|
Próximo Texto | Índice
"Novo Trabalhismo" deixa legado dúbio
Em 13 anos no poder, partido melhora indicadores sociais britânicos mas não logra se desvincular de responsabilidade por crise
Ideólogo do movimento, premiê Gordon Brown passa a ser chamado de "sem-teto" e "cadáver ambulante" pela mídia após derrota eleitoral
Stefan Wermuth - 7.mai.2010/Reuters
|
|
O premiê britânico Gordon Brown faz discurso em frente ao número 10 da Downing Street, após derrota nas eleições de quinta
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
A Terceira Via, quem diria,
terminou com um líder transformado em sem-teto, ao menos na manchete de ontem do
tabloide "The Sun", o jornal
mais vendido do Reino Unido
(3 milhões de exemplares).
O jornal, que foi tradicionalmente conservador, mas aderiu
ao "Novo Trabalhismo" (também chamado de Terceira Via),
ao ganhar a eleição de 1997, foi
particularmente cruel com
Gordon Brown, o premiê britânico, um dos ideólogos, aliás, da
Terceira Via: disse que ele se
transformara em um "squatter" entrincheirado no número
10 de Downing Street, a residência e escritório dos governantes britânicos.
"Squatter" é ocupante ilegal
de um imóvel, o que Brown não
é, formalmente. Tem o direito
constitucional de permanecer
premiê, no caso de a eleição não
produzir maioria absoluta para
algum outro partido, até que ela
se forme de alguma maneira.
A maldade do tabloide, que
neste ano apoiou os conservadores, é acompanhada pelos
jornais mais sérios.
Sintomaticamente, duas publicações opostas coincidem
numa mesma imagem, igualmente cruel, a respeito de
Brown: o "Guardian" (tradicionalmente pró-trabalhistas,
mas neste ano liberal) e o
"Daily Telegraph" (tão "Tory",
como são chamados os conservadores, que seu apelido é
"Daily Torygraph").
Marina Hyde, colunista do
"Guardian", escreve que Brown
parece "aquela coisa da galinha
que continua a caminhar mesmo tendo a cabeça cortada".
Ecoa Anthony Seldon no "Telegraph": "Uma coisa é certa:
Brown é um homem morto caminhando".
Sedução
Inglório fim para um movimento que seduziu muita gente
quando lançado por Tony Blair,
para designar uma via intermediária entre as tendências estatizantes presentes no DNA da
social-democracia e o liberalismo puro e duro que se tornou
hegemônico no planeta, em especial após a queda do Muro de
Berlim e fim do comunismo.
Ecoou até no Brasil, seduzindo, por exemplo, Fernando
Henrique Cardoso, então presidente. Mesmo Luiz Inácio
Lula da Silva, originalmente à
esquerda da social-democracia,
participou de reuniões da Terceira Via, quando ela já mudara
de nome, para "Progressive Governance".
Que o líder atual do Trabalhismo, inventor da Terceira
Via, tenha se transformado em
um "squatter" não quer dizer
que o movimento tenha sido
um fracasso completo. A história dos 13 anos dos trabalhistas
no poder é o caso clássico de copo meio cheio, meio vazio.
Exemplos de meio cheio: 500
mil crianças deixaram a pobreza, a proporção de jovens que
vai à universidade aumentou,
quase todos os pacientes que
procuram os hospitais públicos
encontram vaga em no máximo
18 semanas, contra 18 meses
antes, o gasto em educação passou de 49 bilhões de libras para
quase o dobro (80 bilhões) e
por aí vai.
Meio vazio: o Reino Unido é
hoje praticamente tão desigual
quanto o era no reinado dos
conservadores.
Aliás, para uma sólida maioria, o copo está bem mais vazio
do que cheio: uma pesquisa recente mostrou que aumentou
de 40%, em 1997, para 71% o
número de britânicos que
acham que o país está se tornando um lugar pior para viver.
Mas a Terceira Via deixa um
legado forte, conforme análise
da revista "The Economist": "A
julgar pela retórica dos adversários do Trabalhismo, ele foi
bem-sucedido em tornar compulsória a compaixão pelos pobres, o entusiasmo pelo apoio a
crianças pequenas e a universalização do Serviço Nacional de
Saúde [público]".
De fato, o grande adversário
dos trabalhistas, o líder conservador David Cameron, trouxe
seu partido mais para o centro,
adotou o slogan "Conservadorismo com Compaixão" e está
agora sendo obrigado a negociar com os liberais-democratas, igualmente compassivos, a
formação de um governo.
Ontem, aliás, os liberais estavam reunidos para discutir os
termos do acordo, que teriam
de ser aprovados por três quartos de seus 57 parlamentares
mais os membros do Comitê
Executivo.
E com certa urgência para
evitar que o mercado financeiro abra na segunda-feira com
Brown ainda entrincheirado
em Downing Street.
Próximo Texto: Mercados abrirão antes de eventual acordo Índice
|