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"Erramos em respeitar a herança da ONU"
Em entrevista à Folha, premiê de Timor Leste nega que crise tenha raízes étnicas e descarta renunciar, como exigem rebeldes
Mari Alkatiri diz que forças
"invisíveis" organizaram ataques que deixaram país à beira da guerra civil e que pode pedir policiais ao Brasil
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Há quatro anos a comunidade internacional -o mundo lusófono em particular -saudou
a independência de Timor Leste como uma vitória da liberdade, após os 27 anos de brutal
ocupação indonésia que se seguiram à colonização portuguesa. Nas últimas semanas o
minúsculo país, pior colocado
no ranking do FMI (PIB per capita de US$ 400, último colocado entre 192 nações), mergulhou em uma crise que parecia
empurrá-lo para a beira da
guerra civil e da desintegração.
O estopim foi uma rebelião
de militares, mas em poucos
dias a violência tomou conta do
país -principalmente da capital, Dili-, deixou 30 mortos e
converteu-se no caos generalizado que levou o governo a pedir tropas estrangeiras.
No centro do confronto está
o premiê Mari Alkatiri, que
aprovou a expulsão dos soldados em março, e cuja demissão
é exigida pelos rebeldes para
suspender os ataques.
Em entrevista concedida à
Folha em português irretocável, Alkatiri, 55, descartou a renúncia, reconheceu que a herança deixada pela ONU originou alguns dos problemas
atuais e disse que poderá pedir
ao Brasil o envio de policiais
para a segunda fase da estabilização, que deve começar em
três meses. A seguir, trechos da
entrevista, concedida por telefone, de Dili.
FOLHA - Muitos culpam o sr. pela
crise. Há dois dias uma multidão pediu sua saída em Dili. O sr. aceitaria
renunciar se disso dependesse a volta à calma em Timor?
MARI ALKATIRI - Eu ignoro a
pressão e não aceito a renúncia.
Essas acusações não são novas.
Começaram logo depois de eu
ser nomeado, por grupos que
queriam entrar no governo.
FOLHA - A expulsão dos 590 militares foi um erro?
ALKATIRI - Em qualquer parte
do mundo quem abandona o
quartel tem que ser demitido.
Aqui há um fenômeno político,
que se misturou com essa questão disciplinar. A crise foi tratada de forma superficial.
FOLHA - E qual a análise certa?
ALKATIRI - A razão é sempre a
mesma. Aproximam-se as eleições de 2007 e ninguém tem
dúvida de que o partido do governo voltará a ganhar. Então, a
violência é o caminho.
FOLHA - O sr. disse que há uma tentativa de golpe em movimento.
Quem está por trás?
ALKATIRI - As caras visíveis todos sabem quais são, dos ex-militares aos políticos que se escondem atrás deles. As invisíveis nós vamos descortinar.
FOLHA - Uma outra queixa é que o
seu grupo, que durante a ocupação
indonésia estava fora do país, defende um projeto que não atende
aos anseios de quem ficou.
ALKATIRI - É uma queixa falsa.
No meu governo só 20% estiveram fora do país.
FOLHA - Há também alegações de
que na origem da crise estão as divergências étnicas.
ALKATIRI - A crise é profundamente política. É uma tentativa
de mudar o governo sem levar
em consideração a Constituição. Se fosse étnica já teríamos
tido um banho de sangue.
FOLHA - Em artigo publicado no caderno Mais! no último domingo dois
pesquisadores brasileiros afirmam
que a adoção do português como
língua oficial, apesar de ser falado
por menos de 5% da população,
também gerou descontentamento.
ALKATIRI - Quando se adotou o
português em Angola e Moçambique também não era falado por mais de 5% ou 6% da população e nunca foi fonte de
problemas. Se [o idioma] se tornou um incômodo é porque interesses estranhos tentaram
usá-lo para criar problemas.
FOLHA - A guerra civil é um risco?
ALKATIRI - Eu nunca acreditei
na possibilidade de guerra civil
em Timor Leste. O povo não
quer mais guerras. Para evitar
isso é que nós pedimos a intervenção de forças internacionais. O governo conseguiu evitar derramamento de sangue
ao conter seus simpatizantes.
FOLHA - A fragilidade institucional
deixada pela ONU facilitou a eclosão da crise? Olhando para trás o sr.
acha que a reconstrução do país deveria ter sido diferente?
ALKATIRI - Aqui e acolá poderia
ter sido melhor. Nossa polícia
foi constituída pela ONU, com a
filosofia de que todos podem
ser recrutados. Naturalmente
todos os cidadãos têm direitos,
mas em qualquer país há critérios para definir os membros da
Defesa. Aqui não, optamos pela
reconciliação. A ONU falhou e
nós falhamos por termos respeitado a liderança [da ONU].
FOLHA - Tropas brasileiras seriam
bem-vindas?
ALKATIRI - Neste momento
achamos que tropas já não são
necessárias. Estamos pensando em uma polícia robusta para
a segunda fase da estabilização.
Nisso os brasileiros talvez possam ajudar.
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