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COMENTÁRIO
O papa e Iasser Arafat
DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Numa viela próxima à praça
Navona, centro de Roma, há
um cartaz meio rasgado numa
parede. Nele, João Paulo 2º aparece abraçando Iasser Arafat, o pai
da causa palestina, morto aos 75
anos em novembro. A reflexão é
inevitável: num espaço inferior a
seis meses, desapareceram dois
dos principais ícones do século
20. Com eles, morreu um pouco
do que sobrou daquela era de lideranças carismáticas.
E a reação popular em seus funerais, é comparável? Do ponto
de vista formal, ou seja, número
de pessoas, impacto global do
acontecimento, não. Um papa é
um papa, e João Paulo 2º não foi
um pontífice qualquer. O popular
João 23 levou milhares à praça de
São Pedro, e em 1963 não havia
TV por satélite ou facilidades de
locomoção tão amplas.
No caótico funeral de Arafat em
Ramallah, na Cisjordânia, não
houve contagem precisa de presentes. O clima de comoção era
impressionante, muito mais intenso do que o vivido ontem em
Roma. O papa não era um líder
que conduzia seu rebanho com
arrebatamentos. Não se espera tiros ao ar numa missa. Novamente, a comparação fica difícil.
Talvez analisá-los sob o prisma
de sua santificação pela mídia,
sem trocadilhos com a possível
canonização de João Paulo 2º, seja
um caminho. Como disse ontem,
em entrevista publicada pelo diário espanhol "El País" o general
Jaruzelski, antípoda do papa na
Polônia comunista, pode haver
exagero no papel atribuído a
Wojtyla no desmantelamento do
bloco soviético. Para o general, ele
foi um catalisador, tão importante
quanto Leonid Brejnev. Com Arafat, os territórios palestinos sob o
jugo israelense são provas eloqüentes tanto de seu fracasso
quanto de seus sucessos.
De um modo ou de outro, ambos emularam, em sua morte,
uma reação de saudosismo. Os jovens em Roma trazem a carência
de décadas de dissolução de agendas políticas e morais. O papa virou alimento para essa fome. Os
jovens que entraram em transe
por Arafat viam nele a mesma coisa, um símbolo de uma causa possível, palpável. Sob esse ponto de
vista, talvez afinal não haja tanta
diferença entre os papaboys e os
jovens com kaffies de Ramallah.
(IGOR GIELOW)
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