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ENTREVISTA DA 2ª NICHOLAS BURNS
Brasil pós-Lula deve ajudar em democracia regional
EX-NÚMERO 3 DA DIPLOMACIA DOS EUA DIZ QUE PAÍS CONQUISTOU UMA INFLUÊNCIA MUNDIAL QUE IMPLICA MAIS RESPONSABILI DADES
LUCIANA COELHO
EM BOSTON
A saída do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, em janeiro, pesará na percepção
do mundo sobre o Brasil, diz
o diplomata Nicholas Burns,
o número 3 do Departamento
de Estado dos EUA até 2008.
Nos últimos 15 anos, o país
ganhou peso e influência.
Mas se consolidar como potência global implica assumir mais responsabilidades e
ser mais vocal na "promoção
da democracia", afirma.
Alvos? Venezuela e Cuba
(embora ele seja contra o embargo americano).
E é aí que entra Dilma
Rousseff, a quem Burns conheceu durante visita ao Brasil em 2007 e com quem se diz
"impressionado".
Após um veemente "sim"
ao ser indagado se muda algo aqui fora com a substituição de Lula por Dilma, o diplomata abre reticências ao
contrapor a eleita com seus
predecessores, Lula e Fernando Henrique Cardoso,
que descreve como líderes de
visão, carisma e dinamismo.
Para mostrar que está na
mesma categoria, Dilma
-que ele chama de "focada,
inteligente e trabalhadora"-
terá de se distanciar de seu
padrinho político em questões como o Irã e o apoio ao
regime cubano.
Burns recebeu a Folha na
Kennedy School of Government, de Harvard, após as
eleições nos EUA e no Brasil.
Na conversa, evocou interesses comuns entre os dois países em contraposição à aliança brasileira com China, Índia, África do Sul e Rússia.
FOLHA - Como o sr. vê a mudança de peso do Brasil no
palco global?
Nicholas Burns - Sob [Fernando Henrique] Cardoso e
Lula, o Brasil se transformou,
assumiu responsabilidades e
virou uma força benéfica
mais importante no continente. O país está se tornando mais poderoso economicamente, sobretudo após o
pré-sal. Mas há uma questão
de atitude. Lula deu ao Brasil
autoconfiança.
Do ponto de vista americano, isso é positivo. Estamos
entrando em um novo equilíbrio de poder global, em que
é necessário que o Brasil e a
Índia sejam mais ativos em
um conjunto de desafios
crescente, da mudança climática ao terrorismo, da proliferação nuclear à pobreza.
A sigla BRIC [Brasil, Rússia,
Índia e China], criada por investidores, se tornou política,
embora hoje o BASIC (com a
África do Sul em vez da Rússia) apareça mais. Essas
alianças fazem sentido diplomaticamente?
Eles não são alinhados no
sentido tradicional. Embora
o BASIC tenha dado coerência à discussão sobre mudança climática, acho que os veremos mudar alianças e amizades conforme a questão.
Minha expectativa é que
os EUA e o Brasil possam trabalhar juntos em uma série
de questões - Haiti, promoção de estabilidade na América Central e maior democratização na América do
Sul. Haverá divergências, como a proposta do Brasil e da
Turquia ao Irã [sobre o programa nuclear, em maio].
Mas isso não deve solapar
uma parceria global.
Vejo interesse para que
EUA e Brasil colaborem mais
entre si na ONU. Aliás, é hora
de o Conselho de Segurança
considerar o Brasil como
membro permanente.
O sr. apoia essa candidatura?
O conselho reflete o equilíbrio de poderes no mundo
em 1945. Cá estamos, em um
mundo com desafios e oportunidades totalmente diferentes. Um conselho sem o
Japão, a Índia, o Brasil e um
país da África não é relevante
para o nosso tempo.
Então o Conselho de Segurança ainda é a instância diplomática mais importante,
mesmo tendo perdido peso?
A governança global está
mudando. Vimos a ascensão
do G20 como grupo principal
de decisões econômicas, pois
precisamos desses países para tomar decisões globais. O
mesmo vale do lado político.
Talvez o Conselho de Segurança tenha perdido parte
do poder e da influência que
teve um dia, mas ainda é a
instância de maior credibilidade para decisões como
sanções ou uso da força militar contra um país. Por isso é
importante modernizá-lo.
O sr. citou democracia e Venezuela. Como vê a relação
do Brasil aí?
O Brasil, sob Lula, virou
um país mais influente e consequencialista [que crê que
os fins justifiquem os meios],
o que é positivo para nossa
região. Admiro seu histórico.
Mas não concordo com tudo que ele fez. Espero que,
sob Dilma Rousseff, o Brasil
possa continuar a se tornar
um país que promova a democracia no hemisfério.
O Brasil deveria se pronunciar mais sobre isso?
Sim. Eu sugeriria respeitosamente que fosse dada mais
atenção à promoção da democracia nos difíceis casos
de Cuba e da Venezuela, onde o presidente Chávez tem
sido inimigo da democracia
na forma como usa o poder.
Seria um serviço à região.
O governo Lula quer para o
Brasil o papel de mediador, e
isso é claro quanto ao Irã. Esse papel lhe cabe, já que hoje
ele parece ter chance de ser
ouvido pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad?
O mundo precisa de mais
pacificadores e mediadores,
e o Brasil está bem colocado
para isso, dada sua boa reputação internacional.
Mas a proposta turco-brasileira foi muito leniente com
o Irã e veio no momento errado, quando o Conselho de Segurança estava prestes a
aprovar sanções. Espero que
o Brasil e os EUA possam trabalhar nisso mais juntos, em
estratégia e em tática.
Como a proposta foi recebida
pelo governo aqui?
Não posso falar pelo governo, mas minha impressão
é que foi mal recebida. Europeus, EUA, Rússia e China,
países sérios, dedicaram
muito tempo a esse assunto e
se frustraram com a recusa
do governo iraniano em se
submeter à lei internacional.
Ver esse governo ser ajudado pelo Brasil e pela Turquia... Foi um erro tático, e
acho que feriu a reputação
internacional dos dois.
Qual seria o caminho mais inteligente a tomar?
Se o restante do mundo
agir de forma unificada,
apoiar sanções mas também
a diplomacia e a negociação,
haverá uma chance de convencer o Irã a agir de forma
razoável. Essa chance aumenta se países como a China, o Brasil e a Turquia
apoiarem o que o restante da
comunidade internacional
tenta fazer.
O sr. já me disse que mudará
a percepção externa do Brasil
quando Lula sair. Como?
O Brasil sempre será um
Estado poderoso por conta
da economia, população e
geografia. Dito isso, pesa a
personalidade, o carisma, o
dinamismo e a visão de um líder. Cardoso tinha, Lula tem.
Estou muito impressionado com Dilma Rousseff, pela
campanha que ela fez e por
sua performance no governo.
Ela é séria, inteligente, focada e trabalha duro. São qualidades importantes para liderança internacional.
Claro que ela é diferente de
Lula, então espero que priorize algumas coisas diferentes,
mas que também haja continuidade. Creio que o Brasil
manterá sua trajetória para
se tornar um país cada vez
mais influente no mundo.
O país consolidou a posição
que tem hoje?
Espero que sim. Seja em
redução da pobreza ou biocombustíveis, o Brasil tem
um papel importante. E, uma
vez que um país se torna poderoso, ele precisa manter
seu interesse no resto do
mundo.
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