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Histórico das inspeções revela trapaças iraquianas
ENRIC GONZÁLEZ
DO "EL PAÍS"
Desde que, em 1991, após a
Guerra do Golfo, o Conselho de
Segurança (CS) da ONU aprovou
a resolução 687, que ordenava o
desarmamento do Iraque, Saddam Hussein vem burlando a vigilância internacional. Naquele
momento, o Iraque era um país
arrasado. Saddam era um tirano a
ponto de cair. Os EUA acreditavam que bastaria uma leve pressão final para derrubar o ditador.
Foi com base nessa convicção
que se redigiu a resolução 687, um
documento que criou no norte e
no sul do país -regiões de população curda e xiita, respectivamente- zonas ""de exclusão", fora do alcance do Exército de Saddam. O objetivo era favorecer as
rebeliões populares nessas áreas.
A resolução também ordenou o
desarmamento quase total do Iraque e criou uma Comissão Especial (Unscom) para verificar a
destruição das armas. Ninguém
imaginava que a resolução 687
fosse representar um grande fracasso da diplomacia multilateral.
Em 23 de junho de 1991 um grupo de inspetores da ONU apareceu de surpresa num quartel em
Abu Gharib, subúrbio de Bagdá.
A CIA havia comunicado a eles
que o Exército iraquiano estava
levando ao local ""grandes objetos
redondos" tirados das ruínas da
usina nuclear de Al Tuwaitha.
Quando um inspetor tentou fotografar a cena, um oficial fez disparos de advertência. Sem poder
fazer nada, a equipe da ONU viu
os objetos suspeitos sendo carregados em caminhões que saíam
do quartel pelos fundos e partiam
para destino desconhecido.
O sueco Rolf Ekeus, chefe da
Unscom, correu para apresentar
seu protesto ao vice-presidente,
Tareq Aziz, que o convenceu se
tratar de um mal-entendido.
Comitê secreto
Ekeus não sabia que uma semana antes Saddam tinha colocado
Aziz no comando de um alto comitê dedicado a ocultar toda espécie de armas e planos e a frustrar as investigações da Unscom.
Ninguém soube disso até 1995,
quando o mundo estava muito
mais interessado no sofrimento
que as sanções estavam causando
à população iraquiana do que nas
atividades secretas de Saddam.
Em 7 de julho de 1991, o comitê
chefiado por Aziz decidiu que era
impossível esconder o arsenal todo e que, portanto, era preciso renunciar a boa parte dele para poder salvar o essencial. Foi posto
em andamento um processo de
destruição num desfiladeiro situado perto de Tikrit.
Mísseis, gases e bactérias foram
eliminados, sem testemunhas
nem provas, numa violação flagrante da resolução 687, que exigia a presença de inspetores em
qualquer ato voltado à eliminação
de armas.
Desde aquele momento e em
quase todas as ocasiões -quase
dez- em que Bagdá apresentou à
ONU uma declaração sobre seus
arsenais, Saddam se referiu à ravina de Tikrit para assegurar que
seus arsenais foram destruídos e
que a exigência internacional de
desarmamento foi satisfeita.
A Unscom foi constituída de
forma improvisada, pensada para
ser de curta duração. A comissão
esperou até 1995 para contratar
seu primeiro biólogo, Richard
Spertzel. Os serviços secretos israelenses facilitaram o acesso de
Spertzel a documentos que provavam a compra por parte do Iraque de até dez toneladas de caldo
de cultivo necessários para o desenvolvimento de cepas como a
do antraz. Spertzel comprovou
depois que o volume comprado
chegava a 40 toneladas.
Em julho de 1995 uma cientista
iraquiana, Rihab Taha, confessou
aos inspetores que o governo estava desenvolvendo vários programas para a produção de germes. Em agosto, ocorreu a deserção de Hussein Kamel -genro de
Saddam, fundador da Guarda Republicana e um dos poucos dirigentes que conheciam o estado
dos arsenais secretos- e de seu
primo Izz Al Din Al Majid.
Kamel revelou que Saddam vinha enganando os inspetores, que
dispunha de laboratórios móveis
e que vários programas de armas
estavam em pleno funcionamento. Saddam Hussein convenceu
Kamel, que estava entediado no
exílio, de que não sofreria represálias se retornasse ao Iraque. Kamel e seu primo voltaram ao país
e foram executados.
Trabalho infrutífero
Em abril de 1997, após seis anos
de trabalho infrutífero, Rolf Ekeus
compareceu diante do CS para reconhecer que sua missão tinha se
transformado num acúmulo de
frustrações. Os iraquianos se esforçavam apenas para dissimular.
Em junho de 1996 os inspetores
viram que uma série de objetos
com todo o aspecto de mísseis
Scud eram carregados em caminhões numa base da Guarda Republicana. Bagdá lhes explicou
que eram ""pilares de concreto que
pareciam mísseis". O tradutor de
Ekeus, segundo Kamel, era espião
de Saddam. Ekeus abandonou a
Unscom em julho de 1997.
Em setembro do mesmo ano
seu substituto, o australiano Richard Butler, exigiu de Saddam
uma nova ""declaração honesta,
completa e final" -a sexta- sobre o estado de seus arsenais. ""Isto não é nem sequer remotamente digno de crédito", comentou
Butler ao recebê-la. No dia 17 daquele mês, uma equipe de inspetores foi retida por horas diante
dos portões de uma indústria química, enquanto toneladas de documentos eram carregados em
caminhões ou destruídos numa
fogueira no telhado da fábrica.
A crise estourou em 29 de outubro, quando Tareq Aziz anunciou
que seu governo não iria autorizar
a presença de americanos nas
equipes da Unscom, já que eles seriam espiões. Os EUA pediram ao
CS que agisse para evitar o naufrágio das inspeções, mas sua iniciativa não encontrou eco.
No dia 1º de novembro de 1998,
Saddam anunciou a suspensão de
toda e qualquer cooperação com
a Unscom. Butler e os últimos
membros da Unscom em território iraquiano deixaram o país. Em
16 de dezembro, Bill Clinton ordenou a retomada dos bombardeios
sobre o Iraque.
A oposição republicana o acusou de tentar desviar a atenção da
população americana do escândalo Monica Lewinsky e do processo de impeachment do qual
era alvo. Batizado de Operação
Raposa do Deserto, o bombardeio foi qualificado por Clinton
como ""vitória" e esquecido.
Daquele momento em diante, a
política de Washington consistiu
em manter as patrulhas aéreas
nas zonas de exclusão e pensar o
mínimo possível em Saddam.
George W. Bush chegou à Casa
Branca em janeiro de 2001 com o
propósito de resolver o problema.
Mas não tinha pressa em fazê-lo,
até que aconteceram os atentados
de 11 de setembro e ele lançou a
guerra ao terrorismo. E incluiu o
Iraque no ""eixo do mal", ao lado
do Irã e da Coréia do Norte.
Tradução de Clara Allain
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