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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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OCUPAÇÃO

Tomada de palácios presidenciais e destruição de estátuas visa abalar moral do inimigo

Símbolo do regime é alvo estratégico

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A estratégia americana em Bagdá consiste em tentar separar as forças leais ao ditador Saddam Hussein do resto da população. Reides, ataques pontuais e ocupação de locais simbólicos, como palácios, são um modo de atrair o inimigo para destruí-lo.
Derrubar as estátuas e rasgar os pôsteres de Saddam Hussein pode parecer uma vingança boba e uma perda de tempo dos soldados envolvidos na tarefa. Mas é, na verdade, uma das táticas de guerra mais inteligentes, baratas e eficazes da coalizão anglo-americana no território iraquiano.
Assim como o ditador totalitário conhecido como "Grande Irmão", do romance "1984", do escritor inglês George Orwell, a imagem de Saddam Hussein está em toda a parte. "O Grande Irmão está de olho em você" indicava que toda resistência seria esmagada, que não valeria a pena nem pensar em resistir.
A cada estátua que cai, aumenta a sensação da população local de que o ditador bigodudo vai de fato deixar de governar o país.
Um curioso comunicado britânico logo no começo do conflito falava na destruição de cinco tanques e duas estátuas de Saddam no sul do país. Devido à vital necessidade de conquistar os "corações e mentes" da população, hoje se percebe que esse comunicado algo exótico refletia perfeitamente a estratégia anglo-americana.
A destruição das duas estátuas provavelmente foi mais útil à coalizão anglo-americana do que a de cinco tanques iraquianos para lá de obsoletos.
O Exército do Iraque pouco se modernizou desde a derrota de 1991. O único momento em que os oficiais de Saddam tiveram alguma liberdade operacional foi durante momentos de crise durante a longa guerra contra o vizinho Irã, de 1980 a 1988. Voltada a paz, retornaram as amarras à criatividade na Forças Armadas.
Como é praxe em ditaduras, generais com idéias próprias e competentes no campo de batalha são temidos pelo "grande líder". São golpistas em potencial, sua competência militar atrai seguidores.
O Exército do Iraque foi treinado pelos soviéticos, cujo sistema rígido de "comando e controle" abafava a iniciativa individual. Na guerra principalmente estática e defensiva com o Irã esse era um problema menor. Contra um inimigo sofisticado, é o caminho para a derrota.
Com sua rede de comunicação destruída ou precária, comandar as forças que restam fica cada vez mais difícil. Os oficiais e soldados, sem orientação do alto, têm de encontrar eles próprios maneiras de resistir. A péssima qualidade do corpo de oficiais iraquiano resulta em uma resistência pouco eficaz.Os partidários de Saddam Hussein não podem ficar quietos vendo os símbolos do regime destruídos um após outro. Perdem o respeito e param de ser temidos pela população. A melhor opção é a fuga, e, no caso daqueles com um passado duvidoso, o combate até a morte.
Bolsões de resistência deste tipo vão ser encontrados em vários pontos do país. É a "brigada dos que não têm nada a perder". Mas não vão ter tanques nem blindados à disposição. Esses são alvos prioritários.
Os ataques aéreos continuam intensos a tudo o que se move pelo Iraque. Um dos efeitos esperados é o aumento dos incidentes de "fogo amigo" (ou "azul contra azul", no jargão militar). Como os iraquianos também usam veículos civis, a chance de incidentes como o que atingiu curdos no norte do país é uma constante.
O fim da guerra pode não ser algo tão preciso, tão demarcado como foram os finais de outras guerras, especialmente se Saddam Hussein não for morto ou capturado. Os EUA temiam, no final da Segunda Guerra, que Adolf Hitler se estabelecesse em um bunker nos Alpes junto de um grupo determinado de seguidores fanáticos. Mas isso não aconteceu. Hitler se suicidou em Berlim.
Saddam poderia optar por um final de "mártir" ou então tornar-se um novo Osama bin Laden, o inimigo número um dos Estados Unidos cuja localização ainda é um mistério.
Mas isso só seria possível se o ditador conseguisse apoio de setores da população do seu país. Seria um interessante teste da sua popularidade.


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