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Como preparei o 11 de Setembro
Depoimento de Khalid Sheikh Mohammed a autoridades americanas
mostra detalhes do planejamento do 11 de Setembro e qual foi o papel de
Osama bin Laden e Zacarias Moussaoui, que está em julgamento nos EUA
DO "LE MONDE"
O jornal "Le Monde" obteve a
transcrição do depoimento de
Khalid Sheikh Mohammed, considerado o número 3 da rede terrorista Al Qaeda e o idealizador
do 11 de Setembro, a autoridades
americanas que o interrogaram.
O kuaitiano Mohammed, 40, é
mantido em local não revelado
pela CIA (serviço de inteligência
americano). Aliado próximo de
Osama bin Laden, foi preso no
início de março de 2003, por autoridades paquistanesas, perto de
Islamabad (Paquistão). Entregue
à custódia americana, foi levado à
base militar de Bagram (Afeganistão). Na época, o presidente George W. Bush chegou a se referir a
ele como "o cérebro operacional,
o chefe assassino da rede" e "o homem que concebeu os atentados
do 11 de Setembro".
Grupos de defesa dos direitos
humanos dizem que ele "desapareceu" de Bagram pouco depois e
desde então é mantido em local
ignorado e submetido a tortura.
Os trechos a seguir foram numerados pelo registro público do
tribunal a que foram entregues.
6. Khalid Sheikh Mohammed
forneceu informações sobre a
preparação de seu projeto de seqüestro de aviões por kamikazes.
No decorrer do ano de 1994, ele e
Ramzi Youssef [que coordenou o
atentado a bomba ao World Trade Center em 1993], Osama Asmurai [também conhecido como
Wali Khan] e Abdul Hakim Murad trabalharam no chamado
"projeto Bojinka", que consistiria
na explosão em pleno vôo de 12
aviões de companhias americanas que estivessem vindo dos
EUA ou voando para esse país. O
projeto foi abortado em 1995.
Em 1996, Khalid Mohammed
viajou ao Afeganistão para convencer Osama bin Laden a lhe dar
dinheiro e homens, com o objetivo de seqüestrar dez aviões nos
EUA e precipitá-los sobre alvos
civis e militares -cinco na costa
oeste e cinco na costa leste do país.
Num primeiro momento, Bin Laden expressou dúvidas quanto à
viabilidade da operação, mas, em
março ou abril de 1999, ele mudou de idéia e chamou Khalid
Mohammed para ir a Kandahar,
no Afeganistão. Bin Laden disse a
Khalid Mohammed que passara a
considerar o projeto realizável e o
informou que, daquele momento
em diante, o projeto teria o apoio
da Al Qaeda. Bin Laden lhe propôs quatro pessoas que estariam
prontas a assumir uma operação
suicida: Walid Mohammed Saleh
Ba'Attash (codinome "Khallad"),
Abu Bara al Yamani, Khaled al
Mihdhar e Nawaf al Hazmi. Conquistada a aprovação de Bin Laden para o projeto de seqüestro
dos aviões, Khalid Mohammed e
outros quadros importantes da Al
Qaeda que tinham conhecimento
da proposta passaram a referir-se
a ela pelo termo "operação dos
aviões". Khalid Mohammed estimou que seriam necessários
aproximadamente dois anos para
preparar e executar o projeto.
7. Khalid Mohammed teve que
fazer o primeiro ajuste importante em seu plano em 1999, quando
soube que Ba'Attash (codinome
"Khallad") e Abu Bara, ambos iemenitas, não poderiam obter vistos americanos. Khalid Mohammed queria que esses executantes
participassem da operação, assim
como outros iemenitas que integravam a guarda pessoal de Bin
Laden, entre eles Al Battar al Yemeni. Khalid Mohammed decidiu, então, dividir a operação em
duas partes, para garantir a participação dos iemenitas. A primeira
parte dizia respeito aos EUA.
Khalid Mohammed decidiu enviar aos EUA um número indeterminado de executantes para seqüestrar aviões de linhas comerciais americanas e precipitá-los
contra alvos situados nos EUA.
