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Filme mostra reinvenções insólitas do mito
CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
De vodca a CD de Madonna,
passando por infinitas variações de camisetas e quinquilharias, a onipresente imagem de
Che Guevara é usada para vender quase qualquer produto. O
culto, atribuído ao "romantismo revolucionário adolescente" pelo historiador Robert
Conquest, ultrapassa aspectos
comerciais e encontra ecos
inesperados no filme "Personal
Che", de Douglas Duarte e
Adriana Mariño, recém-lançado no Festival do Rio.
O brasileiro e a colombiana,
que se conheceram em um fórum de documentaristas na internet, foram atrás de reinvenções do mito. Santo milagreiro de camponesas bolivianas, ídolo improvável de neonazistas,
terrorista e inspiração para
musical no Líbano são apenas
algumas das faces de Guevara
em "Personal Che".
"O que conecta o mito Che ao
redor do mundo é a idéia de
mudança, insatisfação com o
status quo", disse Duarte à Folha. Até em Cuba, onde o culto
é parte do sistema? "Lá Che representa um modelo de caráter, o "novo homem" fruto da revolução, entendida como processo, e não como fato datado."
Cada grupo se apropria de
um aspecto de Guevara: o abnegado, o idealista, o combatente.
Do Che de "pátria ou morte" ao
que conclama a "endurecer
sem perder a ternura jamais",
não faltam palavras de ordem.
A beleza de Guevara faz parte
da mística. "Isso é inegável",
disse Duarte, lembrando que
Gandhi, herói da independência indiana também assassinato, era um "careca baixinho".
Mas não explica tudo.
"Che ecoa mitos antigos, de
Jesus Cristo, do Ícaro que morre tentado alcançar um sonho",
comenta o diretor. É parte de
uma tradição romântica mais
longa que a revolucionária.
Além de morrer jovem, foi executado sem chance de defesa
-duas condições para ingressar no panteão dos ícones românticos, segundo o escritor e
colunista Christopher Hitchens. Ele diz que se pensa em
Che como um herói mais em
termos de Byron -autor clássico do romantismo inglês morto
na luta pela independência da
Grécia - do que de Marx.
A visão não é unânime.
Quando Alberto Korda, autor
da mais conhecida fotografia de
Che, derrotou judicialmente
uma agência de publicidade
que a utilizava em anúncio de
vodca, a decisão foi comemorada como uma vitória moral pela
esquerda. Nem o purismo nem
a história impedem, porém,
que a imagem seja apropriada
por cada um a seu modo.
Como Guy Debord escreveu
em "A Sociedade do Espetáculo", livro por vezes profético
publicado no mesmo ano da
morte de Guevara, "tudo que
um dia se viveu diretamente se
tornou mera representação". A
inexistente Revolución SA, que
tem Che como principal marca,
é uma grife tão popular quanto
a Coca-Cola.
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