|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
BAN KI-MOON
Com novo peso global, Brasil tem mais responsabilidades
Para dirigente da ONU, Obama é fonte de "mudança climática" nas relações internacionais
EM JANEIRO , Ban Ki-moon completa dois
anos no cargo de secretário-geral da Organização das Nações Unidas em meio à mais
grave crise financeira mundial desde a
fundação da entidade, em 1945. Para o diplomata sul-coreano, é o momento de a ONU assumir papel de liderança para permitir uma resposta coordenada à
crise, que inclua a reforma das instituições multilaterais e a maior participação de países emergentes,
como o Brasil. Ban aposta em avanços no projeto de
ampliar o Conselho de Segurança da ONU, no qual
o Brasil aspira a um assento permanente.
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DOHA
Diplomático, Ban Ki-moon,
não diz qual a melhor fórmula
de expansão, mas lembra que,
com o peso mundial crescente
do país, espera um maior "senso de responsabilidade" do Brasil. Em entrevista exclusiva
concedida à Folha durante
dois vôos, Ban falou de seus
dois primeiros anos no cargo e
não escondeu sua satisfação
com a eleição de Barack Obama, que classificou como uma
"mudança climática" na política mundial. "Estou muito otimista", disse.
FOLHA - Esta é a maior crise financeira desde a criação da ONU. Qual a
relevância da organização neste
momento?
BAN KI-MOON - As Nações Unidas são o único órgão intergovernamental com capacidade
de assumir um papel universal
no combate à crise.
Cada país pode implementar
medidas domésticas. Mas, se
elas não forem coordenadas internacionalmente, o impacto
será reduzido. A ONU pode dar
um valor agregado a essas medidas, sobretudo diminuindo
os efeitos nos países em desenvolvimento. Se os problemas
sociais e econômicos criados
pela crise financeira não forem
atacados, a estabilidade política
e a paz estarão sob ameaça.
FOLHA - Apesar dos discursos e
conferências, a impressão é de que
ainda há muita relutância em estabelecer uma resposta coletiva à crise. Os países membros estão dispostos a dar à ONU esse papel de liderança?
BAN - Recebemos um mandato para esse tipo de ação. Um
bom exemplo foi como a ONU
lidou com a crise alimentar. Eu
estabeleci uma força-tarefa de
alto nível, formada por todas as
instituições da organização,
que foi muito bem-sucedida no
sentido de estabelecer um plano de ação.
As Metas do Milênio, que incluem a redução de infectados
pelo vírus HIV e da mortalidade infantil, o combate ao aquecimento global e a educação,
são temas que não podem ser
resolvidos por um único país,
por mais poderoso que ele seja.
Precisamos de uma ação coletiva concertada, que só pode ser
feita pela ONU.
FOLHA - O sr. insistiu na realização
da Conferência de Doha, para discutir uma ação contra a crise. Ficou surpreso com a resistência em reformar
as instituições internacionais, mesmo dentro da ONU?
BAN - Não fiquei tão surpreso,
pois já esperava por isso. Mas
acho importante que os países
desenvolvidos, onde a crise teve início, reconheçam a importância de uma ação coletiva e de
que é preciso reformar as instituições para dar mais voz aos
emergentes.
Isso já está ocorrendo nas
instituições de Bretton Woods,
onde Robert Zoellick [presidente do Banco Mundial] e Dominique Strauss-Kahn [diretor-gerente do FMI] nomearam comissões para estudar as
reformas.
FOLHA - Para muitos, a crise é o
prenúncio de uma nova ordem
mundial. Que lugar devem ter os
países emergentes?
BAN - O discurso do presidente Lula em Washington foi eloqüente e apaixonado e deixou
todos impressionados. Reforçou o forte chamado atual por
reformas das instituições de
Bretton Woods e o fortalecimento das regras que monitoram os sistemas bancário e financeiro.
Antes de mais nada, cada país
precisa apagar o seu incêndio,
para que ele não se espalhe para
os vizinhos. Mas creio que são
necessárias modalidades inclusivas e multilaterais, uma visão
mais abrangente.
