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TERROR EM LONDRES
Britânicos engolem o medo e fazem renascer o "espírito de blitz" -o mesmo da resistência aos nazistas na Segunda Guerra
Londres conta 50 mortos e, fleumática, tenta voltar à normalidade após ataque
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Londres eram duas ontem, 24
horas depois dos atentados terroristas que mataram pelo menos
50 pessoas: havia uma cidade subterrânea, que ainda recolhia pedaços de corpos no vagão do metrô
destroçado por uma bomba entre
as estações King's Cross e Russell
Square, e havia, na superfície,
uma cidade que engolia o medo
para voltar à normalidade possível, uma fleumática normalidade,
como convém a britânicos.
A cidade que contava os mortos
havia chegado a 50 até o fim da
tarde de ontem, mas já sabia que
seriam mais. "O número final não
chegará aos três dígitos [cem, portanto]", dizia sir Ian Blair, chefe
da Polícia Metropolitana.
A cidade que desafiava o terrorismo e sua própria paranóia, que
já vem desde os atentados nos
EUA em setembro de 2001, mandava um recado aos terroristas
pela boca do prefeito Ken Livingstone: "Estejam onde estiverem,
ainda aqui ou no exterior, vejam
na semana que vem que, enquanto enterramos os mortos e rezamos por eles, muitos outros virão
a Londres para chamar-se londrinos e defender aquilo que Londres representa [a liberdade]".
Até a contida rainha Elizabeth
2ª afrontou os terroristas ao sair
em defesa do chamado "British
way of life": "Aqueles que cometeram esses atos brutais contra pessoas inocentes devem saber que
não mudarão nosso modo de vida", disse a soberana, ao visitar vítimas em um hospital.
Os jornais de ontem eram um
reflexo nítido desse espírito, conforme registrou "The Wrap", o
sumário da mídia britânica elaborado diariamente para assinantes
pelo jornal "The Guardian": "Blitz
spirit confronts terrorists", anunciava orgulhoso. O "espírito de
blitz" é uma alusão à fantástica resistência de Londres e dos londrinos aos ataques da aviação nazista
durante a Segunda Guerra.
Ecoava Trevor Phillips, presidente do Conselho para a Igualdade Racial: "Nossa cidade não se
acovardará".
Não se acovardou de fato, pelo
menos ontem. O dia, é verdade,
começou com um movimento
bem abaixo do normal tanto no
metrô como nos ônibus, os dois
alvos dos atentados da véspera.
Mas, mesmo quem tomou o ônibus linha 30, uma de cujas unidades foi explodida em Tavistock
Square, fazia questão de manter o
desafio explicitado pelo prefeito,
como Sarah Radcliffe, caixeira de
uma loja de departamentos, loirinha e de sardas pronunciadas como a maioria das britânicas: "Não
podemos deixar que eles [terroristas] determinem a nossa vida".
Amanda Kampala, emigrante
africana, também passageira da linha 30, não permitiu que o terror
guiasse sua vida, embora conte
que só não morreu na quinta-feira porque se atrasou para pegar o
ônibus -exatamente o que explodiu na Tavistock Square.
Aos poucos, o movimento foi
tomando jeito de quase normalidade, à medida que a temperatura
ia aumentando, até chegar aos
17C no início da tarde, para o que
os britânicos chamam de verão.
Nos tradicionais ônibus de dois
andares -justamente como o
que explodiu-, os londrinos
provavam que não mudariam
mesmo seu modo de vida, como
previa a rainha. Sem nenhum sinal aparente de preocupação,
muitos liam como de costume
seus livros ou jornais tranqüilamente, ainda que estivessem enfrentando o congestionamento
nos trechos próximos aos locais
dos atentados, onde o trânsito era
atrapalhado pelo movimento de
policiais e equipes de televisão
ávidas por encontrar parentes de
vítimas ou sobreviventes.
A normalidade só não era plena
porque os londrinos convivem há
anos, mas especialmente após o 11
de Setembro, com o medo de ataques terroristas. Depois dos atentados em Madri, em março de
2004, a paranóia só fez aumentar,
até porque a própria Scotland
Yard, a polícia britânica, avisava
que um ataque era inevitável.
