São Paulo, segunda-feira, 08 de novembro de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª NICHOLAS BURNS

Brasil pós-Lula deve ajudar em democracia regional

EX-NÚMERO 3 DA DIPLOMACIA DOS EUA DIZ QUE PAÍS CONQUISTOU UMA INFLUÊNCIA MUNDIAL QUE IMPLICA MAIS RESPONSABILI DADES

LUCIANA COELHO
EM BOSTON

A saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro, pesará na percepção do mundo sobre o Brasil, diz o diplomata Nicholas Burns, o número 3 do Departamento de Estado dos EUA até 2008.
Nos últimos 15 anos, o país ganhou peso e influência.
Mas se consolidar como potência global implica assumir mais responsabilidades e ser mais vocal na "promoção da democracia", afirma.
Alvos? Venezuela e Cuba (embora ele seja contra o embargo americano).
E é aí que entra Dilma Rousseff, a quem Burns conheceu durante visita ao Brasil em 2007 e com quem se diz "impressionado".
Após um veemente "sim" ao ser indagado se muda algo aqui fora com a substituição de Lula por Dilma, o diplomata abre reticências ao contrapor a eleita com seus predecessores, Lula e Fernando Henrique Cardoso, que descreve como líderes de visão, carisma e dinamismo.
Para mostrar que está na mesma categoria, Dilma -que ele chama de "focada, inteligente e trabalhadora"- terá de se distanciar de seu padrinho político em questões como o Irã e o apoio ao regime cubano.
Burns recebeu a Folha na Kennedy School of Government, de Harvard, após as eleições nos EUA e no Brasil. Na conversa, evocou interesses comuns entre os dois países em contraposição à aliança brasileira com China, Índia, África do Sul e Rússia.

 


FOLHA - Como o sr. vê a mudança de peso do Brasil no palco global?
Nicholas Burns - Sob [Fernando Henrique] Cardoso e Lula, o Brasil se transformou, assumiu responsabilidades e virou uma força benéfica mais importante no continente. O país está se tornando mais poderoso economicamente, sobretudo após o pré-sal. Mas há uma questão de atitude. Lula deu ao Brasil autoconfiança.
Do ponto de vista americano, isso é positivo. Estamos entrando em um novo equilíbrio de poder global, em que é necessário que o Brasil e a Índia sejam mais ativos em um conjunto de desafios crescente, da mudança climática ao terrorismo, da proliferação nuclear à pobreza.

A sigla BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China], criada por investidores, se tornou política, embora hoje o BASIC (com a África do Sul em vez da Rússia) apareça mais. Essas alianças fazem sentido diplomaticamente?
Eles não são alinhados no sentido tradicional. Embora o BASIC tenha dado coerência à discussão sobre mudança climática, acho que os veremos mudar alianças e amizades conforme a questão.
Minha expectativa é que os EUA e o Brasil possam trabalhar juntos em uma série de questões - Haiti, promoção de estabilidade na América Central e maior democratização na América do Sul. Haverá divergências, como a proposta do Brasil e da Turquia ao Irã [sobre o programa nuclear, em maio]. Mas isso não deve solapar uma parceria global.
Vejo interesse para que EUA e Brasil colaborem mais entre si na ONU. Aliás, é hora de o Conselho de Segurança considerar o Brasil como membro permanente.

O sr. apoia essa candidatura?
O conselho reflete o equilíbrio de poderes no mundo em 1945. Cá estamos, em um mundo com desafios e oportunidades totalmente diferentes. Um conselho sem o Japão, a Índia, o Brasil e um país da África não é relevante para o nosso tempo.

Então o Conselho de Segurança ainda é a instância diplomática mais importante, mesmo tendo perdido peso?
A governança global está mudando. Vimos a ascensão do G20 como grupo principal de decisões econômicas, pois precisamos desses países para tomar decisões globais. O mesmo vale do lado político.
Talvez o Conselho de Segurança tenha perdido parte do poder e da influência que teve um dia, mas ainda é a instância de maior credibilidade para decisões como sanções ou uso da força militar contra um país. Por isso é importante modernizá-lo.

O sr. citou democracia e Venezuela. Como vê a relação do Brasil aí?
O Brasil, sob Lula, virou um país mais influente e consequencialista [que crê que os fins justifiquem os meios], o que é positivo para nossa região. Admiro seu histórico.
Mas não concordo com tudo que ele fez. Espero que, sob Dilma Rousseff, o Brasil possa continuar a se tornar um país que promova a democracia no hemisfério.

O Brasil deveria se pronunciar mais sobre isso?
Sim. Eu sugeriria respeitosamente que fosse dada mais atenção à promoção da democracia nos difíceis casos de Cuba e da Venezuela, onde o presidente Chávez tem sido inimigo da democracia na forma como usa o poder. Seria um serviço à região.

O governo Lula quer para o Brasil o papel de mediador, e isso é claro quanto ao Irã. Esse papel lhe cabe, já que hoje ele parece ter chance de ser ouvido pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad?
O mundo precisa de mais pacificadores e mediadores, e o Brasil está bem colocado para isso, dada sua boa reputação internacional.
Mas a proposta turco-brasileira foi muito leniente com o Irã e veio no momento errado, quando o Conselho de Segurança estava prestes a aprovar sanções. Espero que o Brasil e os EUA possam trabalhar nisso mais juntos, em estratégia e em tática.

Como a proposta foi recebida pelo governo aqui?
Não posso falar pelo governo, mas minha impressão é que foi mal recebida. Europeus, EUA, Rússia e China, países sérios, dedicaram muito tempo a esse assunto e se frustraram com a recusa do governo iraniano em se submeter à lei internacional.
Ver esse governo ser ajudado pelo Brasil e pela Turquia... Foi um erro tático, e acho que feriu a reputação internacional dos dois.

Qual seria o caminho mais inteligente a tomar?
Se o restante do mundo agir de forma unificada, apoiar sanções mas também a diplomacia e a negociação, haverá uma chance de convencer o Irã a agir de forma razoável. Essa chance aumenta se países como a China, o Brasil e a Turquia apoiarem o que o restante da comunidade internacional tenta fazer.

O sr. já me disse que mudará a percepção externa do Brasil quando Lula sair. Como?
O Brasil sempre será um Estado poderoso por conta da economia, população e geografia. Dito isso, pesa a personalidade, o carisma, o dinamismo e a visão de um líder. Cardoso tinha, Lula tem.
Estou muito impressionado com Dilma Rousseff, pela campanha que ela fez e por sua performance no governo. Ela é séria, inteligente, focada e trabalha duro. São qualidades importantes para liderança internacional.
Claro que ela é diferente de Lula, então espero que priorize algumas coisas diferentes, mas que também haja continuidade. Creio que o Brasil manterá sua trajetória para se tornar um país cada vez mais influente no mundo.

O país consolidou a posição que tem hoje?
Espero que sim. Seja em redução da pobreza ou biocombustíveis, o Brasil tem um papel importante. E, uma vez que um país se torna poderoso, ele precisa manter seu interesse no resto do mundo.


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