São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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Como preparei o 11 de Setembro

Depoimento de Khalid Sheikh Mohammed a autoridades americanas mostra detalhes do planejamento do 11 de Setembro e qual foi o papel de Osama bin Laden e Zacarias Moussaoui, que está em julgamento nos EUA

DO "LE MONDE"

O jornal "Le Monde" obteve a transcrição do depoimento de Khalid Sheikh Mohammed, considerado o número 3 da rede terrorista Al Qaeda e o idealizador do 11 de Setembro, a autoridades americanas que o interrogaram.
O kuaitiano Mohammed, 40, é mantido em local não revelado pela CIA (serviço de inteligência americano). Aliado próximo de Osama bin Laden, foi preso no início de março de 2003, por autoridades paquistanesas, perto de Islamabad (Paquistão). Entregue à custódia americana, foi levado à base militar de Bagram (Afeganistão). Na época, o presidente George W. Bush chegou a se referir a ele como "o cérebro operacional, o chefe assassino da rede" e "o homem que concebeu os atentados do 11 de Setembro".
Grupos de defesa dos direitos humanos dizem que ele "desapareceu" de Bagram pouco depois e desde então é mantido em local ignorado e submetido a tortura.
Os trechos a seguir foram numerados pelo registro público do tribunal a que foram entregues.
6. Khalid Sheikh Mohammed forneceu informações sobre a preparação de seu projeto de seqüestro de aviões por kamikazes. No decorrer do ano de 1994, ele e Ramzi Youssef [que coordenou o atentado a bomba ao World Trade Center em 1993], Osama Asmurai [também conhecido como Wali Khan] e Abdul Hakim Murad trabalharam no chamado "projeto Bojinka", que consistiria na explosão em pleno vôo de 12 aviões de companhias americanas que estivessem vindo dos EUA ou voando para esse país. O projeto foi abortado em 1995.
Em 1996, Khalid Mohammed viajou ao Afeganistão para convencer Osama bin Laden a lhe dar dinheiro e homens, com o objetivo de seqüestrar dez aviões nos EUA e precipitá-los sobre alvos civis e militares -cinco na costa oeste e cinco na costa leste do país. Num primeiro momento, Bin Laden expressou dúvidas quanto à viabilidade da operação, mas, em março ou abril de 1999, ele mudou de idéia e chamou Khalid Mohammed para ir a Kandahar, no Afeganistão. Bin Laden disse a Khalid Mohammed que passara a considerar o projeto realizável e o informou que, daquele momento em diante, o projeto teria o apoio da Al Qaeda. Bin Laden lhe propôs quatro pessoas que estariam prontas a assumir uma operação suicida: Walid Mohammed Saleh Ba'Attash (codinome "Khallad"), Abu Bara al Yamani, Khaled al Mihdhar e Nawaf al Hazmi. Conquistada a aprovação de Bin Laden para o projeto de seqüestro dos aviões, Khalid Mohammed e outros quadros importantes da Al Qaeda que tinham conhecimento da proposta passaram a referir-se a ela pelo termo "operação dos aviões". Khalid Mohammed estimou que seriam necessários aproximadamente dois anos para preparar e executar o projeto.
7. Khalid Mohammed teve que fazer o primeiro ajuste importante em seu plano em 1999, quando soube que Ba'Attash (codinome "Khallad") e Abu Bara, ambos iemenitas, não poderiam obter vistos americanos. Khalid Mohammed queria que esses executantes participassem da operação, assim como outros iemenitas que integravam a guarda pessoal de Bin Laden, entre eles Al Battar al Yemeni. Khalid Mohammed decidiu, então, dividir a operação em duas partes, para garantir a participação dos iemenitas. A primeira parte dizia respeito aos EUA. Khalid Mohammed decidiu enviar aos EUA um número indeterminado de executantes para seqüestrar aviões de linhas comerciais americanas e precipitá-los contra alvos situados nos EUA.
