São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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GIGANTE DESIGUAL

Atrás de mão-de-obra barata, cidades ignoram lei e aceitam empregar camponeses sem documentação

Migrantes chineses ilegais são tolerados

DE PEQUIM

O êxodo rural é dificultado na China pelo sistema que exige o registro dos moradores de cada lugar nos órgãos de segurança pública locais. Cada habitante tem sua carteira de residente, que lhe permite matricular os filhos na escola e ter acesso aos serviços.
Até o ano passado, a polícia tinha o poder de prender pessoas que se encontrassem em uma cidade sem autorização de residência. No fim do ano, a regra foi revogada. Além disso, os governos locais adotam uma atitude cada vez mais tolerante em relação aos imigrantes, em razão da necessidade de mão-de-obra barata nas centenas de obras nas cidades.
Wang Chunguan, sociólogo da Academia Chinesa de Ciências Sociais, estima que cerca de 100 milhões de chineses do campo conseguiram furar o bloqueio do cartão de residência.
Em conseqüência do relaxamento na fiscalização, é cada vez maior o número de mendigos nas grandes capitais -ainda que em quantidade bem inferior ao que se vê nas capitais brasileiras. Até para os que dependem da caridade, a situação na cidade parece ser melhor. "Se as pessoas têm mais dinheiro, eu também posso ganhar mais dinheiro", afirma Cao Jia Chun, tocador do clássico instrumento de cordas er hu.
Cao declara-se comunista e não considera um problema o enriquecimento de uma parte reduzida da população. O mesmo raciocínio é feito por Liu Changhui, 37, outra chinesa que trocou o campo por Pequim, há três anos. Todas as semanas, Liu volta à sua cidade natal, na Província de Shangdong, em busca de alho para vender em feira da capital. Por mês, diz que vende cerca de 5.000 quilos.
"Saí da minha cidade porque faltava dinheiro." Casada e com dois filhos, Liu diz ganhar o suficiente para sustentar os filhos e pagar o aluguel do ponto na feira (mil yuan ou R$ 340) e o da casa.
Chen Huixin, 42, não teve a mesma sorte. Chen deixou sua vila na Província de Henan com outras 20 pessoas para trabalhar na construção civil de Pequim. Dois meses depois, diz que foi enganado pelo patrão: ganha apenas 120 yuan (R$ 40) por mês, menos do que lhe havia sido proposto. Para sobreviver, Chen recolhe entulho pela cidade e o revende nas ruas.
"A vida das pessoas da cidade melhorou muito, mas no campo as coisas continuam iguais", afirma Chen. Apesar disso, ele pretende voltar para sua vila, onde deixou a mulher e três filhos.
Cao, o músico, afirma que a China continua a ser comunista, apesar do aumento da desigualdade social. E toca "O Oriente Vermelho", que homenageia Mao Tsé-tung. (CLÁUDIA TREVISAN)


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