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Alta do dólar irrita classe média na Venezuela
Câmbio paralelo de divisa bateu recorde nesta semana, atingindo oito bolívares por dólar, quase o dobro da taxa oficial
Índice contribui para subida
da inflação e retração nas importações, provocando a escassez de produtos de 1ª necessidade nos mercados
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
Dona de uma pequena academia de pilates, Yameli Rivas,
35, não tem economias em
moeda estrangeira, mas acompanha a escalada da cotação do
dólar paralelo na Venezuela
porque sabe que esse é o tipo de
câmbio que vai se refletir nos
preços nas próximas semanas .
"Se aumento o que cobro pelas aulas, os clientes vão sumir.
O pilates vai ser a primeira coisa que vão cortar", diz ela, no
bairro de classe média de Los
Palos Grandes, em Caracas.
A ansiedade de Rivas faz sentido na semana em que a divisa
americana que circula no mercado ilegal de títulos da Venezuela bateu novo recorde: vale
cerca de 8 bolívares fortes, quase o dobro do câmbio oficial
mais alto vigente, 4,3 por dólar.
Com pouca oferta da moeda
na cotação oficial, é o dólar paralelo que vira referência para
os preços dos produtos importados -quase tudo no país.
A alta ocorre apenas quatro
meses depois do pacote econômico baixado por Hugo Chávez
que prometia aproximar as
duas cotações e provocou rumores de que o governo baixará
novas medidas regulatórias.
Quando a inflação dá mostras de que não vai ceder -o índice de abril foi 5,2%, o dobro
de março, gerando acumulado
anual de 30,4%-, o acompanhamento do dólar paralelo é
espécie de mandamento tácito
da classe média venezuelana.
Entenda-se por classe média
o grupo que perfaz 18% dos 28
milhões de venezuelanos e que
tem alguma folga para economizar ou algum patrimônio para proteger, de acordo com os
cálculos do instituto de pesquisas local Datanálisis.
Essa fatia da população tem
outras irritações com o controle de câmbio instalado em
2003, por viajar ao exterior ou
querer fazer compras on-line.
Para gastar em dólares, porém, precisa de autorização oficial. Daí o outro mandamento:
evitar o quanto possível as filas
do Cadivi (Comissão de Administração de Divisas).
"O Cadivi exige um trabalho
de pré-escolar", reclama o estudante de engenharia mecânica
Leonardo Gete, 23.
Não é exagero. O Cadivi pede
que os venezuelanos organizem seus pedidos em três pastas -marrons- com etiquetas
e marcadores específicos.
As medidas visam reprimir o
uso do dólar pelos viajantes para fazer dinheiro -pedem a cota máxima de US$ 3.000 anuais
para sacá-la no exterior e vendê-la no mercado paralelo.
"Isso é combater a distorção
com outra distorção. Mas o governo não está preocupado
com a irritação da pequena
classe média", diz Luis Vicente
León, do Datanálisis.
A namorada de Gete, Daniela
Zamolo, 23, tem outra reclamação comum a abastados ou não:
a escassez do dólar trava importações. "Reclamei com a minha mãe: não gosto desse suco.
Ela disse: é o que tinha."
Nos supermercados, raramente há opções de marcas. No
caso de leite e açúcar, o abastecimento é sazonal.
León diz que a irritação da
classe média faz sentido, mas
que é preciso colocá-la em
perspectiva. A fatia tem mais
recursos e patrimônio que seus
vizinhos andinos. "O governo é
ineficiente, mas temos a mina
que é o petróleo: há dinheiro."
Diz que o consumo privado
avançou, entre 2003 e 2008, à
taxa de 15% por trimestre.
Um item que nem a recessão
de 2009 deteve a venda foi celulares. A designer Rossana Paredes, 31, não duvida ao dizer
qual é o mandamento atual da
classe média: "Amarás o BlackBerry sobre todas as coisas", ri.
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