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ANÁLISE/IRAQUE
Fica tudo igual
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A substituição do Conselho de
Governo Iraquiano por um governo interino é "um vinho velho
numa garrafa usada", diz Dilip
Hiro, especialista em Oriente Médio e autor de 25 livros sobre
questões políticas no islamismo.
Indiano radicado em Londres e
autor de "Secrets and Lies: Operation "Iraqi Freedom" and After"
(Segredos e Mentiras: Operação
"Liberdade no Iraque" e Conseqüências", Nation Books), ele
acredita que as novas autoridades
civis não conseguirão conter os
insurgentes iraquianos.
Eis os principais trechos de sua
entrevista à Folha.
Folha - A nova resolução da ONU
recoloca o Iraque nos trilhos?
Dilip Hiro - O novo governo é o
prosseguimento do antigo Conselho de Governo. É desse modo
que os iraquianos o verão. Entre
os cinco personagens que ocupam cargos mais importantes,
três participavam da instância de
poder anterior, nomeada pelos
EUA. Os dois restantes são curdos, estreitamente aliados dos
americanos nos últimos 13 anos.
Folha - Não há novidade a notar?
Hiro - O novo governo não chega
a ser um "vinho velho numa nova
garrafa". É vinho velho numa garrafa usada. O próprio governo
americano disse aos jornalistas
que o conselho não tinha credibilidade. Razão pela qual não cabe a
mim acreditar que o novo governo provisório venha a tê-la.
Folha - Mas o fato de a França ter
apoiado a resolução da ONU não
muda nada?
Hiro - A França tenta se acomodar ao fato consumado. Não quer
se opor constantemente aos EUA.
É uma questão diplomática, sem
efeitos concretos no Iraque.
Folha - Mas a antiga coalizão...
Hiro - Os militares estrangeiros
estão sendo chamados de MNF
(forças multinacionais). A França
já disse que não participará delas.
Os EUA, por sua vez, obtiveram
do Conselho de Segurança o comando de suas próprias tropas
em território iraquiano.
Folha - Como interpretar a atitude compreensiva da China?
Hiro - Há a meu ver uma clara
razão econômica. A China está fabricando cada vez mais automóveis. Precisará de petróleo. Deverá
estar de bem com o Iraque.
Folha - A resolução diz que em 12
meses o governo local dirá se quer
manter os militares estrangeiros.
Hiro - Há a meu ver algo de bem
mais profundo. Em 1991, quando
da Guerra do Golfo, os Estados
Unidos tinham um plano para se
retirar da região. Hoje os EUA
não querem e não podem sair. Segundo a lógica americana, essa
presença militar é necessária para
se contrapor à perspectiva de instabilidade aguda na Arábia Saudita. O que está em jogo é o petróleo
do Oriente Médio.
Folha - Os insurgentes vão depor
as armas com o novo governo?
Hiro - Para eles não haverá diferença nenhuma entre uma ocupação americana direta e uma ocupação americana indireta, como a
que se oficializará com o governo
interino. É altamente improvável
que cessem os ataques às tropas
estrangeiras. Não estou certo,
dentro desse clima de intranqüilidade, que seja possível realizar
eleições no final do ano que vem.
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