Não há uma fórmula fechada:
começaram com G7, depois expandiram para G8. Agora, considerando que a maior parte do
crescimento econômico vem
dos emergentes, expandiram
para G20. Esses países representam 90% do PIB (Produto
Interno Bruto) mundial e da
população, então tecnicamente
é um formato justo. Mas não há
um corte exato.
FOLHA - E o Brasil?
BAN - Por qualquer critério, o
Brasil é hoje um dos países
mais importantes do mundo e
está no centro das discussões
sobre os maiores desafios, como as mudanças climáticas e a
crise financeira. Tem um papel-chave no G20. Com isso,
também terá que ter um maior
senso de responsabilidade.
FOLHA - Este é um bom momento
para a ampliação do Conselho de Segurança, com a inclusão do Brasil
entre os membros permanentes?
BAN - A Assembléia Geral da
ONU tomou uma decisão muito importante em setembro.
Pela primeira vez aprovou, por
consenso, que os membros devem dar início a uma negociação para a reforma do Conselho
de Segurança. Isso deve acontecer até 28 de fevereiro. Agora,
cabe aos membros decidir como essa expansão deve ser feita. Há o chamado G4 [Brasil,
Índia, Japão e Alemanha], mas
também há países com outras
idéias, como o Unindo por Consenso [grupo contrário ao G4
composto por 40 países, entre
eles Argentina e Itália].
Há consenso, porém, sobre a
necessidade de reformar e expandir o Conselho de Segurança. Seria bom para a ONU, para
refletir a dramática mudança
política ocorrida no mundo.
FOLHA - O "maior senso de responsabilidade" que o sr. espera do Brasil
também inclui mais contribuição financeira e em tropas para a ONU?
BAN - Sim, inclui todos esses
aspectos, das missões de manutenção da paz, à contribuição financeira e ao cumprimento de
metas ambientais.
FOLHA - O sr. vê oportunidades
nesta crise?
BAN - Se os pacotes de estímulo econômico forem investidos
em economia verde, é possível
criar milhões de empregos. Veja o caso da China: um terço do
seu pacote de estímulo será investido em economia verde. Isso levará a uma profusão de
inovação tecnológica que criará
empregos.
Biocombustíveis são uma das
formas de criar empregos e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Quando visitei o Brasil, no ano passado, fiquei impressionado com o investimento de longo prazo em
tecnologia e a inovação na produção de etanol.
FOLHA - O governo Bush invadiu o
Iraque sem autorização da ONU e foi
avesso ao sistema multilateral. Que
mudanças o sr. espera com o novo
presidente dos EUA?
BAN - Acho que podemos esperar uma mudança climática em
termos políticos com a eleição
de Barack Obama. Fiquei muito impressionado com o seu
forte compromisso com o multilateralismo, por exemplo no
combate ao aquecimento global. Tive uma ótima conversa
com ele, que me deixou muito
otimista ao prometer que os
EUA fortalecerão sua parceria
com a ONU.
FOLHA - Nesses quase dois anos no
cargo, o que o sr. considera ser sua
maior conquista e qual foi a maior
frustração?
BAN - Ainda é muito cedo para
dizer que tive conquistas. Não
porque sou modesto, mas porque os desafios são muitos. Veja o caso das mudanças climáticas. Este é o melhor exemplo da
necessidade de uma parceria
global. Por um lado, temos agora esperança de uma contribuição dos EUA. Por outro, há sinais desencorajadores na Europa, de recuo das metas estabelecidas.
Meu trabalho é um contínuo
processo de persuasão. Exige
diálogo o tempo todo, pois cada
um dos 192 membros é um país
soberano, com diferentes culturas e interesses. Há conflitos
e é preciso chegar a um equilíbrio entre o interesse coletivo e
o doméstico. Meu papel é harmonizar todos esses interesses
em uma estrutura coerente.
O jornalista viajou a Doha a convite da ONU
Texto Anterior: Morte de jovem pela polícia provoca protestos na Grécia Próximo Texto: Frase Índice
|