|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pobreza, partilha e EUA isolam islâmicos
Historiador vê preconceito contra minoria muçulmana na Índia
Para Ramachandra Guha, educação e inclusão social são a chave para evitar alienação e frear o avanço
do extremismo no país
DO ENVIADO A MUMBAI
Segundo o historiador Ramachandra Guha, 50, o radicalismo islâmico na Índia se alimenta da situação de pobreza
dos muçulmanos no país, dos
efeitos da partilha que originou
o Paquistão, em 1947, e do patrocínio de guerrilheiros pelos
EUA durante a Guerra Fria.
Autor de "A Índia depois de
Gandhi" e diretor da organização New India Foundation, que
promove o estudo da Índia contemporânea, ele foi considerado um dos cem intelectuais
mais influentes no mundo pela
revista "Foreign Policy". Abaixo, trechos da entrevista que
ele concedeu à Folha.
(RAUL JUSTE LORES)
Al Qaeda recruta
"A Al Qaeda já começou a recrutar na Índia os muçulmanos
mais angustiados com sua situação. Os muçulmanos indianos não podem se sentir de lado. Devem ser levados ao sistema de educação moderno, estimulados a aprender inglês, hoje decisivo para se empregar
bem na Índia. Durante muito
tempo, o governo era negligente com a educação. Hoje vivemos uma fase de empolgação,
todo mundo quer estudar."
Sem Justiça
"Em 2002, cerca de 2.000
muçulmanos foram mortos em
um massacre. Era resposta a
um atentado de radicais islâmicos, que por sua vez foi revanche pela destruição de uma
mesquita. Mas nenhum dos assassinos foi levado à Justiça, o
que só fortalece os radicais."
Pobres ficaram
"No movimento pela independência da Índia nos anos 30
e 40, a classe média começou a
se mudar para o que hoje é o Paquistão na esperança de ter
uma nação muçulmana. Empresários, comerciantes, médicos, universitários migraram
em massa. Os pobres muçulmanos ficaram na Índia. Há
poucos advogados, professores.
Muitos matriculam seus filhos
em escolas religiosas, não estão
na educação moderna."
Preconceito
"Não há discriminação oficial, mas há preconceito. Os
muçulmanos estão atrás na
educação, e há preconceito velado. Tenho certeza de que um
médico muçulmano, próspero
em Bangalore, terá dificuldades para alugar um apartamento de indianos. Não é discriminação institucional, é cultural,
leva tempo para mudar."
Guerra Fria
"O Paquistão é aliado americano desde 1954. A Índia era
próxima da União Soviética.
Quando os soviéticos invadiram o Afeganistão, os americanos armaram os guerrilheiros
muçulmanos. Nos anos 80, o
Paquistão viu a emergência
desses fundamentalistas patrocinados pelos EUA, que hoje
controlam cada vez mais setores da Justiça, da educação e
das Forças Armadas. Ninguém
controla os predicadores mais
radicais, que pedem a destruição da Índia nas mesquitas."
Revanche
"A tensão do Paquistão com a
Índia é religiosa, mas tem algo
de revanche. A Índia apoiou o
movimento separatista de Bangladesh, que se tornou independente do Paquistão em
1971. O Paquistão nunca a perdoou. Nações, como indivíduos, têm memória. O sucesso
econômico recente da Índia é
uma explicação menor."
Caxemira livre
"A presença militar na Caxemira é excessiva. Há muitos
abusos contra os direitos humanos lá. Há uma espiral de
violência. Não era um movimento sectário, mas foi tomado
pelos radicais, o que acaba justificando mais repressão pelo
Exército da Índia e novas revanches por seus excessos. A
Índia não entregará a Caxemira. Pode até dar mais autonomia, mas não interessa a ninguém uma Caxemira livre, que
cairia nas mãos da Al Qaeda."
Sem harmonia
"O nacionalismo indiano de
Gandhi e Nehru estava comprometido com a criação de um
Estado laico, de harmonia entre as minorias, mas, nos anos
60 e 70, com a disputa pela Caxemira, a direita nacionalista
cresceu, acha que os muçulmanos não fazem parte da Índia."
Texto Anterior: Trote por telefone provocou pânico em Islamabad Próximo Texto: Economia indiana já sente desaceleração e espera pacote Índice
|