São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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Para especialista, sobreviver na disputa democrata depende de reservas que a maioria dos candidatos não tem

Campanha é mais dinheiro que política

DE WASHINGTON

A atual fase da eleição norte-americana depende, quase exclusivamente, de dinheiro. Terá dinheiro quem mostrar resultados e terá resultados quem tiver mais dinheiro.
Segundo Anthony Corrado, especialista em financiamento de campanha do Instituto Brookings (Washington) e autor de cinco livros sobre o assunto, o jogo eleitoral para os demais concorrentes tornou-se uma questão de sobrevivência, com exceção do pré-candidato John Kerry.
""Agora, é imprescindível para todos vencer pelo menos uma vez para continuar viável", afirmou Corrado à Folha.
No caso dos pré-candidatos John Edwards e Wesley Clark, que estão concentrando suas campanhas apenas no Tennessee justamente por falta de dinheiro, Corrado afirma que eles já poderiam estar fora da disputa se não tivessem a ajuda do financiamento público de campanha.
Leia a seguir a entrevista que Corrado concedeu à Folha. (FERNANDO CANZIAN)

 

Folha - Do ponto de vista financeiro, como o sr. avalia o futuro de cada candidatura?
Anthony Corrado -
Temos John Kerry com uma liderança muito forte, especialmente por esta ser uma fase na qual mídia e ""momentum" são as coisas mais importantes para um candidato.
As prévias estaduais ocorrem tão rapidamente que não há tempo para fazer campanha em todos os locais, e muito do sucesso depende apenas de propaganda na TV [que é paga nos EUA].
Neste momento, sucesso traz sucesso. Quem ganha é capaz de levantar mais dinheiro. E nenhum dos candidatos saiu de New Hampshire (a segunda prévia) com reservas que pudessem ser gastas mais à frente.
A partir desse cenário, Kerry tem se dado muito bem [a campanha do senador afirma ter levantado cerca de US$ 4,5 milhões desde o início das primárias, em 19 de janeiro].
Isso significa que Kerry tem sido capaz de fazer campanha em todos os Estados que tem pela frente, com uma forte presença de anúncios na TV.
Ele foi o único a anunciar nos Estados que votam nesse fim de semana (Michigan, Washington e Maine) e também está presente no Tennessee e na Virgínia [que votam nesta terça-feira].
Entre os outros pré-candidatos, John Edwards está na frente com o resultado de sua performance em Iowa (segundo lugar) e a vitória na Carolina do Sul. Isso deu a ele cerca de US$ 1 milhão, que vem gastando no Tennessee e na Virgínia.
Mas Edwards está em uma posição em que tem de usar todo o seu dinheiro em um ou dois Estados na expectativa de obter um bom resultado e levantar um pouco mais de fundos mais à frente.
Wesley Clark tem algum dinheiro apenas para fazer campanha no Tennessee. E faz isso pelo fato de estar sendo beneficiado, assim como Edwards, pelo recebimento de fundos públicos de campanha.
Cerca de 20% a 25% do dinheiro que Edwards e Clark têm gastado é público. Eles estariam em situação complicada se não tivessem essa verba. Os dois estão em uma posição em que têm de olhar todos os dias para a conta do banco.
Howard Dean, apesar dos resultados ruins até aqui, não está quebrado. Ele levantou US$ 3 milhões depois de Iowa apenas na internet e fez um apelo há dois dias para tentar levantar outros US$ 750 mil para a prévia de Wisconsin [anteontem, Dean anunciou ter obtido US$ 876 mil].
O problema é que Dean decidiu terminar a campanha sem dívidas, e a maior parte do dinheiro que arrecada está sendo usada para a estrutura gigantesca que ele montou no país. O resultado é que Dean não aparece na TV desde New Hampshire.

Folha - Diante desse quadro, como o sr. vê a provável movimentação da cúpula do Partido Democrata?
Corrado -
Está muito claro agora que há um forte desejo por uma definição rápida para que toda a estrutura partidária possa ser direcionada contra Bush. E o sucesso de Kerry o coloca em uma posição de liderança.
A partir do momento em que o candidato estiver resolvido, todas as pessoas que quiserem pagar alguma coisa para derrotar Bush terão um único endereço para mandar seus cheques.
Essa é a vantagem de Kerry, que abriu mão do financiamento público de campanha e que agora está livre dos limites que isso acarreta [leia texto nesta página].
Mas o sucesso de Kerry dependerá, em grande medida, de como os democratas farão para conquistar os pequenos doadores que participaram em massa da campanha de Howard Dean.

Folha - Mesmo que os democratas se saiam muito bem, George W. Bush tinha US$ 130 milhões somente até final de dezembro. Há chances?
Corrado -
Mais importante do que ter arrecadado mais de US$ 130 milhões é o fato de Bush não ter gastado quase nada até aqui. Ele terá todo esse dinheiro para gastar entre meados de março e agosto. Os democratas não terão como se equiparar a isso, mas terão o suficiente para ser competitivos e levar a briga adiante.

Folha - Como Bush deverá gastar seu dinheiro?
Corrado -
Assim que o candidato democrata for escolhido, os republicanos vão queimar milhões de dólares para comparar Bush a seu concorrente.
Se for Kerry, ele será apresentado como um liberal sem disciplina fiscal de Massachusetts que não está em contato com a realidade da média dos eleitores.
Os republicanos têm claro que, apesar da atenção da mídia em relação às prévias democratas, grande parcela do eleitorado ainda não prestou atenção ao processo e sabe muito pouco a respeito de Kerry. A maioria dos Estados americanos praticamente não viu nada dessa campanha até agora.
Bush tentará formar na cabeça desse eleitor uma primeira imagem de seu adversário, e ela não será nada boa.
Na seqüência, o dinheiro será gasto para preparar o terreno para a campanha entre agosto e novembro, com milhões investidos nas estruturas estaduais de campanha e em programas para registrar novos eleitores republicanos.



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