São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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COMENTÁRIO

O papa e Iasser Arafat

DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Numa viela próxima à praça Navona, centro de Roma, há um cartaz meio rasgado numa parede. Nele, João Paulo 2º aparece abraçando Iasser Arafat, o pai da causa palestina, morto aos 75 anos em novembro. A reflexão é inevitável: num espaço inferior a seis meses, desapareceram dois dos principais ícones do século 20. Com eles, morreu um pouco do que sobrou daquela era de lideranças carismáticas.
E a reação popular em seus funerais, é comparável? Do ponto de vista formal, ou seja, número de pessoas, impacto global do acontecimento, não. Um papa é um papa, e João Paulo 2º não foi um pontífice qualquer. O popular João 23 levou milhares à praça de São Pedro, e em 1963 não havia TV por satélite ou facilidades de locomoção tão amplas.
No caótico funeral de Arafat em Ramallah, na Cisjordânia, não houve contagem precisa de presentes. O clima de comoção era impressionante, muito mais intenso do que o vivido ontem em Roma. O papa não era um líder que conduzia seu rebanho com arrebatamentos. Não se espera tiros ao ar numa missa. Novamente, a comparação fica difícil.
Talvez analisá-los sob o prisma de sua santificação pela mídia, sem trocadilhos com a possível canonização de João Paulo 2º, seja um caminho. Como disse ontem, em entrevista publicada pelo diário espanhol "El País" o general Jaruzelski, antípoda do papa na Polônia comunista, pode haver exagero no papel atribuído a Wojtyla no desmantelamento do bloco soviético. Para o general, ele foi um catalisador, tão importante quanto Leonid Brejnev. Com Arafat, os territórios palestinos sob o jugo israelense são provas eloqüentes tanto de seu fracasso quanto de seus sucessos.
De um modo ou de outro, ambos emularam, em sua morte, uma reação de saudosismo. Os jovens em Roma trazem a carência de décadas de dissolução de agendas políticas e morais. O papa virou alimento para essa fome. Os jovens que entraram em transe por Arafat viam nele a mesma coisa, um símbolo de uma causa possível, palpável. Sob esse ponto de vista, talvez afinal não haja tanta diferença entre os papaboys e os jovens com kaffies de Ramallah.
(IGOR GIELOW)


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