São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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Levante xiita amplo contradiz versão da Casa Branca

JAMES RISEN
DO ""NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Funcionários da inteligência disseram anteontem que as forças americanas enfrentam uma revolta xiita de base ampla cujo âmbito ultrapassa de longe o dos defensores de um clérigo islâmico militante que vem sendo o alvo dos esforços americanos de contra-insurgência.
Essa afirmação entra em choque com diversas declarações feitas pela administração Bush e autoridades americanas no Iraque. Na quarta-feira, o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, disse a jornalistas no Pentágono que os combates no Iraque são obra apenas de ""capangas, gangues e terroristas" e que não se trata de um levante popular. O general Richard Myers acrescentou: ""Não é um levante xiita. [O clérigo xiita Moqtada] al Sadr possui uma base muito pequena de seguidores".
Funcionários da administração descrevem Al Sadr como catalisador da crescente onda de violência que tomou conta da comunidade xiita. Mas as autoridades de inteligência agora dizem que existem sinais de que insurreição já ultrapassa o âmbito de Al Sadr e sua milícia e que um número muito maior de xiitas se voltou contra a ocupação do Iraque liderada pelos EUA, mesmo que não apóie a revolta de forma ativa.
Um ano atrás, muitos xiitas saudaram a invasão americana e a derrubada de Saddam Hussein, sunita que durante décadas reprimiu os xiitas com brutalidade. Mas fontes da inteligência acreditam que o repúdio à ocupação se espalhou entre os xiitas. Al Sadr e suas forças representam apenas um de seus componentes.
Enquanto isso, a inteligência ainda não detectou sinais efetivos de coordenação entre a rebelião sunita, na região central do Iraque, e a insurreição xiita. Mas autoridades de inteligência afirmam que também a rebelião sunita já envolve muito mais do que apenas antigos membros do regime do partido Baath. Líderes tribais sunitas, especialmente na Província de Al Anbar, cuja capital provincial é Ramadi, e em Fallujah, estão ajudando a liderar a revolta sunita, dizem.
Com isso, os EUA hoje enfrentam duas insurreições de base ampla e que percorrem caminhos paralelos, ambas cada vez mais difíceis de conter.
Segundo alguns especialistas nos muçulmanos xiitas do Iraque, a insurreição já se espalhou. ""Existe um sentimento generalizado de antiamericanismo entre a população nas ruas", disse Ghassan al Attiyah, diretor-executivo da Fundação Iraquiana para o Desenvolvimento e a Democracia em Bagdá. ""As pessoas se identificam com Al Sadr não por acreditarem nele, mas porque têm suas queixas próprias."
Com sua ofensiva, Al Sadr ""seqüestrou o processo político", afirma. Como resultado, políticos e clérigos xiitas mais moderados se arriscam a entrar em confronto com a opinião pública se se manifestarem abertamente demais contra o jovem clérigo rebelde.
O grão aiatolá Ali al Husseini al Sistani é um clérigo idoso que é venerado por seus ensinamentos. Al Sadr é um jovem agitador de multidões, que dispõe de pouco reconhecimento como clérigo.
Nesta semana, Al Sistani lançou um comunicado apoiando a decisão de Al Sadr de agir contra os americanos, mas enfatizou a urgência de uma solução pacífica. Com isso, o clérigo mais velho parece querer marcar uma posição que lhe permita aliar-se à maré de sentimentos populares e, ao mesmo tempo, deixar que Al Sadr -pelo qual, segundo consta, sente desprezo- arrisque sua milícia e sua vida contra os EUA.
Nas partes do Iraque dominadas pelos xiitas, alguns membros do Pentágono e outros representantes governamentais acreditam que o Hizbollah, um grupo extremista xiita que tem respaldo do Irã, esteja exercendo um importante papel na insurreição.
Mas representantes da CIA dizem que ainda não viram evidências de que o Hizbollah tenha unido suas forças às dos xiitas iraquianos. Alguns deles acham que o Pentágono queira ligar o nome do Hizbollah à violência no Iraque para poder vincular o regime iraniano mais estreitamente ao terrorismo antiamericano.
Mas funcionários da CIA concordam que o Hizbollah estabeleceu uma participação significativa no Iraque do pós-guerra. A possível presença do Hizbollah é motivo de preocupação, pois o grupo é largamente reconhecido por especialistas como dono de alguns dos agentes terroristas mais eficientes e perigosos do mundo.


Tradução de Clara Allain


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