São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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EUROPA

Debate superficial faz de eleição um quase plebiscito sobre o premiê, que encarna o poder como nenhum italiano desde Mussolini

Itália decide hoje se Berlusconi sai ou fica

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há cinco anos, Silvio Berlusconi abriu dez pontos de vantagem sobre os adversários de centro-esquerda com uma proposta essencialmente gerencial: levar para o Estado sua experiência de empresário bem-sucedido e recolocar a Itália no eixo de prosperidade.
Não funcionou. Seu insucesso justifica em grande parte a posição desvantajosa em que o líder da Força Itália tenta, na votação que se estende hoje e amanhã, ser reconduzido à chefia do governo.
Em dois dos três últimos anos, o crescimento econômico foi próximo a zero. O desemprego é de 7,5%. A indústria perdeu competitividade. Após o euro, não era mais possível desvalorizar a lira para atrair o mercado europeu.
Berlusconi não é diretamente responsável pela crise na Parmalat e na Fiat, ou pela concorrência chinesa em países aos quais a Itália exportava com avidez. Mas ele não pôde entregar o prometido. A dívida pública é maior que o PIB. O déficit fiscal supera 4%. A performance do gerente foi sofrível.
Sem resultados concretos para exibir, Berlusconi fez uma campanha quase histriônica. Sabia que o eleitorado italiano votaria hoje como se fosse um plebiscito sobre sua permanência.
A excessiva concentração da imagem política num único personagem é inédita na história italiana do pós-Guerra. O parlamentarismo sempre "esfriou" as paixões. Os partidos eram grandes coletivos. Os premiês tinham mandatos efêmeros. Ninguém, após o fascismo, havia personificado o poder com tal intensidade.
Berlusconi representa maravilhosamente seu próprio papel. Suas emissoras de TV e o controle que ele impôs à rede pública da RAI amplificaram esse grau de exposição aos italianos.
No domingo passado um texto da agência Reuters dizia: "Encontrar o premiê Silvio Berlusconi é amá-lo. Ele tem um raro magnetismo que atrai as pessoas e um poderoso carisma que cativa quem cai em sua rede". O jornalista quase se assumia enfeitiçado.
Uma característica de qualquer governante "apaixonante" está no irrealismo das propostas. Berlusconi, no debate com seu adversário de centro-esquerda, Romano Prodi, na última segunda, prometeu acabar com o ICI (equivalente ao IPTU brasileiro). O problema, aí, seria compensar a sangria orçamentária. Resposta do premiê: combatendo a sonegação fiscal.
Mas surge com isso um segundo problema. A sonegação é sobretudo praticada pela economia informal. Ninguém conseguiria "formalizar" essa parcela da produção que, segundo o Istat (serviço de censo e estatísticas) representa 16% da economia italiana.
Pois eis que Berlusconi se lança contra o Istat, alegando que as informações sobre estagnação econômica não levam em conta o dinamismo das atividades informais. O instituto respondeu que a economia informal entrava, sim, nos cálculos da oscilação do PIB.
A controvérsia morreu aí, sem prejuízo em votos para o premiê.
Os convertidos ao berlusconismo também aceitam a idéia, que o próprio premiê reitera com freqüência, de que ele não se encaixa nas acusações de corrupção, e que tudo não passa de perseguição caluniosa de juízes e promotores a serviço dos partidos de esquerda.
Um levantamento da France Presse indica que correm contra ele oito processos e duas investigações judiciais. Três sentenças em primeira instância, entre 1997 e 1998, o condenaram a seis anos e cinco meses de prisão, por corrupção, maquiagem de balanços financeiros e caixa dois.
Não há estudo quantitativo do efeito do imbróglio na erosão de sua popularidade. Mas muitos crêem ser um grande fator.
Os que não votariam em Berlusconi de maneira alguma levam também em conta as forças políticas ao seu lado, que vão, em meio a 15 partidos, dos xenofóbicos da Liga Lombarda aos neofascistas da Força Nova, da Frente Social Nacional e da Ação Social, esta última dirigida por Alessandra Mussolini, neta do ditador.
No campo oposto, no bloco de centro-esquerda, há entre os 17 partidos duas forças de extrema esquerda. Mas a coalizão, dizem seus partidários, tem um perfil ideológico diluído. Há os verdes, há ex-democrata-cristãos, há o Partido da Esquerda Democrática, que é o antigo Partido Comunista Italiano, reconvertido há 30 anos à social democracia.
Nesse bloco, no entanto, o grande trunfo está no insosso Romano Prodi, que, confirmadas as pesquisas, seria novamente premiê. É um economista discreto, introvertido e lacônico, um anti-Berlusconi em muitos sentidos.
Chamado de "il Professore" -ele lecionou em Bolonha, Harvard e Stanford-, é obcecado por Berlusconi. Ele o derrotou em 1996 e, nos cinco anos em que foi presidente da Comissão Européia, em Bruxelas, gastava parte de seu tempo para monitorar o desempenho do adversário.
O problema é saber se Prodi teria condições de virar a Itália pelo avesso. A revista "The Economist" diz que a situação econômica do país é estruturalmente grave para terapias de curto e médio prazo. Também prevê a dificuldade de Prodi em administrar uma maioria estreita. E aponta a ausência em sua plataforma de reformas estruturais ambiciosas.


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