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Oposição articula acordo, mas Brown resiste
Apesar de derrota, premiê decide continuar no cargo à espera de fracasso nas negociações entre conservadores e liberais-democratas
Clegg frustra expectativas de governante britânico ao dar a vencedor Cameron prioridade na discussão para a formação de novo governo
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
A lei não escrita da política
britânica determina que, na
manhã seguinte a uma eleição,
o caminhão de mudanças estaciona diante do número 10 de
Downing Street, residência e
local de trabalho do premiê, para levar embora os pertences do
ocupante da casa, se ele perdeu
a eleição da véspera.
Gordon Brown, há três anos
o inquilino da residência mais
presente nos jornais do Reino
Unido, perdeu -e perdeu feio-
a eleição da véspera, mas o caminhão não apareceu.
Ao contrário. Quem apareceu à porta do número 10 foi
Brown, para anunciar que fica
no cargo, esperando os resultados das negociações entre os
conservadores (vencedores,
mas sem maioria absoluta) e os
liberais-democratas, que obtiveram decepcionantes 57 lugares no Parlamento, num distante terceiro lugar.
As conversações começaram
ontem à noite, primeiro em um
telefonema de David Cameron,
o líder conservador, que comandará uma bancada de 306
parlamentares (de 650), seguido por um encontro pessoal entre uma comitiva de quatro liberais e quatro conservadores.
Nesse encontro, Cameron faria a Nick Clegg, o líder liberal,
uma "oferta grande, aberta e
abrangente", como o próprio
Cameron anunciou à tarde.
É razoável supor que há uma
boa margem para um acordo,
seja em torno de uma coalizão
formal, seja na forma da aceitação do governo que Cameron
quer formar, mesmo sem participar dele.
Afinal, foi o próprio Clegg
quem abriu a porta para o diálogo da noite, ao dizer que o direito de tentar primeiro a formação do governo era dos conservadores, por terem o maior
número de cadeiras e também
de votos (10,7 milhões, ou 36%,
contra 8,6 milhões, ou 29%, dos
trabalhistas).
Contrariava, assim, a posição
de Brown, que se aferrou ao
texto constitucional que determina que, em caso de "hung
Parliament" (Parlamento sem
maioria absoluta de nenhum
partido), o governo de turno segue em Downing Street para
tentar formar uma maioria.
"Coalizão de perdedores"
Brown, cujo partido conseguiu 258 cadeiras, também pretendia conversar com Clegg,
mas foi alvejado quando o líder
liberal-democrata deu a preferência a Cameron. Mesmo assim, Brown insistiu em que, se
as conversações entre os outros
dois partidos fracassarem, ele
discutiria acordo com Clegg.
Em tese, seria até mais fácil
do que um entendimento entre
liberais e conservadores. Clegg
insiste em que um ponto inegociável para um acordo é uma reforma eleitoral que mude o sistema distrital atual, que pune
severamente seu partido.
Os trabalhistas comprometeram-se, na própria noite eleitoral, a submeter a referendo
uma reforma do tipo, ao passo
que Cameron limitou-se a propor um comitê multipartidário
para estudar a mudança.
Na prática, no entanto, a urgência provocada pela crise nos
mercados europeus tende a
tornar mais flexível a posição
de Clegg, ainda mais que Cameron tem o que a mídia local chamava de "sweeties" (doces) para oferecer ao líder liberal, entre eles a defesa da chamada
"economia verde", uma das palavras de ordem de Clegg durante a campanha.
A hipótese alternativa, a de
um acordo com os trabalhistas,
se fracassar a negociação com
Cameron, está condenada de
antemão pelo apelido que os
jornalistas já estão dando a ele:
"coalizão de perdedores".
De fato, os trabalhistas perderam 91 das cadeiras que detinham até ontem, ao passo que
os liberais caíram de 62 para 57.
Os mercados sinalizam que
estão apostando no entendimento liberal-conservador:
quando os resultados eleitorais, pela manhã, deixaram definitivamente claro que havia
um "hung Parliament", a libra
esterlina começou a cair até
chegar a seu nível mais baixo
em um ano, cotada a US$ 1,44.
Mas, quando apareceu Clegg
com a declaração de que cabia
aos conservadores a primeira
tentativa de formar governo, a
moeda subiu até US$ 1,46.
A Bolsa, sim, sofreu um castigo tremendo (caiu 2,62%, o
pior resultado nos últimos cinco meses). Mas a maioria dos
analistas atribui a queda mais à
turbulência europeia do que à
indefinição política.
Esta aparentemente pesou
mais na avaliação dos títulos do
governo britânico. Mesmo assim, o movimento foi tênue,
talvez pela proximidade do fim
de semana, o que daria dois dias
para que o caminhão de mudanças estacione em frente ao
10 de Downing Street.
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