São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Reportagem da Folha acompanha o funeral em meio a multidão de 600 mil; a maior parte dos estrangeiros presentes era polonesa

"Torcida" dá demonstração de força

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Num misto de profunda comoção e de clima de arquibancada de estádio de futebol, os 600 mil fiéis que assistiram ontem à missa fúnebre que precedeu o sepultamento de João Paulo 2º deram uma demonstração de força religiosa que impressionou a Europa, continente que é berço do catolicismo, mas está desacostumado com esse tipo de manifestação.
Tudo começou muito cedo, na verdade já havia começado nos dias do velório, quando estimadas 4 milhões de pessoas passaram para ver o papa morto, pelo menos um quarto delas polonesas como Karol Wojtyla.
Os que enfrentaram a madrugada fria na rua tiveram melhor acesso à missa, entrando na própria praça São Pedro. Cerca da metade dos presentes teve de se espalhar por ruas adjacentes, servida por telões.

Campanha
A reportagem acompanhou a missa de um ponto próximo ao obelisco central da praça, no meio de um "setor polonês". Foi de lá que saíram os primeiro gritos de "Santo subito!" (santo já, numa referência à campanha pela santificação de João Paulo 2º).
O clima geral se alternava. Por um lado, era uma altamente solene missa fúnebre, e os presentes se comportaram a contento, com longos silêncios nas horas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de "mais emocionantes", quando o coro estava a pleno vapor. Jovens, a impressionante grande maioria dos presentes, se ajoelhavam repetidamente, assim como os mais velhos.
Certa hora, durante o silêncio da consagração da hóstia e do vinho da eucaristia, um menino de cerca de 10 anos, eslovaco, fez tocar a campainha de um celular. Riu do barulho, como quase toda criança já fez ao atrapalhar a ritualística de uma cerimônia religiosa. Resultado: só não apanhou dos colegas mais velhos porque o clima não era propício para repreensões.

Tradução
Foram distribuídos folhetos com a homilia em inglês e polonês, mas, como eles eram uma raridade, a cena mais comum no setor em que a Folha ficou era a de pessoas ouvindo a tradução em polonês ou italiano em rádios de pilha ou celulares-rádio.
Não só nisso o clima se assemelhava ao de uma arquibancada. Embora o sol tenha desaparecido no começo da missa, para reaparecer justamente na hora em que o caixão de João Paulo 2º era levantado para ser levado para dentro da basílica de São Pedro, as cores das bandeiras entre as "torcidas" eram profusas.
Fosse uma final de Copa do Mundo, diríamos que estava sendo jogada em Varsóvia. O branco-e-vermelho dominava o campo, ou seja, a praça São Pedro e vizinhança. Mas, como em todas as Copas, havia lá o Brasil e um punhado de estandartes exóticos (Samoa e Afeganistão incluídos) entre os europeus (e um quase solitário "Star Sprangled Banner", a bandeira dos EUA).
Bandeiras e brasileiros portando-as havia em vários pontos, como os dois rapazes alagoanos que seguravam uma versão grande no centro da praça. Mais para o fundo, Maria José Camargo, de São Paulo, carregava a sua bandeira nos ombros: "Consegui chegar ontem e fui barrada na fila".
E havia o barulho eventual. Logo após as 11h, veio a primeira salva mais forte de "gritos de guerra": "Santo subito" de um lado, "Giovanni Paolo" do outro e "Obrigado", em polonês, permeando. E assim permaneceu, de forma intermitente, mas sempre respeitando os respiros ditados pelos cardeais.
Um ponto desagradável para os presentes foi o barulho vindo dos helicópteros -tanto os militares como os que captavam imagens dividiam com as do altar a atenção da grande maioria de fiéis, que dependia dos telões para acompanhar a homilia.

Ambulantes
Outra mácula foi o aparecimento de camelôs nas redondezas, algo que não havia nos dias anteriores. Ontem, na via São Pio 10, que dá acesso à via della Conciliazione, o principal caminho à basílica, um ímã de geladeira com a imagem de João Paulo 2º era vendido a indecentes 10.
Não longe dali, Pavel e Andrei, dois rapazes de Cracóvia com roupas de escoteiro, seguravam uma das várias faixas com a palavra de ordem -"Santo subito". "Já ouvimos falar em milagres lá na Polônia", disseram. Daí para o surgimento de badulaques "milagrosos" para serem vendidos a incautos por alguns euros é um passo pequeno. Resta saber como a Igreja Católica tratará o assunto.


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