A partir da metade do ano 1999,
Al Mihdhar e Al Hazmi, que já
possuíam vistos americanos, foram designados para participar
da operação. A segunda parte da
operação, concebida como uma
versão mais restrita do projeto
Bojinka, envolveria os iemenitas:
kamikazes seqüestrariam aparelhos de companhias americanas
que fizessem vôos de travessia do
Pacífico e, em lugar de dirigi-los
contra objetivos em terra, os fariam explodir em pleno vôo. Na
metade do ano 1999, Ba'Attash e
Al Yamani foram designados participantes dessa parte da operação. (...) De qualquer modo, o
projeto, nessa fase, era fazer explodir em vôo ou chocar contra
alvos em solo, mais ou menos no
mesmo momento, aviões seqüestrados sobre os EUA e o sudeste
asiático, a fim de maximizar o impacto psicológico dos ataques.
Por volta de abril ou maio de
2000, Bin Laden anulou a parte
asiática do plano, afirmando que
seria difícil demais sincronizar as
partes americana e asiática.
14. Khalid Mohammed declarou que ficou feliz por Bin Laden
lhe ter confiado a responsabilidade pela operação de 11 de setembro, já que ele próprio havia proposto a Bin Laden uma operação
semelhante quatro anos antes, em
1996, logo após a chegada de Bin
Laden a Tora Bora, após sua saída
do Sudão. Khalid Mohammed
pensava que a operação seria fácil.
Foi nesse momento que ele sugeriu que os mujahidin fizessem aulas de pilotagem, para terem condições de seqüestrar aparelhos
grandes, Boeings 707-400 ou
aviões maiores, e não aviões pequenos. Khalid Mohammed não
queria limitar o treinamento militar àquele que era dado no Afeganistão, porque não o considerava
bem adaptado. Khalid Mohammed considerava que a simplicidade era a chave do sucesso, não
gostava de recorrer a códigos nas
mensagens ou nos e-mails de rotina. Ele exigia que seus executantes tivessem um comportamento
o mais normal possível, que em
suas cartas mantivessem um tom
educativo, social ou comercial, e
que seus telefonemas fossem
sempre de curta duração. Ele delegou a [Mohammed] Atta autoridade suficiente para que este limitasse ao máximo seus contatos
com ele e outros líderes da Al
Qaeda e para que pudesse tomar
as decisões necessárias. Khalid
Mohammed proibiu seus executantes de contatar o Paquistão,
por qualquer razão que fosse.
Chegou-se ao ponto de suprimir
de seus passaportes qualquer carimbo ou visto paquistanês. Atta
tinha feito um treinamento nessa
área e dominava a técnica.
15. Khalid Mohammed declarou que o objetivo dos atentados
contra as Torres Gêmeas era "despertar o povo americano". Ele explicou que, se o alvo tivesse sido
puramente militar ou governamental, o povo americano não teria tomado consciência das atrocidades que os EUA cometem ao
apoiar Israel contra o povo palestino, nem do caráter egoísta da
política externa americana, que
corrompe os governos árabes e
acentua a exploração dos povos
árabes e muçulmanos.
17. [Em 1998,] na ocasião da primeira reunião entre Bin Laden e
Khalid Mohammed dedicada à
seleção dos alvos, os dois trataram
dos conceitos operacionais apenas em termos gerais. Khalid Mohammed acredita recordar-se de
que Abu Hafs [comandante militar da Al Qaeda], esteve presente a
essa reunião. Bin Laden expressou seu desejo de golpear simultaneamente o Pentágono, a Casa
Branca e o prédio do Capitólio e
acrescentou que tinha pensado
em Nawaf al Hazmi e Khaled al
Mihdhar para a operação. Ele esperava que Khalid Mohammed
pudesse propor outros pilotos
originários da região do Golfo
Pérsico. Khalid Mohammed precisou que, naquela etapa, o grupo
de Mohammed Atta ainda não tinha sido designado.
18. De acordo com Khalid Mohammed, uma vez Atta designado como um dos futuros executantes, Bin Laden organizou uma
nova reunião em Kandahar para
determinar quais seriam os alvos.
