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A MORTE DO PAPA
Emoção em torno do pontífice morto dá a impressão de que a canonização pode ser rápida, mas o mecanismo não é simples
Processo de canonização é demorado
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Fiéis carregavam ainda ontem,
em Roma, faixas com a inscrição
"Karol Wojtyla, santo subito" (canonização imediata), como se a
vontade emocional dos cristãos
batizados pudesse apressar o processo pelo qual João Paulo 2º se
tornaria um dos santos da igreja.
A impressão de que as coisas
são simples foi talvez fornecida
pela quantidade elevada dos decretos de canonização do pontificado encerrado há uma semana.
Foram ao todo 464 santos. Em
termos comparativos, os cinco
primeiros papas eleitos no século
20, de Pio 10º a Paulo 6º, canonizaram, em conjunto, apenas 165.
Ou seja, João Paulo 2º canonizou
2,8 vezes mais que os pontífices
dos 75 anos anteriores.
O papa ontem sepultado também alimentou a percepção de
que uma canonização é um processo quase sumário.
Dois exemplos: Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975), o
fundador do grupo conservador
da Opus Dei, foi canonizado em 6
de outubro de 2002, apenas 27
anos após sua morte; Gianna Beretta Molla (1922-1962), médica
que suspendeu o tratamento contra o câncer que a matou, para
não prejudicar sua gravidez, o foi
em 16 de maio de 2004, ou 42 anos
depois que morreu.
Madre Teresa de Calcutá (1910-1997) foi beatificada -grosso
modo, a primeira etapa para uma
canonização futura- em outubro de 2004. Estava morta havia
apenas sete anos.
Mas não foi essa a norma geral
do pontificado. Segundo relação
do site do Vaticano, João Paulo 2º
também canonizou dois santos
nascidos no século 15, oito nascidos no século 16 e 12, no século 17.
Ficaram muitos séculos na fila.
Segundo a "Enciclopédia Católica", publicação exemplar nas citações da legislação canônica,
uma beatificação exige a instrução de um processo por 20 etapas
sucessivas. Em se tratando de
mártires, que se sacrificaram pela
fé, as etapas caem para seis.
A canonização se dá depois de
milagre comprovado após a beatificação, o que exige a abertura de
novos procedimentos de comprovação, em que a instrução, a
exemplo do que ocorre com a
beatificação, é feita por um "postulador da causa" (simpatizante
do candidato), cujas informações
são verificadas por um "promotor da fé", chamado familiarmente de "advogado do diabo".
Há dois papas com processos na
Congregação das Causas dos Santos, encarregada da tramitação
dos processos: João 23, já beatificado, e Pio 12, que é objeto de
controvérsias severas por seu silêncio constrangedor diante do
genocídio contra os judeus.
É preciso que o próximo papa
tenha aquilo que na vida profana
se chama de "vontade política"
para essa forma de homenagem
póstuma a Karol Wojtyla. Em
tempo, ao assinar um decreto de
canonização o papa é beneficiado
pela suspeição de infalibilidade.
Ele, pela lei canônica, "não erra".
Nos primeiros quatro séculos
de cristianismo os santos foram
quase que exclusivamente os
mártires. Nos seis séculos seguintes a canonização era atribuição
dos bispos, que decidiam com base na popularidade do cristão
morto. A historiadora francesa
Régine Pernaud tem uma monografia interessantíssima sobre esses santos "aclamados".
Os papas passaram a centralizar
os processos a partir do século 12.
Davam uma prova de autoridade
e trabalhavam em cima de critérios unificados, que na época a lei
civil também consagrou após ressurgimento do direito romano.
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