A partir da metade do ano 1999, Al Mihdhar e Al Hazmi, que já possuíam vistos americanos, foram designados para participar da operação. A segunda parte da operação, concebida como uma versão mais restrita do projeto Bojinka, envolveria os iemenitas: kamikazes seqüestrariam aparelhos de companhias americanas que fizessem vôos de travessia do Pacífico e, em lugar de dirigi-los contra objetivos em terra, os fariam explodir em pleno vôo. Na metade do ano 1999, Ba'Attash e Al Yamani foram designados participantes dessa parte da operação. (...) De qualquer modo, o projeto, nessa fase, era fazer explodir em vôo ou chocar contra alvos em solo, mais ou menos no mesmo momento, aviões seqüestrados sobre os EUA e o sudeste asiático, a fim de maximizar o impacto psicológico dos ataques.
Por volta de abril ou maio de 2000, Bin Laden anulou a parte asiática do plano, afirmando que seria difícil demais sincronizar as partes americana e asiática.
14. Khalid Mohammed declarou que ficou feliz por Bin Laden lhe ter confiado a responsabilidade pela operação de 11 de setembro, já que ele próprio havia proposto a Bin Laden uma operação semelhante quatro anos antes, em 1996, logo após a chegada de Bin Laden a Tora Bora, após sua saída do Sudão. Khalid Mohammed pensava que a operação seria fácil. Foi nesse momento que ele sugeriu que os mujahidin fizessem aulas de pilotagem, para terem condições de seqüestrar aparelhos grandes, Boeings 707-400 ou aviões maiores, e não aviões pequenos. Khalid Mohammed não queria limitar o treinamento militar àquele que era dado no Afeganistão, porque não o considerava bem adaptado. Khalid Mohammed considerava que a simplicidade era a chave do sucesso, não gostava de recorrer a códigos nas mensagens ou nos e-mails de rotina. Ele exigia que seus executantes tivessem um comportamento o mais normal possível, que em suas cartas mantivessem um tom educativo, social ou comercial, e que seus telefonemas fossem sempre de curta duração. Ele delegou a [Mohammed] Atta autoridade suficiente para que este limitasse ao máximo seus contatos com ele e outros líderes da Al Qaeda e para que pudesse tomar as decisões necessárias. Khalid Mohammed proibiu seus executantes de contatar o Paquistão, por qualquer razão que fosse. Chegou-se ao ponto de suprimir de seus passaportes qualquer carimbo ou visto paquistanês. Atta tinha feito um treinamento nessa área e dominava a técnica.
15. Khalid Mohammed declarou que o objetivo dos atentados contra as Torres Gêmeas era "despertar o povo americano". Ele explicou que, se o alvo tivesse sido puramente militar ou governamental, o povo americano não teria tomado consciência das atrocidades que os EUA cometem ao apoiar Israel contra o povo palestino, nem do caráter egoísta da política externa americana, que corrompe os governos árabes e acentua a exploração dos povos árabes e muçulmanos.
17. [Em 1998,] na ocasião da primeira reunião entre Bin Laden e Khalid Mohammed dedicada à seleção dos alvos, os dois trataram dos conceitos operacionais apenas em termos gerais. Khalid Mohammed acredita recordar-se de que Abu Hafs [comandante militar da Al Qaeda], esteve presente a essa reunião. Bin Laden expressou seu desejo de golpear simultaneamente o Pentágono, a Casa Branca e o prédio do Capitólio e acrescentou que tinha pensado em Nawaf al Hazmi e Khaled al Mihdhar para a operação. Ele esperava que Khalid Mohammed pudesse propor outros pilotos originários da região do Golfo Pérsico. Khalid Mohammed precisou que, naquela etapa, o grupo de Mohammed Atta ainda não tinha sido designado.
