São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Emoção em torno do pontífice morto dá a impressão de que a canonização pode ser rápida, mas o mecanismo não é simples

Processo de canonização é demorado

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Fiéis carregavam ainda ontem, em Roma, faixas com a inscrição "Karol Wojtyla, santo subito" (canonização imediata), como se a vontade emocional dos cristãos batizados pudesse apressar o processo pelo qual João Paulo 2º se tornaria um dos santos da igreja.
A impressão de que as coisas são simples foi talvez fornecida pela quantidade elevada dos decretos de canonização do pontificado encerrado há uma semana.
Foram ao todo 464 santos. Em termos comparativos, os cinco primeiros papas eleitos no século 20, de Pio 10º a Paulo 6º, canonizaram, em conjunto, apenas 165. Ou seja, João Paulo 2º canonizou 2,8 vezes mais que os pontífices dos 75 anos anteriores.
O papa ontem sepultado também alimentou a percepção de que uma canonização é um processo quase sumário.
Dois exemplos: Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975), o fundador do grupo conservador da Opus Dei, foi canonizado em 6 de outubro de 2002, apenas 27 anos após sua morte; Gianna Beretta Molla (1922-1962), médica que suspendeu o tratamento contra o câncer que a matou, para não prejudicar sua gravidez, o foi em 16 de maio de 2004, ou 42 anos depois que morreu.
Madre Teresa de Calcutá (1910-1997) foi beatificada -grosso modo, a primeira etapa para uma canonização futura- em outubro de 2004. Estava morta havia apenas sete anos.
Mas não foi essa a norma geral do pontificado. Segundo relação do site do Vaticano, João Paulo 2º também canonizou dois santos nascidos no século 15, oito nascidos no século 16 e 12, no século 17. Ficaram muitos séculos na fila.
Segundo a "Enciclopédia Católica", publicação exemplar nas citações da legislação canônica, uma beatificação exige a instrução de um processo por 20 etapas sucessivas. Em se tratando de mártires, que se sacrificaram pela fé, as etapas caem para seis.
A canonização se dá depois de milagre comprovado após a beatificação, o que exige a abertura de novos procedimentos de comprovação, em que a instrução, a exemplo do que ocorre com a beatificação, é feita por um "postulador da causa" (simpatizante do candidato), cujas informações são verificadas por um "promotor da fé", chamado familiarmente de "advogado do diabo".
Há dois papas com processos na Congregação das Causas dos Santos, encarregada da tramitação dos processos: João 23, já beatificado, e Pio 12, que é objeto de controvérsias severas por seu silêncio constrangedor diante do genocídio contra os judeus.
É preciso que o próximo papa tenha aquilo que na vida profana se chama de "vontade política" para essa forma de homenagem póstuma a Karol Wojtyla. Em tempo, ao assinar um decreto de canonização o papa é beneficiado pela suspeição de infalibilidade. Ele, pela lei canônica, "não erra".
Nos primeiros quatro séculos de cristianismo os santos foram quase que exclusivamente os mártires. Nos seis séculos seguintes a canonização era atribuição dos bispos, que decidiam com base na popularidade do cristão morto. A historiadora francesa Régine Pernaud tem uma monografia interessantíssima sobre esses santos "aclamados".
Os papas passaram a centralizar os processos a partir do século 12. Davam uma prova de autoridade e trabalhavam em cima de critérios unificados, que na época a lei civil também consagrou após ressurgimento do direito romano.


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