São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

Próximo Texto | Índice

Oposição articula acordo, mas Brown resiste

Apesar de derrota, premiê decide continuar no cargo à espera de fracasso nas negociações entre conservadores e liberais-democratas

Clegg frustra expectativas de governante britânico ao dar a vencedor Cameron prioridade na discussão para a formação de novo governo


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

A lei não escrita da política britânica determina que, na manhã seguinte a uma eleição, o caminhão de mudanças estaciona diante do número 10 de Downing Street, residência e local de trabalho do premiê, para levar embora os pertences do ocupante da casa, se ele perdeu a eleição da véspera.
Gordon Brown, há três anos o inquilino da residência mais presente nos jornais do Reino Unido, perdeu -e perdeu feio- a eleição da véspera, mas o caminhão não apareceu.
Ao contrário. Quem apareceu à porta do número 10 foi Brown, para anunciar que fica no cargo, esperando os resultados das negociações entre os conservadores (vencedores, mas sem maioria absoluta) e os liberais-democratas, que obtiveram decepcionantes 57 lugares no Parlamento, num distante terceiro lugar.
As conversações começaram ontem à noite, primeiro em um telefonema de David Cameron, o líder conservador, que comandará uma bancada de 306 parlamentares (de 650), seguido por um encontro pessoal entre uma comitiva de quatro liberais e quatro conservadores.
Nesse encontro, Cameron faria a Nick Clegg, o líder liberal, uma "oferta grande, aberta e abrangente", como o próprio Cameron anunciou à tarde.
É razoável supor que há uma boa margem para um acordo, seja em torno de uma coalizão formal, seja na forma da aceitação do governo que Cameron quer formar, mesmo sem participar dele.
Afinal, foi o próprio Clegg quem abriu a porta para o diálogo da noite, ao dizer que o direito de tentar primeiro a formação do governo era dos conservadores, por terem o maior número de cadeiras e também de votos (10,7 milhões, ou 36%, contra 8,6 milhões, ou 29%, dos trabalhistas).
Contrariava, assim, a posição de Brown, que se aferrou ao texto constitucional que determina que, em caso de "hung Parliament" (Parlamento sem maioria absoluta de nenhum partido), o governo de turno segue em Downing Street para tentar formar uma maioria.

"Coalizão de perdedores"
Brown, cujo partido conseguiu 258 cadeiras, também pretendia conversar com Clegg, mas foi alvejado quando o líder liberal-democrata deu a preferência a Cameron. Mesmo assim, Brown insistiu em que, se as conversações entre os outros dois partidos fracassarem, ele discutiria acordo com Clegg.
Em tese, seria até mais fácil do que um entendimento entre liberais e conservadores. Clegg insiste em que um ponto inegociável para um acordo é uma reforma eleitoral que mude o sistema distrital atual, que pune severamente seu partido.
Os trabalhistas comprometeram-se, na própria noite eleitoral, a submeter a referendo uma reforma do tipo, ao passo que Cameron limitou-se a propor um comitê multipartidário para estudar a mudança.
Na prática, no entanto, a urgência provocada pela crise nos mercados europeus tende a tornar mais flexível a posição de Clegg, ainda mais que Cameron tem o que a mídia local chamava de "sweeties" (doces) para oferecer ao líder liberal, entre eles a defesa da chamada "economia verde", uma das palavras de ordem de Clegg durante a campanha.
A hipótese alternativa, a de um acordo com os trabalhistas, se fracassar a negociação com Cameron, está condenada de antemão pelo apelido que os jornalistas já estão dando a ele: "coalizão de perdedores".
De fato, os trabalhistas perderam 91 das cadeiras que detinham até ontem, ao passo que os liberais caíram de 62 para 57.
Os mercados sinalizam que estão apostando no entendimento liberal-conservador: quando os resultados eleitorais, pela manhã, deixaram definitivamente claro que havia um "hung Parliament", a libra esterlina começou a cair até chegar a seu nível mais baixo em um ano, cotada a US$ 1,44.
Mas, quando apareceu Clegg com a declaração de que cabia aos conservadores a primeira tentativa de formar governo, a moeda subiu até US$ 1,46.
A Bolsa, sim, sofreu um castigo tremendo (caiu 2,62%, o pior resultado nos últimos cinco meses). Mas a maioria dos analistas atribui a queda mais à turbulência europeia do que à indefinição política.
Esta aparentemente pesou mais na avaliação dos títulos do governo britânico. Mesmo assim, o movimento foi tênue, talvez pela proximidade do fim de semana, o que daria dois dias para que o caminhão de mudanças estacione em frente ao 10 de Downing Street.


Próximo Texto: Opinião: Cameron precisa dividir poder para garantir legitimidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.