São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2007

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Lisboa sedia 2ª Cúpula África-Europa

Em meio a saia justa entre o Reino Unido e o Zimbábue, encontro de 53 líderes visa incrementar relações comerciais

Documentos da primeira reunião, há cinco anos, não foram implementados; cuidado com o ambiente também está na pauta

VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Hoje e amanhã Lisboa será o centro da política internacional. Se vierem todos os convidados, a 2ª Cúpula África-Europa contará com a presença de 53 chefes de Estado e de governo africanos, além dos 27 líderes dos países da União Européia. Sete anos após a primeira reunião, no Cairo, Egito, os líderes políticos voltam a se juntar para discutir os problemas que afetam os dois continentes.
Um forte aparato de segurança foi montado para o evento, o maior já realizado no país.
Além da aprovação dos dois documentos-base sobre a nova parceria UE-África, a Estratégia Conjunta e o Plano de Ação, o encontro deve aprofundar cinco pontos essenciais: a paz e a segurança; a democracia e os direitos humanos; o comércio, a infra-estrutura e o desenvolvimento; as migrações; e a energia e alterações climáticas.
A África tem sido assolada por guerras, pobreza e doenças. "Democracia plena" só existe para 1,2 milhão de africanos, em um universo de mais de 800 milhões. É mais fácil ter um celular do que viver numa democracia no continente. A sua população representa 12% da mundial, fazendo da África o terceiro maior continente, depois da Ásia e das Américas.
A União Européia, com quase 500 milhões de habitantes, é o seu maior parceiro comercial. Segundo o Eurostat, foram transacionados 218 bilhões no ano passado. Os produtos mais adquiridos da África pelos 27 Estados da UE são os combustíveis (51,5% do total em 2006), minérios e metais (14%) e gêneros alimentícios (9,7%).

Discórdia
As divergências comerciais entre os dois blocos serão abordadas na cúpula, podendo levantar alguma discórdia. No entanto o chanceler português, Luís Amado, ameniza a situação, ressaltando que serão discutidas "no âmbito de um debate que envolverá toda a problemática do desenvolvimento e do investimento na África".
O Plano de Lisboa prevê o reforço do controle das normas, padrões e qualidade dos produtos africanos. No que diz respeito às habituais dificuldades de financiamento de programas de ajuda, o documento indica algumas alternativas, como o uso do Fundo Europeu para o Desenvolvimento e do Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento, bem como de instituições financeiras e internacionais.
As alterações climáticas serão outro dos temas de debate, promovendo-se uma política energética sustentável no continente africano.
De acordo com o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), divulgado na semana passada, a África será provavelmente o continente mais afetado pelas conseqüências das alterações climáticas, apesar de ser o menos poluidor.

Polêmica
A presença do ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, 83, na cúpula tem gerado polêmica, pois o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, recusou-se a participar devido à sua presença. Só nesta semana Portugal emitiu um visto para Mugabe. Quanto ao premiê português, José Sócrates, também arranjou uma solução para escapar do aperto de mão. A Presidência portuguesa informou que não haverá a protocolar troca de cumprimentos. A posição oficial é a de que as delegações dos 80 países, e ainda de outros participantes e observadores, atrasariam o início dos trabalhos.
O estranhamento entre Reino Unido e Zimbábue levou ao adiamento da segunda cúpula, em 2003. Londres adota desde 2000 sanções à ex-colônia africana e acusa Mugabe de violação dos direitos humanos.
Em declarações à agência Lusa, Louis Mitchel, o comissário europeu do Desenvolvimento e Ajuda Humanitária, defende que as atenções não devam estar só no ditador do Zimbábue, "tal a importância dos assuntos que serão discutidos e que dizem respeito aos dois continentes". "Se falharmos, Lisboa ficará na memória como uma enorme oportunidade perdida", diz Mitchel.

Prisão
Na primeira Cúpula África-Europa, em 2003, traçaram-se algumas linhas de cooperação entre os dois continentes, assim como foi adotado um plano de ação e uma declaração, mas não foram implementados.
A eurodeputada socialista Ana Gomes declarou que muitos dos líderes africanos que virão a Lisboa "deveriam estar na prisão". No entanto, sublinha que "a Europa tem de dialogar com toda a gente, mesmo com interlocutores menos recomendáveis".
Por outro lado, um grupo de escritores africanos e europeus, como o nigeriano Wole Soyinka, a sul-africana Nadine Gordimer e o tcheco Vaclav Havel criticou, declarou em uma carta aberta publicada em jornais africanos e europeus que a falta de liderança empobrece a moral.
O olhar da Europa estará sobre Lisboa neste fim-de-semana. O continente africano viu, durante séculos, os seus recursos humanos e naturais serem explorados pelas potências européias. Os seus dirigentes vão tentar aproveitar, mais uma vez, essa oportunidade para ter algo a dizer em relação ao seu futuro. Em pleno final do ano, depois de se saber, por exemplo, através do relatório anual da ONU, que a Aids não pára de matar na África, importa saber se as palavras se transformarão em atos.


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