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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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Para Magnus Ranstorp, que participou nesta semana de encontro na Tríplice Fronteira, a Al Qaeda deve ser entendida como uma ideologia

Terror é eterno, diz especialista

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PUERTO IGUAZÚ

O combate ao terrorismo é eterno, e os agentes do terror jamais deixarão de existir, podendo no máximo se transformar e, "como um vírus, gerar constelações infinitas", sem limites de tempo e de espaço.
A estimativa assumidamente pessimista foi feita para a Agência Folha pelo diretor do CSTPV (Centro para o Estudo de Terrorismo e Violência Política, na sigla em inglês), Magnus Ranstorp, 39, professor da Universidade de St. Andrews (Reino Unido) e tido como um dos mais importantes especialistas do mundo em terror.
Ranstorp afirma que a Al Qaeda "é uma ideologia" que pode "dominar um país, um Estado, como ocorre com a Arábia Saudita e o Paquistão". "Se os Estados Unidos não tivessem atacado o Afeganistão, certamente eles teriam produzido arma suja."
A respeito do ataque dos EUA ao Iraque e da presença americana no país, ele se diz favorável, pois "os terroristas têm de sentir também sua segurança ameaçada".
Confira trechos da entrevista concedida para a Agência Folha durante a conferência "Terrorismo Global e Tríplice Fronteira: Mito ou Ameaça?", que ocorreu na semana passada em Puerto Iguazú, na Argentina.

Agência Folha - O CSTPV e a SIA (Consultoria em Segurança e Inteligência, na sigla em inglês) resolveram organizar uma conferência na Tríplice Fronteira, onde há suspeitas de focos terroristas. Isso tem algum significado especial?
Magnus Ranstorp
- A situação da Tríplice Fronteira, com suas fronteiras frágeis e forte presença muçulmana, é um tema do qual se tem falado nos últimos dez anos. Os problemas daqui são sintomáticos a respeito do que pode ocorrer em qualquer lugar. O tema terrorismo, porém, vai muito além da Tríplice Fronteira. O mesmo problema existe no Chile, na Venezuela e no Panamá.
Na luta contra o crime organizado ou o terrorismo, o básico é combater o furto de documentos de identidade. Na Europa, sabemos que o furto de identidade é decisivo. Sempre que se pega alguém da Al Qaeda, ele tem uns 15 documentos de identidade diferentes falsificados. É um problema que sempre muda de cores.
A rede do terrorismo é como um vírus mutante, e a Justiça é reativa, mas precisamos é de prevenção. O grande problema é que o público acredita que o terrorismo existe apenas quando ocorre um atentado.
Os grupos terroristas arrecadam dinheiro de fontes diferentes. Grupos terroristas atuam em quatro frentes: social, política, militar e terrorista. É complexo.

Agência Folha - Isso quer dizer que falar especificamente de uma região, como a Tríplice Fronteira, é uma simplificação? Isso serve ao terror?
Ranstorp
- Não podemos exagerar o tema em relação a uma única região. A Tríplice Fronteira e seus problemas são um exemplo claro, que serve para uma análise de outros locais no mundo. Há outros pontos assim, trata-se de um problema global. O que é preciso é buscar a cooperação internacional.
O dinheiro se move mais rápido do que a polícia. A internet ajuda a criar essa constelação infinita, em qualquer lugar no mundo. Não podemos jamais cair no erro de ver isso como um problema local, porque ele é global.

Agência Folha - Um inimigo tão difícil de delimitar pode ser derrotado algum dia?
Ranstorp
- O terrorismo aparece e desaparece a qualquer momento e em qualquer lugar. É difícil. É como um vírus, que gera constelações infinitas. Dentro de 40 anos, poderemos não estar mais falando em Al Qaeda ou Osama bin Laden, mas em outras coisas do gênero. É complicado até fazer diferença entre os vários tipos de arrecadação de dinheiro que esses grupos têm. Qual vai para instituições sociais que eles controlam e qual vai para o terrorismo? Os Estados Unidos já não fazem mais distinção.

Agência Folha - A cooperação entre os países pode atenuar essa onipresença do terrorismo no mundo?
Ranstorp
- É fundamental a cooperação, assim como é prioritária a identificação do financiamento. As soberanias nacionais, nesse caso, são um obstáculo. O terrorismo não respeita barreiras nacionais. Cada país está obrigado pela resolução 1373 das Nações Unidas a desenvolver uma regulamentação nacional para confrontar esses problemas financeiros em todos os cantos. Mas para isso é necessária a colaboração.
Na região da Tríplice Fronteira, por exemplo, Brasil, Argentina e Paraguai precisam receber apoio. O que quero deixar claro é que todos os governos estão obrigados a tomar todos os passos para contra-atacar o terrorismo e seu financiamento.