David Veness, então chefe do
Departamento de Operações da
Scotland Yard, dizia: "Londres é
certamente um dos pontos mais
vulneráveis. O perigo de ataque
permanece, e o ponto não é saber
se, mas quando".
O quando foi 7 de julho. Por isso, no dia seguinte, não podia haver plena normalidade, até porque pontos da cidade e partes da
extensa rede de metrô continuavam bloqueados pela polícia para
a retirada de corpos e as investigações na cena do crime.
Eram poucos pontos, no entanto, e neles os londrinos exibiam a
fleuma sobre a qual já se escreveram dezenas e dezenas de tratados. Ao contrário de Nova York e
Madri, após os respectivos ataques, a emoção era contida, como
sempre é entre britânicos.
Havia, é verdade, buquês de flores depositados nos pontos próximos aos quatro locais dos atentados, mas não havia a catarata de
flores e velas que surgiu de repente em Madri, na estação de Atocha, um dos alvos há um ano.
Mensagens junto com as flores,
pouquíssimas. E contidas: "Bênção aos inocentes caídos e a todos
os corajosos londrinos" (sempre
o louvor à coragem), dizia bilhete
junto às rosas deixadas na esquina da Edgware Road, em cuja estação deu-se um dos ataques.
Em King's Cross, onde estourou
uma bomba, uma filha evocava
em letrinhas miúdas numa carta o
Salmos 23:1 ("O Senhor é meu
pastor e nada me faltará") do Antigo Testamento, para agradecer a
sobrevivência do pai.
Outras famílias enfrentavam a
agonia de procurar parentes desaparecidos. Para essas, a vida não
podia ser menos anormal. David
Webb, por exemplo, parou para
um café no fim da tarde, após percorrer cinco hospitais em busca
de notícias da irmã, Laura, que
poderia estar em um dos vagões
de metrô atingidos ou no ônibus.
Os atentados não atingiram
pessoalmente o francês Xavier
Rebergue, que vive em Londres,
onde é dono de uma agência de
empregos. Mas ele não foi trabalhar por solidariedade a um desaparecido, de quem nem é parente.
Ele conseguira havia pouco um
trabalho para o conterrâneo francês Slamine Ihab, 19 anos, que sumiu na quinta-feira. Ontem, Reberge exibia em King's Cross um
pequeno cartaz com a foto do jovem: "Por que estou fazendo isso
por ele? Porque o pai está me ligando sem parar, desesperado".
Nos pontos de ônibus, nas estações de metrô, nos aeroportos,
nos trens, o policiamento foi só
muito discretamente reforçado.
"Não deixem restos nos vagões", avisa um rapaz que parece
policial, na estação Paddington
do metrô, mas é "funcionário de
apoio à comunidade". O aviso
não tem nada a ver com a limpeza, mas com o esquema de segurança: qualquer pacotinho de lixo
deixado, por exemplo, em vagões
do metrô pode ser tomado como
bomba e desencadear um alerta
-dois deles pelo menos pararam
ontem linhas do metrô nas estações Euston e Waterloo.
Reforça a paranóia a dúvida sobre o tipo de terroristas que atacaram o metrô e o ônibus 30: foram
suicidas ou usaram um "timer"
para acionar as bombas?
Não havia, ainda, resposta definitiva, mas a Scotland Yard emitia
todos os sinais de que trabalha
mais com a segunda hipótese. Se
verdadeira, significa que os terroristas estão vivos, soltos e, em tese,
prontos para novos atentados. "O
sinal que eles querem mandar é o
de que ninguém está seguro", filosofa Brent Walztein, que passava
perto da estação Edgware Road.
Ninguém mesmo. Mas entre a
paranóia que esse tipo de sinal pode causar e a fleuma de ancestral
genética, venceu ontem a fleuma.
Leia mais sobre os ataques em Londres na
http://www.folha.com.br/051881
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