São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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UNIÃO AFRICANA

Organização prevê Parlamento continental, tribunal pan-africano, Banco Central, união monetária e força de paz

África lança hoje projeto de integração

France Presse
Manifestante leva cartaz que diz "A África à venda (vendida)", em ato antiglobalização em Durban


PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Líderes da África lançam hoje uma organização que pretende contar com um Parlamento continental, um tribunal pan-africano, um Banco Central e, no longo prazo, a união monetária e a eliminação das fronteiras. Isso em um continente onde ainda subsistem rivalidades e disputas territoriais no noroeste africano, diferenças de desenvolvimento, pobreza, instabilidade política e disseminação descontrolada do vírus HIV na África subsaariana.
Inspirada no modelo da União Européia, a União Africana (UA) substitui a Organização da Unidade Africana (OUA) e propõe uma ambiciosa integração continental, com mudanças significativas como a capacidade, em teoria, de intervenção militar no caso de genocídio ou crimes de guerra.
Analistas consultados pela Folha disseram ver com ceticismo a iniciativa. "É necessário apoiar, mas é preciso ser realista. Ainda é muito cedo para dizer se a União Africana vai realmente funcionar. A proposta é bastante ambiciosa. A Organização da Unidade Africana, que a antecedeu, foi um fracasso tão retumbante que eu tenho certeza de que a UA não poderia ser pior", disse, por telefone, Stephen Morrison, diretor dos programas sobre África no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
Apesar de pessimista, Robert Rotberg, professor de política africana na Universidade Harvard (EUA), destacou como positiva a idéia das forças de paz, que "ajudariam a encerrar e a evitar conflitos na África". Mas, segundo ele, "até agora, não houve vontade política para permitir que os militares de diferentes nações trabalhassem em conjunto" (leia entrevista ao lado).
A União Africana terá uma força de manutenção da paz, ao passo que a OUA enfatizava a não-interferência nos assuntos internos de seus membros.
Em Durban (África do Sul), onde a OUA foi enterrada ontem, após 39 anos de existência, o presidente sul-africano, Thabo Mbeki, que se tornou o primeiro líder da UA, disse que o órgão conseguiu "erradicar todas as formas de colonialismo", mas, para ele, a África precisa de "um novo começo", com "democracia, fim da corrupção e promoção de direitos humanos, paz e estabilidade".
A OUA surgiu como uma associação de caráter político e, desde sua fundação, em Adis Abeba (Etiópia), ajudou a impulsionar o processo de independência de países africanos que estavam sob controle europeu e combateu o regime de segregação racial sul-africano. Mas, ainda que sirva de embrião para a UA, deixa como legado um continente devastado por conflitos, miséria, doenças, corrupção e má administração.
Os países que ocupam as 28 piores colocações das 162 do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU se localizam na África. A metade dos africanos vive com menos de US$ 1 ao dia.
A intenção da UA é promover o Nepad (sigla em inglês para Nova Parceria para o Desenvolvimento da África), que pretende garantir investimentos internacionais no continente em troca de mudanças na estrutura política e econômica, além da responsabilidade fiscal e da defesa dos direitos humanos.
Ao menos 20 dos 53 países que integram a UA permanecem imersos em confrontos bélicos, e a Aids ameaça dizimar uma geração inteira e desestabilizar todo o continente. Há pelo menos 28,5 milhões de pessoas com HIV na África subsaariana atualmente -mais de 70% dos casos mundiais. Só no ano passado, houve 3,4 milhões de novos casos de infecções e 2,3 milhões de mortes. A expectativa de vida é de 47 anos. Sem a Aids, seria de 62 anos.
Madagascar foi o único país cuja representação foi rejeitada na reunião em Durban por causa da crise política local. Já as políticas controversas do presidente Robert Mugabe (Zimbábue), como o confisco de terras de propriedade de brancos, devem ficar fora da pauta de discussões.

Com agências internacionais


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