São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2008

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Guarda de Emmanuel mudou de mãos pelo menos quatro vezes

Filho da refém Clara Rojas com guerrilheiro das Farc está sob cuidados de mãe substituta em lugar não revelado

Menino de três anos tem atraso no desenvolvimento psicomotor e fala pouco; custódia deve ser concedida a avó em até duas semanas

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ

Em três anos e meio de vida, Emmanuel trocou de custódia ao menos quatro vezes. Foi duas vezes internado e esteve à beira da morte. Por meio de depoimentos, a Folha busca reconstituir a história da criança no centro do maior revés político recente das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que tem comovido a Colômbia e o mundo.
Emmanuel nasceu em julho de 2004 num precário acampamento das Farc na selva no sudeste do país. É filho de Clara Rojas, assessora da candidata presidencial Ingrid Betancourt e seqüestrada com ela em fevereiro de 2002, e do guerrilheiro Juan David, o Rigo.
Por conta da situação de guerra, as Farc proíbem tanto relações amorosas de guerrilheiros com reféns quanto mulheres grávidas e crianças nos acampamentos. Há relatos de abortos feitos em guerrilheiras e de punição dos envolvidos. De Rigo, sabe-se apenas que foi separado de Clara logo após a descoberta da relação.
O parto, muito difícil, ocorreu em condições precárias. Emmanuel teve o braço esquerdo fraturado. Mãe e filho foram separados poucas semanas depois. O curto período que passaram juntos foi marcado pela saúde frágil da criança, piorada pela falta de recursos.
As poucas informações dessa época são do policial John Frank Pinchao, que viu o menino "um par de vezes" antes de fugir em abril passado, após nove anos no cativeiro. "Clara gritava o nome do menino e lhes pedia que a deixassem vê-lo. A guerrilha não lhe dava atenção. Durante uma marcha, voltamos a vê-lo, mas já estava com uma guerrilheira chamada Rosa", diz Pinchao. Emmanuel tinha o braço engessado.

Entrega
No início de 2005, as Farc entregaram o bebê ao camponês José Crisantemo Gómez Tovar, morador da inóspita zona rural do departamento de Guaviare, no sudeste colombiano. No depoimento, dado à Promotoria em troca de proteção em 2 de janeiro, ele detalhou como recebeu a criança e depois perdeu sua guarda para o Estado.
"Nós vivíamos num sítio na margem do rio Inírida, em Guaviare. De uma hora para outra, chega uma lancha, descem um senhor e uma senhora com um menino nos braços e eles dizem: "Trazemos esse menino para que o curem de picadas de inseto e consertem o braço.'"
De poucos recursos e família numerosa -tinha cinco filhos na época-, Gómez Tovar disse ter sido obrigado a fugir porque as Farc estavam tentando recrutar seu filho de oito anos.
De canoa, a família chegou a El Retorno, um povoado de poucos recursos, em julho de 2005. Ali, levou Emmanuel ao hospital. Mas a sua saúde estava tão ruim que o menino foi imediatamente levado à capital do departamento, San José.
No prontuário médico de Juan David -como Emmanuel foi registrado por Goméz Tovar (ele sabia o nome do pai)- constam: maltrato, negligência, desnutrição, malária, diarréia aguda, leishmaniose e fratura no úmero (osso do braço).
Os vários indícios de maus-tratos fizeram com que o hospital procurasse o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar (ICBF). Uma decisão judicial deu a guarda de Emmanuel ao Estado, e, em seguida, o garoto foi levado a Bogotá.

Mãe substituta
Na capital colombiana, ele foi posto aos cuidados de uma "mãe substituta" -como são chamadas as mulheres contratadas pelo ICBF para cuidarem, em suas próprias casas, de crianças abandonadas.
Ontem, a reportagem esteve na rua Dez, bairro de Santa Rita, onde Emmanuel viveu até recentemente -hoje, é mantido em lugar não divulgado pelo governo. Trata-se de um bairro de classe média, com sobrados geminados. A casa e o nome da mãe substituta estão sob sigilo.
O bracinho esquerdo, no entanto, continuou sendo um problema. No último dia 31 de outubro, Emmanuel foi operado para corrigir a fratura.
Em dezembro, as Farc pressionaram Gómez Tovar a devolver-lhes o menino. Haviam prometido levá-lo ao presidente Hugo Chávez junto com a mãe. A tentativa frustrada fez com que o governo colombiano iniciasse uma investigação da identidade de Emmanuel.
Segundo disse a diretora do ICBF, Elvira Forero, em entrevista coletiva, Emmanuel hoje apresenta atraso no desenvolvimento psicomotor e fala pouco. Mas é "um menino feliz, doce e amoroso".
Com a confirmação de sua identidade por teste de DNA na semana passada, a guarda do menino deve passar para a avó, Clara González de Rojas, em até 15 dias.


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