Bin Laden, Atta, Abu Hafs e Khalid Mohammed estavam presentes. Este último explicou que, naquele momento, o quarto piloto,
Hani Hanjour, ainda não tinha sido designado. O grupo trabalhou,
portanto, com a idéia de que seriam visados apenas três alvos, e
Bin Laden indicou que gostaria de
atingir um alvo militar, um alvo
político e um alvo econômico.
Graças a sua colaboração com
Ramzi Youssef no início dos anos
1990, Khalid Mohammed já tinha
pensado em vários alvos possíveis, de modo que, nessa reunião,
foram discutidos dezenas de alvos
possíveis, entre os quais o World
Trade Center, uma usina nuclear,
o Empire State, uma embaixada
estrangeira em Washington e os
quartéis-generais da CIA e do FBI.
Embora o grupo pensasse que seria igualmente interessante atingir um local com grande população judaica, nenhum alvo preciso
foi mencionado. De maneira geral, Khalid Mohammed declara
que eles consideravam os grandes
edifícios como sendo especialmente vulneráveis a um ataque.
19. Antes de Khalid Mohammed
deixar o Afeganistão, Bin Laden
lhe entregou uma lista de objetivos que, em seguida, Khalid Mohammed transmitiu a Atta. Este
então redigiu uma lista de alvos
preliminares. Bin Laden informou a Atta que ele deveria atacar
as duas torres do World Trade
Center, o Pentágono e o Capitólio,
mas deixou a Atta o encargo de
escolher entre outros alvos, que
incluíam a Casa Branca, a torre da
Sears (em Chicago) e uma embaixada estrangeira em Washington.
Após a conversa, Atta usou um
programa de informática para localizar uma central nuclear na
Pensilvânia, que Bin Laden concordou em acrescentar à lista.
39. Os detalhes da operação de
11 de setembro foram rigidamente compartimentados, e apenas
Khalid Mohammed, Bin Laden,
Abu Hafs e alguns integrantes dos
futuros comandos tinham conhecimento dos alvos, do cronograma, da identidade dos executantes e do modo de operação dos
ataques. Vários altos responsáveis
e quadros simples da Al Qaeda sabiam que Khalid Mohammed estava preparando a partida de executantes para os EUA, o que levou
alguns deles a compreender que a
Al Qaeda planejava um ataque a
curto prazo em território americano, mas nenhum estava a par
dos alvos precisos, nem do método previsto. Pelo fato de ter se interessado especialmente pelo treinamento e as viagens empreendidas pelos executantes, Sayf al Adel
[chefe de segurança de Bin Laden] teria estado melhor posicionado para tomar conhecimento
de certos detalhes do projeto, mas
ele não recebeu nenhuma informação antes da operação.
41. Em certo momento do treinamento de Atta, Bin Laden decidiu que este seria o "emir" dos kamikazes nos EUA, tendo Al Hazmi como adjunto. Num primeiro
momento, Bin Laden e Abu Hafs
tinham pensado em designar
Ramzi Binalshibh como "emir",
porque ele havia dirigido a "célula
alemã", quando este chegou no
Afeganistão, e também porque
Binalshibh parecia possuir qualidades de liderança e tinha vínculos com organizações islâmicas
não identificadas no Oriente Médio e na Europa. Khalid Mohammed afirma que não teve qualquer participação na designação
de Atta como "emir". Khalid Mohammed conservou de Atta a recordação de um agente de valor.
Atta tinha se familiarizado muito
com o Ocidente, trabalhava duro
e aprendia com rapidez.
51. Nenhum outro membro da
Al Qaeda participou da decisão de
usar aviões para atacar os EUA,
nem da seleção inicial de alvos.
Todas as outras pessoas envolvidas só foram postas a par do plano quando pessoalmente implicadas na conspiração. Assim, os
pilotos só tiveram conhecimento
dos detalhes dos ataques depois
de concordarem em participar.
52. Excetuando os pilotos, nenhum dos homens selecionados
para a operação foi diretamente
informado sobre o método de
ataque, nem sobre os alvos.
