São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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ARTIGO

A esquerda precisa oferecer alternativa

LIONEL JOSPIN
PARA O "LE MONDE"

O prolongado conflito provocado pelo contrato do primeiro emprego (CPE) não é senão o sinal mais recente de uma crise persistente que a França precisa desfazer para reencontrar o equilíbrio.
O CPE é emblemático da maneira de pensar e de agir de nossos governantes atuais. É um projeto mal concebido, mal conduzido e que pode ser mal concluído.
Mal concebido, pois a ação para o emprego dos jovens, mesmo útil, como no passado foi o sistema "empregos para jovens", não pode reduzir-se a um dispositivo específico. Ela deve inscrever-se numa política econômica e social global de criação de empregos, que, para ter sucesso, precisa ser equilibrada e, portanto, equitativa. Mal concebido, pois seria previsível que os jovens rejeitariam um contrato cujo princípio é arbitrário. Quanto aos assalariados, eles entenderam do seguinte modo a lógica do poder: após o direito de demitir sem justa causa por dois anos, concedido às empresas com menos de 20 empregados, depois a toda empresa para os empregados com menos de 26 anos (no CPE), viria o direito de demitir sem justa causa todo empregado em qualquer empresa.
Mal conduzido, pois o governo se encerrou numa dupla prova de força. Uma prova social, que o levou a excluir qualquer negociação ou consulta com os sindicatos, desprezando uma lei que ele próprio quis instaurar. E outra política, pois recorreu à Constituição para anular as críticas ao CPE expressas no Parlamento. Então, uma vez constatado o bloqueio, o governo em nenhum momento aproveitou as oportunidades oferecidas para buscar uma saída negociada. Ele aventou a idéia de que o movimento estaria sendo aproveitado para outros fins. Tomou sua obstinação por autoridade. Enganou-se.
Esse projeto será mal concluído? É uma hipótese que não pode ser excluída. De fato, o presidente não escolheu o caminho simples de rescisão do CPE. Ele promulgou o texto que incluía o CPE, em nome do respeito à lei. Ao mesmo tempo, declarou a lei caduca, ordenando ao governo e aos donos de empresas que não a apliquem e pedindo ao Parlamento outra lei. Os franceses estão perplexos.
Hoje, temos dificuldade em identificar quem, nas esferas do poder, tem a responsabilidade de buscar a saída ao impasse, se o presidente, que alterna silêncios com chamados à ordem, o primeiro-ministro, obrigado a renunciar a seu projeto, o ministro do Interior, que põe em cena sua suposta tomada do comando, ou a maioria parlamentar, que tem como tarefa incerta modificar a CPE, desnaturando-o.
O movimento de protesto continua poderoso, os jovens confirmam sua determinação, e os distúrbios tomaram conta do país: tudo indica ao Parlamento onde está a via da razão. A maioria não deve trapacear nem ceder à ilusão de procurar impor algum ardil -deve pôr fim ao conflito. Como projeto, o CPE já está morto. Ele estará morto, naturalmente, se for revogado, como pedem os responsáveis pelo movimento e como propõem os socialistas. O poder precisa ter a sabedoria de pôr fim inequívoco e claro a um projeto que não tem futuro. É essa sua responsabilidade.
Por que essa revolta da juventude, após a explosão dos subúrbios? Por que o não ao referendo de 2005, após a sanção sem apelação das eleições regionais e européias em 2004? Por que essa morosidade dos franceses, que se transforma em cólera?
É sem dúvida porque o período político inaugurado com a última eleição presidencial nunca encontrou seu sentido. Após um primeiro turno disperso e um segundo turno unido contra a extrema direita, o poder nunca respeitou o voto singular que o instituiu. Ele não disse "sou responsável, tenho contas a prestar". Pensou: "para que se dar ao trabalho?"
Um exercício do poder menos sectário, a adoção de gestos de consideração com relação aos eleitores da esquerda, uma política econômica e social menos propositalmente antiigualitária, teriam conferido mais equilíbrio e, possivelmente, um sentido a esse mandato cujo início foi tão estranho. O poder aplicou projetos que não haviam sido verdadeiramente arbitrados pela população. Se tivesse sido eficaz, essa política talvez pudesse ter sido suportada. Mas ela freou o crescimento e o emprego, aprofundou os déficits, aumentou as tensões sociais, desmoralizou e isolou a França.
A esquerda não é responsável pela política do poder, mas a tornou possível e será culpada se permitir que se perpetue. A esquerda se vê diante da pergunta crucial: vai deixar a direita suceder a ela própria, com conseqüências ainda mais nocivas para o país?
A França precisa de uma política justa, uma autoridade respeitada, uma mudança conduzida com calma, confiança e esperança. Cabe à esquerda oferecer isso ao país. Pois de que servirá denunciar uma política, apoiar os movimentos que opõem resistência a ela e refletir sobre propostas diferentes, se a esquerda não se unir para oferecer uma alternativa?


Lionel Jospin foi primeiro-ministro da França de 1997 a 2002.
Tradução de Clara Allain


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