18. De acordo com Khalid Mohammed, uma vez Atta designado como um dos futuros executantes, Bin Laden organizou uma nova reunião em Kandahar para determinar quais seriam os alvos. Bin Laden, Atta, Abu Hafs e Khalid Mohammed estavam presentes. Este último explicou que, naquele momento, o quarto piloto, Hani Hanjour, ainda não tinha sido designado. O grupo trabalhou, portanto, com a idéia de que seriam visados apenas três alvos, e Bin Laden indicou que gostaria de atingir um alvo militar, um alvo político e um alvo econômico. Graças a sua colaboração com Ramzi Youssef no início dos anos 1990, Khalid Mohammed já tinha pensado em vários alvos possíveis, de modo que, nessa reunião, foram discutidos dezenas de alvos possíveis, entre os quais o World Trade Center, uma usina nuclear, o Empire State, uma embaixada estrangeira em Washington e os quartéis-generais da CIA e do FBI. Embora o grupo pensasse que seria igualmente interessante atingir um local com grande população judaica, nenhum alvo preciso foi mencionado. De maneira geral, Khalid Mohammed declara que eles consideravam os grandes edifícios como sendo especialmente vulneráveis a um ataque.
19. Antes de Khalid Mohammed deixar o Afeganistão, Bin Laden lhe entregou uma lista de objetivos que, em seguida, Khalid Mohammed transmitiu a Atta. Este então redigiu uma lista de alvos preliminares. Bin Laden informou a Atta que ele deveria atacar as duas torres do World Trade Center, o Pentágono e o Capitólio, mas deixou a Atta o encargo de escolher entre outros alvos, que incluíam a Casa Branca, a torre da Sears (em Chicago) e uma embaixada estrangeira em Washington. Após a conversa, Atta usou um programa de informática para localizar uma central nuclear na Pensilvânia, que Bin Laden concordou em acrescentar à lista.
39. Os detalhes da operação de 11 de setembro foram rigidamente compartimentados, e apenas Khalid Mohammed, Bin Laden, Abu Hafs e alguns integrantes dos futuros comandos tinham conhecimento dos alvos, do cronograma, da identidade dos executantes e do modo de operação dos ataques. Vários altos responsáveis e quadros simples da Al Qaeda sabiam que Khalid Mohammed estava preparando a partida de executantes para os EUA, o que levou alguns deles a compreender que a Al Qaeda planejava um ataque a curto prazo em território americano, mas nenhum estava a par dos alvos precisos, nem do método previsto. Pelo fato de ter se interessado especialmente pelo treinamento e as viagens empreendidas pelos executantes, Sayf al Adel [chefe de segurança de Bin Laden] teria estado melhor posicionado para tomar conhecimento de certos detalhes do projeto, mas ele não recebeu nenhuma informação antes da operação.
41. Em certo momento do treinamento de Atta, Bin Laden decidiu que este seria o "emir" dos kamikazes nos EUA, tendo Al Hazmi como adjunto. Num primeiro momento, Bin Laden e Abu Hafs tinham pensado em designar Ramzi Binalshibh como "emir", porque ele havia dirigido a "célula alemã", quando este chegou no Afeganistão, e também porque Binalshibh parecia possuir qualidades de liderança e tinha vínculos com organizações islâmicas não identificadas no Oriente Médio e na Europa. Khalid Mohammed afirma que não teve qualquer participação na designação de Atta como "emir". Khalid Mohammed conservou de Atta a recordação de um agente de valor. Atta tinha se familiarizado muito com o Ocidente, trabalhava duro e aprendia com rapidez.
51. Nenhum outro membro da Al Qaeda participou da decisão de usar aviões para atacar os EUA, nem da seleção inicial de alvos. Todas as outras pessoas envolvidas só foram postas a par do plano quando pessoalmente implicadas na conspiração. Assim, os pilotos só tiveram conhecimento dos detalhes dos ataques depois de concordarem em participar.
52. Excetuando os pilotos, nenhum dos homens selecionados para a operação foi diretamente informado sobre o método de ataque, nem sobre os alvos.