53. A decisão final de atacar tal
alvo com tal avião foi deixada a
cargo dos pilotos. Foi durante um
encontro na Espanha, em julho de
2001, que Atta informou a Binalshibh sobre os alvos escolhidos, e
depois disso Binalshibh transmitiu a informação a Khalid Mohammed. A divisão final dos alvos
entre os pilotos foi feita por Atta,
[Marwan al] Shehhi, Hanjour,
[Ziad] Jarrah e Al Hazmi.
54. Foi também através de Binalshibh que Khalid Mohammed
ficou sabendo que, no final de
agosto, Atta havia concluído a seleção dos alvos e feito sua repartição entre os pilotos. Foi apenas
nesse momento que os outros
membros dos comandos foram
informados dos objetivos e do
plano operacional conjunto.
63. No final de agosto, quando
os últimos detalhes da operação
teriam sido concluídos, Bin Laden
anunciou à shura [conselho] da
Al Qaeda que um grande ataque
contra interesses americanos teria
lugar nas semanas seguintes, sem
fornecer outros detalhes.
64. Durante o verão, Bin Laden
fez várias observações que incluíam alusões vagas a um ataque
iminente, o que suscitou rumores
na comunidade jihadista mundial. Bin Laden anunciou a visitantes importantes que deveriam
esperar um ataque próximo contra americanos, e, durante um
discurso pronunciado no campo
Al Faruq, pediu aos jovens recrutas que orassem pelo sucesso de
uma grande operação que envolveria 20 mártires. Khalid Mohammed e Abu Hafs se inquietaram
com essa falta de discrição e pressionaram Bin Laden a deixar de
fazer alusões públicas à operação.
65. Em três momentos, Khalid
Mohammed resistiu à insistência
de Bin Laden, que pressionava para lançar a operação antes do previsto. A primeira vez foi na primavera de 2000, pouco após a chegada aos EUA de Atta, dos outros pilotos e de seus comparsas. (...) Em
2001, Bin Laden voltou a insistir
junto a Khalid Mohammed, em
duas ocasiões, para adiantar os
ataques. Bin Laden queria que
fossem em 12 de maio de 2001, ou
seja, exatamente sete meses após
o atentado contra o navio USS
Cole no Iêmen. A segunda vez foi
em junho ou julho de 2001, porque Bin Laden soubera pela imprensa que o primeiro-ministro
israelense, Ariel Sharon, deveria
comparecer à Casa Branca naquele momento. Nos dois casos, Khalid Mohammed conseguiu resistir
à pressão de Bin Laden dizendo
que a equipe não estava pronta.
79. Khalid Mohammed declarou que [Zacarias] Moussaoui
[atualmente em julgamento nos
EUA] foi recrutado para tomar
parte de uma "segunda onda" de
ataques prevista para suceder à de
11 de setembro. Para essa segunda
onda, ele previra usar executantes
de origem européia ou do sudeste
asiático, porque achava que eles
seriam capazes de operar mais facilmente no contexto das medidas
de segurança que, imaginava, seriam reforçadas após os ataques
de 11 de setembro, em particular
no que dizia respeito às pessoas
originárias do Oriente Médio. Foi
por essa razão que Khalid Mohammed utilizou apenas indivíduos originários dessa região na
primeira onda e reservou Moussaoui para a segunda, em razão de
sua cidadania francesa. Khalid
Mohammed precisou que a segunda onda não estava inteiramente planejada ou pronta para
ser executada, mas que estava
"aguardando em segundo plano".
Khalid Mohammed não imaginava que as conseqüências da primeira onda de ataques seriam tão
catastróficas quanto foram, nem
havia previsto que os EUA reagiriam com virulência tão grande.
109. Khalid Mohammed declara
que, do ponto de vista operacional, não convém falar com outras
pessoas sobre a tática escolhida
ou os objetivos (...). Khalid Mohammed deu como exemplo a
vantagem operacional evidente
representada por Moussaoui ignorar o objetivo definitivo de sua
missão e a identidade das pessoas
que deveriam participar dela.
Tradução de Clara Allain
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