São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Conclave deve durar mais de 3 dias devido a pouco contato

Cálculo é feito por cardeais eleitores, que aproveitam período para ampliar convívio

DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O conclave que elegerá o sucessor de João Paulo 2º não terminará antes de três dias. Muito mais provavelmente, levará cinco dias.
A expectativa é de um dos 116 cardeais eleitores (o 117º, o filipino Jaime Sin, não irá por estar doente). Ele prefere não ter o nome publicado. A lógica por trás do prazo é simples de explicar:
1) mesmo um cardeal eleitor com mais de sete anos de trabalho na Cúria Romana, o governo do Vaticano, e que diz conhecer cerca de 70% de seus pares, não acha que o conhecimento é suficiente para lhe permitir definir o voto.
É natural, portanto, que cardeais que jamais trabalharam na Cúria tenham ainda mais dificuldades. Um deles, aliás, vindo do Leste Europeu, preferiu conversar em latim com seu colega do lado, em reunião da Congregação Geral (espécie de Congresso que governa a igreja até a escolha do papa).
Não falava italiano, que é a língua franca do cardinalato.
O cardeal americano Francis George, arcebispo de Chicago, assume abertamente essa lógica: primeiro, diz que os cardeais hoje se conhecem melhor que no passado, por causa de constantes encontros, como os sínodos.
Mas conhecer alguém é diferente de "desenvolver relações profundas", o que seria necessário para votar com segurança, na opinião do cardeal de Chicago.
O raciocínio de George é mais psicológico que teológico: "Mesmo que você conheça alguém a partir de encontros, não pode saber se o conhece bem. Não sabe como ele reage numa crise";
2) por isso tudo, os cardeais estão aproveitando esse período pré-conclave para aprofundar o conhecimento de seus pares.
Esperam, para os próximos dias, que seja distribuído um "kit" com um resumo biográfico de todos (o resumo -e não só dos cardeais eleitores- já está disponível na internet, no endereço do Vaticano - www.vatican.va).

Olho no olho
A Folha quis saber do cardeal que com ela conversou se ele votaria com base no resumo biográfico ou se preferiria uma conversa "olho no olho". A resposta foi a previsível: a conversa é indispensável, a não ser, é claro, no caso daqueles cardeais sobre os quais o conhecimento é mais profundo.
Um segundo elemento importante para definir não necessariamente o nome do futuro papa, mas o perfil de igreja que se deseja para o futuro surgirá na quinta.
O capuchinho Raniero Cantalamessa fará, com os cardeais que já estiverem em Roma, uma reflexão sobre o tema. Cantalamessa é o teólogo que mais vezes o papa João Paulo 2º convidou para esse tipo de exercício intelectual-teológico nas cerimônias de Páscoa.
Depois, já trancados a chave na capela Sistina, os cardeais terão uma segunda jornada de reflexão, comandada dessa vez por um de seus pares, cujo nome o Vaticano prefere manter ainda em reserva.
O fato de um teólogo muito próximo de João Paulo 2º ter sido incumbido da primeira reflexão significa que a sombra do papa morto se prolongará até o conclave que escolherá seu substituto?
Não necessariamente. Se houvesse alguma intenção de influenciar o futuro, o testamento de João Paulo 2º conteria alguma reflexão sobre os próximos anos, coisa que não aconteceu. Nem é da tradição dos papas, aliás.
A única sombra que ele deixará ao sucessor é a avaliação de que "seus sapatos são grandes demais", na metáfora do cardeal Walter Kasper, presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Significa que a dimensão alcançada pelo papa é difícil de ser repetida por qualquer um dos cardeais.
É razoável supor que os cardeais conversem sobre nomes, por serem também políticos, pertencentes à igreja que é o mais antigo partido político do planeta. Mas os que conversam com os jornalistas se recusam a especular em torno de nomes. No máximo, admitem que, iniciado o conclave, poderão perguntar a um colega sobre um determinado prelado.
Essas conversas tendem a começar a ser intensificadas a partir do dia 17. É nesse dia que os cardeais eleitores vão se instalar no Hotel Santa Marta.
O Santa Marta, em geral ocupado por funcionários e dirigentes da Cúria, será esvaziado neste domingo. A semana seguinte será usada para limpeza e para o serviço de varredura destinado a impedir qualquer tipo de escuta.
Por enquanto, os cardeais estão espalhados por toda Roma. Dos quatro eleitores brasileiros, três ficam no Colégio Pio Brasileiro, a um quilômetro do Vaticano. São Eusébio Scheid (Rio), Cláudio Hummes (São Paulo) e José Freire Falcão (emérito de Brasília).
Só dom Geraldo Majella (Salvador) fica na Casa do Clero em Roma, a cinco quadras da praça São Pedro e, por extensão, da basílica de São Pedro, em cuja capela Sistina, os cardeais escolherão o novo papa, vigiados pelo afresco "O Juízo Final", de Michelangelo.
(CLÓVIS ROSSI)


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