53. A decisão final de atacar tal alvo com tal avião foi deixada a cargo dos pilotos. Foi durante um encontro na Espanha, em julho de 2001, que Atta informou a Binalshibh sobre os alvos escolhidos, e depois disso Binalshibh transmitiu a informação a Khalid Mohammed. A divisão final dos alvos entre os pilotos foi feita por Atta, [Marwan al] Shehhi, Hanjour, [Ziad] Jarrah e Al Hazmi.
54. Foi também através de Binalshibh que Khalid Mohammed ficou sabendo que, no final de agosto, Atta havia concluído a seleção dos alvos e feito sua repartição entre os pilotos. Foi apenas nesse momento que os outros membros dos comandos foram informados dos objetivos e do plano operacional conjunto.
63. No final de agosto, quando os últimos detalhes da operação teriam sido concluídos, Bin Laden anunciou à shura [conselho] da Al Qaeda que um grande ataque contra interesses americanos teria lugar nas semanas seguintes, sem fornecer outros detalhes.
64. Durante o verão, Bin Laden fez várias observações que incluíam alusões vagas a um ataque iminente, o que suscitou rumores na comunidade jihadista mundial. Bin Laden anunciou a visitantes importantes que deveriam esperar um ataque próximo contra americanos, e, durante um discurso pronunciado no campo Al Faruq, pediu aos jovens recrutas que orassem pelo sucesso de uma grande operação que envolveria 20 mártires. Khalid Mohammed e Abu Hafs se inquietaram com essa falta de discrição e pressionaram Bin Laden a deixar de fazer alusões públicas à operação.
65. Em três momentos, Khalid Mohammed resistiu à insistência de Bin Laden, que pressionava para lançar a operação antes do previsto. A primeira vez foi na primavera de 2000, pouco após a chegada aos EUA de Atta, dos outros pilotos e de seus comparsas. (...) Em 2001, Bin Laden voltou a insistir junto a Khalid Mohammed, em duas ocasiões, para adiantar os ataques. Bin Laden queria que fossem em 12 de maio de 2001, ou seja, exatamente sete meses após o atentado contra o navio USS Cole no Iêmen. A segunda vez foi em junho ou julho de 2001, porque Bin Laden soubera pela imprensa que o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, deveria comparecer à Casa Branca naquele momento. Nos dois casos, Khalid Mohammed conseguiu resistir à pressão de Bin Laden dizendo que a equipe não estava pronta.
79. Khalid Mohammed declarou que [Zacarias] Moussaoui [atualmente em julgamento nos EUA] foi recrutado para tomar parte de uma "segunda onda" de ataques prevista para suceder à de 11 de setembro. Para essa segunda onda, ele previra usar executantes de origem européia ou do sudeste asiático, porque achava que eles seriam capazes de operar mais facilmente no contexto das medidas de segurança que, imaginava, seriam reforçadas após os ataques de 11 de setembro, em particular no que dizia respeito às pessoas originárias do Oriente Médio. Foi por essa razão que Khalid Mohammed utilizou apenas indivíduos originários dessa região na primeira onda e reservou Moussaoui para a segunda, em razão de sua cidadania francesa. Khalid Mohammed precisou que a segunda onda não estava inteiramente planejada ou pronta para ser executada, mas que estava "aguardando em segundo plano". Khalid Mohammed não imaginava que as conseqüências da primeira onda de ataques seriam tão catastróficas quanto foram, nem havia previsto que os EUA reagiriam com virulência tão grande.
109. Khalid Mohammed declara que, do ponto de vista operacional, não convém falar com outras pessoas sobre a tática escolhida ou os objetivos (...). Khalid Mohammed deu como exemplo a vantagem operacional evidente representada por Moussaoui ignorar o objetivo definitivo de sua missão e a identidade das pessoas que deveriam participar dela.


Tradução de Clara Allain

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