Agência Folha - Essa necessidade de união para combater um inimigo comum que não é um Estado definido e age em todo o mundo configura a Terceira Guerra, uma guerra mundial pós-moderna?
Ranstorp
- É, sim, diferente de uma guerra normal. A Al Qaeda estudou a doutrina norte-americana, Che [Guevara], [Carlos] Mariguella... É uma nova geração de guerra, que tenta trabalhar dentro da sociedade adversária, aparecendo e desaparecendo. Quem mostrou esse caminho primeiro foi o Hizbollah, e a Al Qaeda o imitou. A Al Qaeda deve ser entendida como uma ideologia.
De nada adianta capturar Osama bin Laden. Desenvolveu-se uma vanguarda muçulmana que precisava criar células para a formação de um Estado islâmico. Essa vanguarda se coloca em locais onde haja populações muçulmanas atacadas.

Agência Folha - Esse não é o caso do Iraque?
Ranstorp
- O caso do Iraque é complexo. Esses grupos extremistas, que prejudicam a imagem do islamismo, estão em guerra contra nós, e nem tudo vem dirigido de cima para baixo. É como o corpo humano, a parte mais importante são, na verdade, os órgãos por todo o mundo. Há pessoas recrutadas em mesquitas no Ocidente. A Al Qaeda é uma ideologia que se transforma em diferentes aspectos, que pode dominar um país, um Estado, como ocorre com a Arábia Saudita e o Paquistão. Se os Estados Unidos não tivessem atacado o Afeganistão, certamente eles teriam produzido arma suja.

Agência Folha - Mas, no caso da Arábia Saudita e do Paquistão, são países aliados dos EUA...
Ranstorp
- Suas escolas clericais exportam ideologia. No Paquistão, há extremismo e sérios problemas sociais. Em dez ou 15 anos, poderemos ter novos regimes. A questão não é saber se, mas quando as células terroristas usarão armas químicas, não tanto para matar, mas para paralisar economias e sociedades. Esse problema não terminará com a captura de Bin Laden.

Agência Folha - A guerra dos EUA contra o Iraque foi um acerto?
Ranstorp -
Sei que há questionamentos sobre isso na América Latina, que a ONU não participou dessa atuação. Mas temos tido mais de dez anos de sanções que não fizeram mal à ditadura, mas ao povo. Talvez as armas químicas ainda sejam encontradas. Há evidências de que a Al Qaeda teve contatos com o regime iraquiano de Saddam Hussein. O que temos no Iraque agora são muitos autores que trabalham de modo organizado, que tentam atacar os EUA para criar uma nova guerra do Vietnã. O pesadelo maior que os Estados Unidos podem ter é uma insurreição xiita no sul do Iraque. Não podemos deixar que eles (os grupos terroristas) deixem de sentir sua segurança ameaçada. Fizemos muito, mas há muito a ser feito.

Agência Folha - Diante da necessidade de cooperação, qual o papel dos organismos multilaterais? O comprometimento com o combate ao terror entrou na pauta de países que buscam crédito? Entrou na agenda econômica mundial?
Ranstorp -
Na verdade, é uma pergunta a ser feita para o Bird [Banco Mundial]. Mas há, sim, entidades que colocam países em listas negras para contrair empréstimos. Alguns países têm enfrentado problemas. Por outro lado, muitos países tiram vantagem ao usar o 11 de Setembro em benefício próprio. Obtêm ajuda financeira e segurança. É um ambiente geopolítico global.

Agência Folha - Como Brasil, Argentina e Paraguai podem trabalhar juntos para conter a lavagem de dinheiro e outros crimes que ocorrem na Tríplice Fronteira?
Ranstorp -
Devemos encontrar novas formas de forças-tarefas regionais, trabalhar regionalmente para combater o extremismo, o tráfico de drogas e outros crimes. É importante criar instituições regionais. Trabalhamos, atualmente, sob formas muito tradicionais.
Uma força-tarefa na Tríplice Fronteira, com oficiais de polícia dos três lados para trabalhar e aprender uns com os outros, seria interessante. O que ocorre é que os oficiais de inteligência costumam guardar as informações para si, para seus países. Os EUA, nesse contexto, estão se isolando.
Na Europa, as pessoas transitam livremente entre os países, mas as polícias também. É um bom exemplo. Na Europa, temos o que chamamos de "ordem de prisão européia". Se alguém comete um crime financeiro, por exemplo, pode haver prisão promovida por um país em outro. Trata-se de interesses únicos, de direito comum a todos.


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