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A MORTE DO PAPA
Reportagem da Folha acompanha o funeral em meio a multidão de 600 mil; a maior parte dos estrangeiros presentes era polonesa
"Torcida" dá demonstração de força
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Num misto de profunda comoção e de clima de arquibancada de
estádio de futebol, os 600 mil fiéis
que assistiram ontem à missa fúnebre que precedeu o sepultamento de João Paulo 2º deram
uma demonstração de força religiosa que impressionou a Europa,
continente que é berço do catolicismo, mas está desacostumado
com esse tipo de manifestação.
Tudo começou muito cedo, na
verdade já havia começado nos
dias do velório, quando estimadas
4 milhões de pessoas passaram
para ver o papa morto, pelo menos um quarto delas polonesas
como Karol Wojtyla.
Os que enfrentaram a madrugada fria na rua tiveram melhor
acesso à missa, entrando na própria praça São Pedro. Cerca da
metade dos presentes teve de se
espalhar por ruas adjacentes, servida por telões.
Campanha
A reportagem acompanhou a
missa de um ponto próximo ao
obelisco central da praça, no meio
de um "setor polonês". Foi de lá
que saíram os primeiro gritos de
"Santo subito!" (santo já, numa
referência à campanha pela santificação de João Paulo 2º).
O clima geral se alternava. Por
um lado, era uma altamente solene missa fúnebre, e os presentes
se comportaram a contento, com
longos silêncios nas horas que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de "mais emocionantes", quando o coro estava a pleno
vapor. Jovens, a impressionante
grande maioria dos presentes, se
ajoelhavam repetidamente, assim
como os mais velhos.
Certa hora, durante o silêncio
da consagração da hóstia e do vinho da eucaristia, um menino de
cerca de 10 anos, eslovaco, fez tocar a campainha de um celular.
Riu do barulho, como quase toda
criança já fez ao atrapalhar a ritualística de uma cerimônia religiosa. Resultado: só não apanhou
dos colegas mais velhos porque o
clima não era propício para repreensões.
Tradução
Foram distribuídos folhetos
com a homilia em inglês e polonês, mas, como eles eram uma raridade, a cena mais comum no setor em que a Folha ficou era a de
pessoas ouvindo a tradução em
polonês ou italiano em rádios de
pilha ou celulares-rádio.
Não só nisso o clima se assemelhava ao de uma arquibancada.
Embora o sol tenha desaparecido
no começo da missa, para reaparecer justamente na hora em que
o caixão de João Paulo 2º era levantado para ser levado para dentro da basílica de São Pedro, as cores das bandeiras entre as "torcidas" eram profusas.
Fosse uma final de Copa do
Mundo, diríamos que estava sendo jogada em Varsóvia. O branco-e-vermelho dominava o campo,
ou seja, a praça São Pedro e vizinhança. Mas, como em todas as
Copas, havia lá o Brasil e um punhado de estandartes exóticos
(Samoa e Afeganistão incluídos)
entre os europeus (e um quase solitário "Star Sprangled Banner", a
bandeira dos EUA).
Bandeiras e brasileiros portando-as havia em vários pontos, como os dois rapazes alagoanos que
seguravam uma versão grande no
centro da praça. Mais para o fundo, Maria José Camargo, de São
Paulo, carregava a sua bandeira
nos ombros: "Consegui chegar
ontem e fui barrada na fila".
E havia o barulho eventual. Logo após as 11h, veio a primeira salva mais forte de "gritos de guerra": "Santo subito" de um lado,
"Giovanni Paolo" do outro e
"Obrigado", em polonês, permeando. E assim permaneceu, de
forma intermitente, mas sempre
respeitando os respiros ditados
pelos cardeais.
Um ponto desagradável para os
presentes foi o barulho vindo dos
helicópteros -tanto os militares
como os que captavam imagens
dividiam com as do altar a atenção da grande maioria de fiéis,
que dependia dos telões para
acompanhar a homilia.
Ambulantes
Outra mácula foi o aparecimento de camelôs nas redondezas, algo que não havia nos dias anteriores. Ontem, na via São Pio 10, que
dá acesso à via della Conciliazione, o principal caminho à basílica,
um ímã de geladeira com a imagem de João Paulo 2º era vendido
a indecentes 10.
Não longe dali, Pavel e Andrei,
dois rapazes de Cracóvia com
roupas de escoteiro, seguravam
uma das várias faixas com a palavra de ordem -"Santo subito".
"Já ouvimos falar em milagres lá
na Polônia", disseram. Daí para o
surgimento de badulaques "milagrosos" para serem vendidos a incautos por alguns euros é um passo pequeno. Resta saber como a
Igreja Católica tratará o assunto.
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