São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Filme mostra reinvenções insólitas do mito

CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

De vodca a CD de Madonna, passando por infinitas variações de camisetas e quinquilharias, a onipresente imagem de Che Guevara é usada para vender quase qualquer produto. O culto, atribuído ao "romantismo revolucionário adolescente" pelo historiador Robert Conquest, ultrapassa aspectos comerciais e encontra ecos inesperados no filme "Personal Che", de Douglas Duarte e Adriana Mariño, recém-lançado no Festival do Rio.
O brasileiro e a colombiana, que se conheceram em um fórum de documentaristas na internet, foram atrás de reinvenções do mito. Santo milagreiro de camponesas bolivianas, ídolo improvável de neonazistas, terrorista e inspiração para musical no Líbano são apenas algumas das faces de Guevara em "Personal Che".
"O que conecta o mito Che ao redor do mundo é a idéia de mudança, insatisfação com o status quo", disse Duarte à Folha. Até em Cuba, onde o culto é parte do sistema? "Lá Che representa um modelo de caráter, o "novo homem" fruto da revolução, entendida como processo, e não como fato datado."
Cada grupo se apropria de um aspecto de Guevara: o abnegado, o idealista, o combatente. Do Che de "pátria ou morte" ao que conclama a "endurecer sem perder a ternura jamais", não faltam palavras de ordem.
A beleza de Guevara faz parte da mística. "Isso é inegável", disse Duarte, lembrando que Gandhi, herói da independência indiana também assassinato, era um "careca baixinho". Mas não explica tudo.
"Che ecoa mitos antigos, de Jesus Cristo, do Ícaro que morre tentado alcançar um sonho", comenta o diretor. É parte de uma tradição romântica mais longa que a revolucionária. Além de morrer jovem, foi executado sem chance de defesa -duas condições para ingressar no panteão dos ícones românticos, segundo o escritor e colunista Christopher Hitchens. Ele diz que se pensa em Che como um herói mais em termos de Byron -autor clássico do romantismo inglês morto na luta pela independência da Grécia - do que de Marx.
A visão não é unânime. Quando Alberto Korda, autor da mais conhecida fotografia de Che, derrotou judicialmente uma agência de publicidade que a utilizava em anúncio de vodca, a decisão foi comemorada como uma vitória moral pela esquerda. Nem o purismo nem a história impedem, porém, que a imagem seja apropriada por cada um a seu modo.
Como Guy Debord escreveu em "A Sociedade do Espetáculo", livro por vezes profético publicado no mesmo ano da morte de Guevara, "tudo que um dia se viveu diretamente se tornou mera representação". A inexistente Revolución SA, que tem Che como principal marca, é uma grife tão popular quanto a Coca-Cola.


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