São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2011

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REVOLTA ÁRABE

Abertura beneficia islâmicos, diz analista

Para ex-comissária da ONU, Irmandade Muçulmana deve ter a chance de fazer avançar sua agenda política no Egito

Segundo Louise Arbour, "é preciso torcer" para que grupo oposicionista mantenha interesse em competição democrática

ÁLVARO FAGUNDES
DE NOVA YORK

A Irmandade Muçulmana, grupo oposicionista egípcio de orientação islâmica, deve ter a oportunidade de avançar a sua agenda política caso o regime de Hosni Mubarak deixe o poder, diz Louise Arbour, comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos entre 2004 e 2008. Para Arbour, que atualmente é a presidente da ONG International Crisis Group, o movimento vai ser beneficiado no caso de a abertura política no país se concretizar. "É preciso torcer para que eles continuem com a atitude adotada até agora, que é a de um movimento não violento e que quer participar de uma competição democrática", afirma a ex-comissária.

 

Folha - Qual a sua análise sobre a situação do Egito? Louise Arbour - A principal prioridade agora é não deixar a violência aumentar, fazer com que ela volte a ficar sob controle. É realmente importante que o Exército restabeleça a posição de confiança que tinha conquistado.
A segunda prioridade é que as negociações comecem imediatamente e que um governo de transição assuma o Egito, visando eleições livres. O status quo não pode continuar até lá.

A senhora considera que esse é o cenário mais provável de acontecer?
É difícil dizer. Está muito imprevisível, ainda mais com esse aumento da violência. Mas há todos os motivos para acreditar que houvesse -e ainda há- um enorme apoio para essa necessidade de mudanças profundas.
Porém, se houver violência, caos e privações, eu acredito que se criará muita confusão, e isso poderá fortalecer o governo.

Por que o Exército deixou a violência se propagar nos últimos dias?
Claramente, o Exército ficou parado olhando; claramente, essa coisa [as agressões] foi organizada de uma maneira para provocar. Esses bandidos chegaram provocando briga, e o Exército ficou parado -o que foi surpreendente, levando em conta o que ocorreu até agora.
Então, ou há uma divisão dentro do Exército ou eles consideraram que chegou a hora de acabar com essas manifestações.

Que papel a senhora acha que a Irmandade Muçulmana vai ter a partir de agora na vida política egípcia?
O mais provável é que eles vão ter espaço no fórum político e vão disputar eleições como qualquer outro partido. O quanto eles vão se dar bem ainda não se sabe. Eles não são a única voz de oposição, mas devem ter a oportunidade de avançar a sua agenda política de uma maneira aberta e inclusiva.
O que esses estágios iniciais de protesto mostram é que, contrariando toda a mitologia sobre os perigos na região de movimentos islâmicos, jihadistas, radicais assumirem o poder, essas manifestações não têm praticamente nada a ver com essa agenda.
Eles [a Irmandade] vão ser beneficiados com a abertura política, e é preciso torcer para que eles continuem com a atitude adotada até agora, que é a de um movimento não violento e que quer participar de uma competição democrática.

Eles ainda são um movimento radical, na sua opinião?
Isso depende do ponto de vista.

Do ponto de vista ocidental.
O ponto de vista ocidental sempre tem apoiado -não só no Egito, mas também em outras partes- regimes ditatoriais sob a premissa de que a alternativa era o caos total ou, ainda pior, regimes radicais, regimes islâmicos.
O que temos visto agora é uma contestação dessa mitologia. Eu acredito que exista menos radicalismo em regimes abertos democráticos que em repressores.

Os EUA vão mudar sua posição sobre a Irmandade Muçulmana?
No curto prazo, eles já mudaram em grande parte a sua posição, à medida que os protestos foram ganhando força e se afastando do regime [de Hosni Mubarak]. Mas é claro que vai depender muito de qual será o próximo capítulo no Egito e de qual será o papel do Exército.
Os EUA sempre foram muito próximos das Forças Armadas egípcias. Como eles vão reagir vai depender, portanto, de qual será o papel que a Irmandade Muçulmana vai assumir.


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