São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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AS REVELAÇÕES
Militares fazem campanha por Fujimori, diz oficial

do enviado especial

As Forças Armadas do Peru estão apoiando, com medidas concretas, a campanha eleitoral do presidente Alberto Fujimori a um terceiro mandato consecutivo.
Dessa vez a denúncia não é feita pela oposição ou por organizações não-governamentais. Parte de dentro das próprias Forças Armadas. Pela primeira vez, um oficial peruano fala sobre o envolvimento de militares na tentativa de prolongar por mais cinco anos o governo de Fujimori, eleito pela primeira vez em 1990.
O relato foi feito à Folha por um major (terceiro posto na escala militar) que trabalha na área de inteligência. O nome dele e a Força a qual pertence não serão revelados por questões de segurança.
Em entrevista gravada, o major conta que militares ensinaram eleitores a preencher a cédula em favor de Fujimori e distribuíram alimentos, remédios, livros e até mesmo roupas doadas por outros países a populações carentes em troca de votos.
"O que lhes dizemos, eles fazem. É como ensinar um cachorro seu, que depois vai obedecê-lo porque você é quem o alimenta", disse. O major -que se declara simpatizante de Fujimori- estava fardado e usava identificação com seu nome quando concedeu a entrevista na última sexta-feira. Sua patente e o posto que ocupa nos serviços de inteligência militares foram confirmados pela reportagem. A seguir, as revelações. (LF)

MILITARES NA CAMPANHA -
"Em várias cidades grandes e médias, como Cuzco, Arequipa e Iquitos, a popularidade do presidente caiu muito nos últimos dois anos. Muitos consideram que Fujimori cedeu mais do que deveria na negociação (realizada em 98) para pôr fim à guerra com o Equador ou que o desemprego é culpa dele e agora o rechaçam. Por isso Fujimori está em situação ruim nas pesquisas.
Faltam-lhe muitos votos para ganhar a eleição no primeiro turno (cerca de 600 mil). Mas as Forcas Armadas trabalham arduamente para mudar essa realidade. O apoio da cúpula militar à candidatura de Fujimori é total."

A AÇÃO -
"Há três meses, as Forças Armadas iniciaram as ações concretas em favor de Fujimori. Diria que, de cada 30 militares do Exército, 1 trabalha pela candidatura do presidente. As ordens são para utilizar quanto pessoal seja necessário, com apoio de caminhões e aviões."

ENSINANDO A VOTAR -
"O Peru tem um índice muito grande de analfabetos (11%). Houve muitas missões, sobretudo do Exército, para ensinar os trabalhadores do campo a votar em Fujimori. Foi ensinado a eles onde marcar o "x" na cédula, mesmo que ela esteja de cabeça para baixo. Vi isso acontecer em muitas localidades, como em Huancavelica (centro do país)."

DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS -
"Eu fiz uma média de duas viagens por quinzena para participar da distribuição de alimentos. Estamos falando de sete toneladas de alimentos por vôo. Chegávamos às cidades pequenas e nos reuníamos com as famílias. Perguntávamos quantas pessoas havia na família e depois dizíamos que iríamos dar-lhes de comer por um mês. Mas explicávamos que tinha uma condição: que votassem no partido do presidente. Nos povoados mais afastados, os militares são como deuses. O que lhes dizemos, eles fazem. É como ensinar um cachorro seu, que depois vai obedecê-lo porque você é quem o alimenta."

DOAÇÕES INTERNACIONAIS -
"Roupas doadas por países como Alemanha, Holanda e Suécia foram distribuídas à população carente pelo pessoal das Forças Armadas. Mas sempre havia o pedido do voto. O pessoal do Presidente nos acompanhava, fazendo sua propaganda."

REMÉDIOS E LIVROS -
"Além de comida, também participamos da distribuição de remédios e livros, comprados com dinheiro do Estado. Colegas meus, oficiais do Exército, comandavam a distribuição e depois faziam um discurso dizendo que havia sido o presidente Fujimori quem enviara as doações. No final diziam: "se vocês querem que isso continue, votem no presidente ou do contrário a ajuda será cortada".

TRANSPORTE PARA COMÍCIOS -
"Ontem (quinta-feira), o Exército enviou caminhões e ônibus aos bairros mais afastados do centro de Lima para buscar pessoas para o comício de Fujimori (o último antes da votação).
Bandeiras e camisetas da campanha foram distribuídas. Isso é comum, sempre aconteceu."

POSSIBILIDADE DE FRAUDES -
"O pessoal da Marinha e da Aeronáutica não recebeu nenhuma ordem para fraudar as eleições. Com relação ao Exército, não sei. A fiscalização está muito forte e pode ser que o presidente não se atreva a autorizar a fraude, mas, se ela ocorrer, será feita pelo Exército. Nós, militares, vamos ter a custódia das urnas antes e depois da votação. Se houver fraude, será depois da votação. Em localidades pequenas, as urnas serão transportadas pelos militares, depois da votação, até os escritórios da Onpe (órgão responsável pela organização do pleito). Nesse trajeto, pode haver a mudança, podem-se trocar algumas planilhas."

RESPALDO PRESIDENCIAL -
"Claro que o presidente conhece tudo o que as Forças Armadas fazem em seu benefício."

APOIO DAS FORÇAS ARMADAS -
"Qualquer um dos candidatos que saia vencedor terá de se apoiar nas Forças Armadas. Somos um país democrático, mas com uma estrutura malformada. O presidente então precisará de um respaldo das Forças Armadas, que é a única instituição sólida que lhe restará. Queira ou não. Não há outra alternativa. Que mais lhe restaria? O Congresso? São uns palhaços."

SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA -
"O SIN (Serviço de Inteligência Nacional, órgão civil de assessoramento do presidente) toca os assuntos mais pontuais. Faz pesquisas de intenção de voto, analisa as debilidades dos concorrentes, vê em que ponto podem ser atacados. Amanhã (ontem, véspera da votação), haverá uma reunião de nível presidencial para que o pessoal do SIN apresente os prognósticos da eleição.
O SIN também está trabalhando para ganhar o apoio dos candidatos que não passarão ao segundo turno. São oferecidos postos importantes e até ministérios. Tenho dois amigos do SIN que atuam na articulação com dois partidos que publicamente se apresentam no primeiro turno como oposição a Fujimori.
Também está-se reunindo documentos contra Toledo (Alejandro Toledo, provável concorrente de Fujimori num possível segundo turno) para dar à imprensa."

POSIÇÃO PESSOAL -
"Nós, das Forças Armadas, recebemos e cumprimos ordens. Mas me incomoda estar metido num tipo de ação que não é correta. Deveríamos dar alimentos, remédios e outras coisas a essa gente porque precisam, porque o Estado os esqueceu e não por causa das eleições. Mas faço porque tem gente acima de mim. A cúpula das Forças Armadas é a favor desse tipo de medida, mas não os de baixo.
Eu não voto, porque os militares não podem votar. Mas se pudesse, votaria em Fujimori. Creio que o presidente deve ficar mais cinco anos no poder. Ele fez uma boa base, como nenhum outro presidente fez com relação ao combate à inflação, reforma de empresas públicas, combate ao terrorismo e à delinqüência. O Peru ganhou o respeito do Fundo Monetário Internacional. O Peru tem credibilidade -credibilidade no país e no seu presidente. Dar mais cinco anos a Fujimori pode ser a solução no que se refere ao desemprego, por exemplo. Os outros candidatos não têm programa de trabalho."


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