São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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Só falta vontade política, diz diretor da FAO

DA REDAÇÃO

"Sabemos muito bem o que fazer, só falta vontade política", diz o escocês Andrew MacMillan, diretor de operações da FAO, a agência da ONU para alimentação. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que MacMillan, 59, concedeu à Folha, por telefone, de Roma. (PDF)

Folha - Apesar de a tecnologia permitir que agricultores produzam mais alimentos e de a obesidade ter-se tornado um dos principais problemas de saúde da atualidade, há mais de 800 milhões de pessoas desnutridas. Como isso é possível?
Andrew MacMillan -
Por causa do fracasso do mercado. Aqueles que têm mais necessidade morrem de fome. Se a pessoa não tiver dinheiro no bolso ou não puder produzir alimentos por não ter acesso à terra ou à tecnologia, vai continuar com fome.

Folha - As metas fixadas pela FAO e aceitas por mais de 180 países fracassaram totalmente. Por quê?
MacMillan -
Muitas vezes, a fome está escondida. É fácil arrecadar recursos quando há um desastre natural, como um terremoto ou um furacão, quando as pessoas são vistas na TV em estado de inanição. Mas, em geral, a fome é invisível. Atinge a casa das pessoas que, em sua maioria, não têm voz política. Costuma-se imaginar que, para reduzir a fome, basta diminuir a pobreza. Trabalhamos com o raciocínio inverso. Não vemos como progredir se a população não estiver bem alimentada. Há uma percepção de que lidar com a fome é uma questão de caridade. Livrar-se da fome faz parte do interesse mais profundo das nações. Para os países em desenvolvimento, abre as portas para o crescimento econômico. Para os desenvolvidos, torna o mundo mais seguro, menos instável.

Folha - Qual é a prioridade da FAO atualmente?
MacMillan -
Aumentar a produtividade de pequenos agricultores, o que inclui o acesso a recursos naturais, à tecnologia e à infra-estrutura para que possam distribuir a produção. Além de permitir que as pessoas participem do processo de desenvolvimento, que tenham acesso imediato à alimentação. Em um primeiro momento, através de cupons de alimentação para os que são excluídos do mercado, por exemplo.

Folha - Um dos objetivos da cúpula é reduzir à metade o número de pessoas desnutridas. Isso é realista, já que as metas traçadas no último encontro, em 1996, não foram cumpridas?
MacMillan -
Perfeitamente realista. É uma questão de boa vontade. Se pensarmos nos problemas causados pela malária, na dificuldade de encontrar uma vacina contra o HIV... São anos e anos de pesquisas com custos enormes. Para pôr fim à fome, nada disso é necessário. Há muita comida no mundo e meios para produzir ainda mais. Se quiserem chamar a fome de doença, tudo bem, a questão é encará-la. Bastam organização, compromisso financeiro e persistência. Já fui criticado por dizer que o fato de a fome existir se deve basicamente à incompetência ou à negligência. Nós sabemos muito bem o que fazer, só falta vontade política.

Folha - Quantas pessoas morrem de fome por ano?
MacMillan -
Todas as pessoas morrem. A questão não é essa. O fundamental é compreender que a fome torna as pessoas vulneráveis. No sul da África, por exemplo, mais de 10 milhões passam fome. Por quê? E temos estimativas de custos com morte prematura ou problemas atribuídos à fome. Giram em torno de US$ 120 bilhões por ano.

Folha - Até que ponto a Aids dificulta o combate à fome?
MacMillan -
Dificulta tremendamente. Em alguns países africanos, sobram apenas os mais velhos e os muito jovens. Eu trabalho muito no oeste da África. Quase uma pessoa em cada três está infectada em algumas regiões, onde o principal negócio da comunidade são os funerais.

Folha - A água é um dos principais questões a enfrentar, não?
MacMillan -
Sim, é um enorme problema. Em muitos dos países onde atuamos a idéia de ter água na torneira não significa nada para a maioria das pessoas. Um modelo de tecnologia que examinamos para ajudá-las foi o do Brasil. São coisas simples. Em vez de andar três quilômetros para pegar água, se a água for até as famílias, isso já faz uma diferença imensa.

Folha - Há outras iniciativas?
MacMillan -
Diversos programas melhoram a qualidade da água e o acesso a ela. Atuamos em países como a Guatemala para garantir a segurança alimentar, a qual passa pela questão da água.

Folha - Que exemplos o sr. considera positivos na redução da fome?
MacMillan -
Há vários, como o de Gana e o da Tailândia, que engajou as comunidades.

Folha - E os negativos?
MacMillan -
Um dos piores é o do Zimbábue, que já teve sucesso na produção de alimentos - não do ponto de vista nutricional-, mas já isso faz tempo. É lógico que parte da questão se deve ao problema da terra, aos latifúndios, o que também acontece no Brasil. E os zimbabuanos também tiveram azar com o clima.

Folha - Os transgênicos podem ajudar nessa luta contra a fome?
MacMillan -
Não precisamos deles neste momento. Temos amplos meios para lidar com a fome sem eles, mas, se os cientistas desenvolverem algo que possa dar uma mão nesse combate, eu não vejo por que alguém se oporia, desde que isso fosse seguro. Há uma diferença muito grande, do ponto de vista tecnológico, entre o que pode ser feito e aquilo a que os agricultores têm acesso. Não é urgente o uso de transgênicos. Mas, no futuro, eles poderiam ser úteis se permitissem que as plantações necessitassem de menos água, por exemplo.


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