São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Biografia resgata um anti-Che americano

William Morgan lutou contra Batista e foi fuzilado em Cuba em 1961, acusado de tramar contra-revolução

DENYSE GODOY
DE NOVA YORK

Menos de dois anos antes, ele estava do lado dos vencedores. Agora, em março de 1961, numa cela na prisão de La Cabaña, em Havana, esperava sua morte.
"Não permitimos que eles roubassem ou demos postos-chave àqueles que ambicionavam ser traidores: não os eliminamos, nós fizemos um acordo, tudo pelo bem de uma unidade que não foi completamente entendida. Esse foi o pecado da revolução."
Palavras de Ernesto Che Guevara, citadas no livro "The Americano", recém-lançado nos EUA. Segundo o autor, o jornalista americano Aran Shetterly, elas separavam os combatentes que tinham deposto o ditador Fulgêncio Batista: havia os "revolucionários puros" e os "pseudo-revolucionários". William Morgan foi classificado no segundo grupo.
Em Toledo, Ohio, no Meio-Oeste dos EUA, Morgan era Billy. A família de classe média alta se mudara para a cidade logo após o seu nascimento, na vizinha Cleveland, em 1928. Billy, um adolescente desajustado, alistou-se na Marinha Mercante no meio da Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, no Exército. No Japão, desapareceu após conhecer uma garota. A corte marcial o sentenciou a três anos de prisão. Voltou a Toledo e acabou envolvido com o tráfico de armas para os rebeldes cubanos.
Quando desembarcou na ilha, em janeiro de 1958, o comandante Eloy Gutiérrez Menoyo desconfiou do gringo. A habilidade com armas de fogo de Morgan convenceu-o. Aceito na SFNE (Segunda Frente Nacional de Escambray), passou a ser conhecido como El Americano, a partir do qual Shetterly conta a história da Revolução Cubana.
Segundo o jornalista, a trajetória do guerrilheiro americano resume a revolução, um ciclo de esperança, euforia e desilusão. "Em uma revolução, há união porque essa é a sua única chance de derrubar o regime. Na hora de organizar o que vem posteriormente, aparecem os conflitos", diz.
Morgan e Che eram ambos estrangeiros na guerrilha contra Batista. No entanto, as semelhanças paravam por aí. O americano jamais simpatizou com o comunismo.
"As coisas ficaram complicadas na ilha. Se você discordasse, significava que estava contra", continua Shetterly. "Morgan achava que alguma coisa estava errada nos rumos que a revolução tomou. O seu valor absoluto era a liberdade."
Sob o comando de Che Guevara, dezenas de dissidentes e contra-revolucionários foram executados no presídio de La Cabaña. Entre eles, em 11 de março de 1961, Morgan. Segundo Shetterly, ele havia se manifestado favoravelmente à idéia de uma contra-revolução aventada pelos companheiros de Escambray, mas nunca ficou provado que arquitetava algum plano. Na época em que foi preso, três meses antes de ser condenado à morte, cuidava de uma criação de rãs para vender a carne e a pele, na qual empregava cerca de 600 camponeses.


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