São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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ANÁLISE/IRAQUE

Fica tudo igual

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A substituição do Conselho de Governo Iraquiano por um governo interino é "um vinho velho numa garrafa usada", diz Dilip Hiro, especialista em Oriente Médio e autor de 25 livros sobre questões políticas no islamismo.
Indiano radicado em Londres e autor de "Secrets and Lies: Operation "Iraqi Freedom" and After" (Segredos e Mentiras: Operação "Liberdade no Iraque" e Conseqüências", Nation Books), ele acredita que as novas autoridades civis não conseguirão conter os insurgentes iraquianos.
Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha.
 

Folha - A nova resolução da ONU recoloca o Iraque nos trilhos?
Dilip Hiro -
O novo governo é o prosseguimento do antigo Conselho de Governo. É desse modo que os iraquianos o verão. Entre os cinco personagens que ocupam cargos mais importantes, três participavam da instância de poder anterior, nomeada pelos EUA. Os dois restantes são curdos, estreitamente aliados dos americanos nos últimos 13 anos.

Folha - Não há novidade a notar?
Hiro -
O novo governo não chega a ser um "vinho velho numa nova garrafa". É vinho velho numa garrafa usada. O próprio governo americano disse aos jornalistas que o conselho não tinha credibilidade. Razão pela qual não cabe a mim acreditar que o novo governo provisório venha a tê-la.

Folha - Mas o fato de a França ter apoiado a resolução da ONU não muda nada?
Hiro -
A França tenta se acomodar ao fato consumado. Não quer se opor constantemente aos EUA. É uma questão diplomática, sem efeitos concretos no Iraque.

Folha - Mas a antiga coalizão...
Hiro -
Os militares estrangeiros estão sendo chamados de MNF (forças multinacionais). A França já disse que não participará delas. Os EUA, por sua vez, obtiveram do Conselho de Segurança o comando de suas próprias tropas em território iraquiano.

Folha - Como interpretar a atitude compreensiva da China?
Hiro -
Há a meu ver uma clara razão econômica. A China está fabricando cada vez mais automóveis. Precisará de petróleo. Deverá estar de bem com o Iraque.

Folha - A resolução diz que em 12 meses o governo local dirá se quer manter os militares estrangeiros.
Hiro -
Há a meu ver algo de bem mais profundo. Em 1991, quando da Guerra do Golfo, os Estados Unidos tinham um plano para se retirar da região. Hoje os EUA não querem e não podem sair. Segundo a lógica americana, essa presença militar é necessária para se contrapor à perspectiva de instabilidade aguda na Arábia Saudita. O que está em jogo é o petróleo do Oriente Médio.

Folha - Os insurgentes vão depor as armas com o novo governo?
Hiro -
Para eles não haverá diferença nenhuma entre uma ocupação americana direta e uma ocupação americana indireta, como a que se oficializará com o governo interino. É altamente improvável que cessem os ataques às tropas estrangeiras. Não estou certo, dentro desse clima de intranqüilidade, que seja possível realizar eleições no final do ano que vem.


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