São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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Alta do dólar irrita classe média na Venezuela

Câmbio paralelo de divisa bateu recorde nesta semana, atingindo oito bolívares por dólar, quase o dobro da taxa oficial

Índice contribui para subida da inflação e retração nas importações, provocando a escassez de produtos de 1ª necessidade nos mercados


FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

Dona de uma pequena academia de pilates, Yameli Rivas, 35, não tem economias em moeda estrangeira, mas acompanha a escalada da cotação do dólar paralelo na Venezuela porque sabe que esse é o tipo de câmbio que vai se refletir nos preços nas próximas semanas .
"Se aumento o que cobro pelas aulas, os clientes vão sumir. O pilates vai ser a primeira coisa que vão cortar", diz ela, no bairro de classe média de Los Palos Grandes, em Caracas.
A ansiedade de Rivas faz sentido na semana em que a divisa americana que circula no mercado ilegal de títulos da Venezuela bateu novo recorde: vale cerca de 8 bolívares fortes, quase o dobro do câmbio oficial mais alto vigente, 4,3 por dólar.
Com pouca oferta da moeda na cotação oficial, é o dólar paralelo que vira referência para os preços dos produtos importados -quase tudo no país.
A alta ocorre apenas quatro meses depois do pacote econômico baixado por Hugo Chávez que prometia aproximar as duas cotações e provocou rumores de que o governo baixará novas medidas regulatórias.
Quando a inflação dá mostras de que não vai ceder -o índice de abril foi 5,2%, o dobro de março, gerando acumulado anual de 30,4%-, o acompanhamento do dólar paralelo é espécie de mandamento tácito da classe média venezuelana.
Entenda-se por classe média o grupo que perfaz 18% dos 28 milhões de venezuelanos e que tem alguma folga para economizar ou algum patrimônio para proteger, de acordo com os cálculos do instituto de pesquisas local Datanálisis.
Essa fatia da população tem outras irritações com o controle de câmbio instalado em 2003, por viajar ao exterior ou querer fazer compras on-line.
Para gastar em dólares, porém, precisa de autorização oficial. Daí o outro mandamento: evitar o quanto possível as filas do Cadivi (Comissão de Administração de Divisas).
"O Cadivi exige um trabalho de pré-escolar", reclama o estudante de engenharia mecânica Leonardo Gete, 23.
Não é exagero. O Cadivi pede que os venezuelanos organizem seus pedidos em três pastas -marrons- com etiquetas e marcadores específicos.
As medidas visam reprimir o uso do dólar pelos viajantes para fazer dinheiro -pedem a cota máxima de US$ 3.000 anuais para sacá-la no exterior e vendê-la no mercado paralelo.
"Isso é combater a distorção com outra distorção. Mas o governo não está preocupado com a irritação da pequena classe média", diz Luis Vicente León, do Datanálisis.
A namorada de Gete, Daniela Zamolo, 23, tem outra reclamação comum a abastados ou não: a escassez do dólar trava importações. "Reclamei com a minha mãe: não gosto desse suco. Ela disse: é o que tinha."
Nos supermercados, raramente há opções de marcas. No caso de leite e açúcar, o abastecimento é sazonal.
León diz que a irritação da classe média faz sentido, mas que é preciso colocá-la em perspectiva. A fatia tem mais recursos e patrimônio que seus vizinhos andinos. "O governo é ineficiente, mas temos a mina que é o petróleo: há dinheiro." Diz que o consumo privado avançou, entre 2003 e 2008, à taxa de 15% por trimestre.
Um item que nem a recessão de 2009 deteve a venda foi celulares. A designer Rossana Paredes, 31, não duvida ao dizer qual é o mandamento atual da classe média: "Amarás o BlackBerry sobre todas as coisas", ri.


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