato encorajador, mas pode
apontar para uma saída. Se
quisermos que seja alcançado um acordo, as linhas gerais são previsíveis: Israel
quer calma, e o Hamas quer a
capacidade de governar. O
Hamas precisa libertar o soldado, reinstalar a trégua e fazer com que as milícias parem de disparar foguetes.
Mediação
Israel precisa pôr fim a sua
incursão na faixa de Gaza,
parar com a ação militar desproporcional e libertar os
ministros e parlamentares
detidos, além dos prisioneiros palestinos que não tiverem sido formalmente acusados. Para se chegar a qualquer acordo, será preciso
uma mediação muito mais
ativa de uma terceira parte
do que houve até agora.
Qualquer tranqüilidade
resultante será apenas passageira se o boicote internacional à Autoridade Nacional
Palestina continuar. Essa decisão nunca fez muito sentido em termos do objetivo declarado da Europa e dos
EUA, que é induzir o Hamas
a evoluir. Faz menos sentido
ainda agora, se a meta é impedir a deterioração total.
A assinatura recente de
um acordo entre Fatah e Hamas, a decisão de formar um
governo de união nacional e
a designação do presidente
palestino, Mahmoud Abbas,
como o encarregado das negociações com Israel, não satisfazem todas as condições
do Quarteto de mediadores
do Oriente Médio.
Mas, por insuficientes que
sejam, esses avanços representam um movimento. Em
vista da urgência atual, eles
deveriam levar pelo menos
Bruxelas a repensar sua postura e considerar a ampliação de seu mecanismo de financiamento de modo a
abranger os salários palestinos e o setor de segurança,
cuja importância é crítica.
Desde as eleições palestinas, o consenso ocidental
vem sendo que ninguém deve tratar com o Hamas a não
ser que este modifique sua
ideologia. É uma posição
perfeitamente defensável,
até o momento em que realmente se quer alguma coisa
do Hamas -por exemplo,
que ele ponha fim à violência
ou que liberte um refém.
Se o acordo esboçado acima pode ser alcançado é tudo, menos certo. Mas a alternativa já é conhecida. Ela já
foi vista antes. E é assombrosamente deprimente.
Gareth Evans é presidente do International
Crisis Group. Robert Malley é diretor do programa da organização para o Oriente Médio.
Tradução de CLARA ALLAIN
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