São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ORIENTE MÉDIO
À Folha, escritor israelense diz que a escolha de Sharon foi "natural" diante da violência

Sharon é presente de Arafat, diz Oz

Reuters
Em Jerusalém, soldado israelense chora durante o funeral de um colega morto a tiro por palestino


SÉRGIO MALBERGIER
ENVIADO ESPECIAL A TROMSO

Os 11 meses de Intifada deixaram o escritor israelense Amos Oz "existencialmente triste". A revolta palestina contra a ocupação israelense de Gaza e Cisjordânia faz Oz, 62, militante pacifista e um dos mais reconhecidos escritores de seu país, evitar shopping centers e locais de aglomeração.
Oz, autor de "Fima", "A Caixa Preta" e "O Mesmo Mar" (Companhia das Letras), entre outros, falou à Folha durante uma conferência de escritores em Tromso, no norte da Noruega (leia texto nesta página), onde não deixou de acompanhar pela TV ou pelo telefone os acontecimentos de sua terra natal.
Para ele, a eleição do primeiro-ministro Ariel Sharon, no começo deste ano, foi um "presente" do líder palestino Iasser Arafat à região. "Foi como voltar no tempo. Os palestinos enviaram um sinal de que a solução de dois Estados, um judeu e outro palestino, não seria possível." Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - A sociedade israelense discutia, pouco antes da eclosão da nova Intifada, há um ano, se estava entrando numa fase pós-sionista, de normalização e aceitação por parte dos vizinhos árabes. Falava-se até em reduzir o tempo do serviço militar. Os israelenses estavam cegos à realidade palestina?
Amos Oz -
As pessoas tinham a sensação de que o conflito Israel-palestinos estava chegando perto de uma solução. Recebemos os sinais errados dos palestinos.
Por muito tempo, os palestinos pragmáticos declaravam que, quando chegasse o dia em que Israel devolvesse os territórios ocupados e reconhecesse um Estado palestino com sua capital em Jerusalém Oriental, isso seria o fim do conflito.
No último momento, Iasser Arafat surgiu com o que chamou de direito de retorno dos refugiados palestinos, o que é um eufemismo para uma liquidação gradual de Israel. E então o diálogo fracassou.

Folha - Mas o sr. não acha que palestinos que foram expulsos ou deixaram suas casas no que é hoje Israel têm o direito de voltar?
Oz -
Não. Acho que o direito a uma pátria, a um passaporte, a uma casa, a um emprego são essenciais. Mas o direito de voltar a uma casa de 50 anos atrás, não. É isso exatamente o que a extrema direita alemã pede hoje, o direito de voltar a regiões que perderam na Segunda Guerra. É o que os colonos judeus na Cisjordânia querem, voltar a terras bíblicas. Os palestinos têm o direito de voltar para seu país, não ao nosso.

Folha - O sr. vem criticando duramente Arafat. O sr. acha que os palestinos precisam de uma nova liderança?
Oz -
Cabe aos palestinos escolher seus líderes, e Israel deve negociar com o líder que eles escolherem.

Folha - E a escolha de Sharon pelos israelenses?
Oz -
Sharon é o presente de Arafat ao povo judeu e aos palestinos. Ao rejeitar as propostas de Ehud Barak (antecessor de Sharon), em julho do ano passado, ele recorreu à violência e causou a eleição de Sharon.
Foi como voltar no tempo. Os palestinos enviaram um sinal de que a solução de dois Estados, um judeu e outro palestino, não seria possível. Então os israelenses elegeram um linha dura diante da violência. É muito triste, mas natural, que tenham preferido um linha dura.

Folha - O sr. pode prever o fim do ciclo de violência atual?
Oz -
É muito difícil ser um profeta vindo da terra dos profetas. A concorrência é enorme. Posso dizer apenas como será a conclusão, mas não quando.
Existirão dois Estados, basicamente com as fronteiras entre Israel e Gaza e Cisjordânia, com uma capital israelense em Jerusalém Ocidental e uma palestina em Jerusalém Oriental. E o problema dos refugiados palestinos será resolvido dentro da Palestina.
Será assim simplesmente porque não há outra opção. Quando vemos o que ocorre na ex-Iugoslávia ou na Irlanda do Norte, por exemplo, é uma guerra civil, com briga mesmo entre famílias. A nossa é uma guerra entre nações, que é mais fácil de resolver, não fácil, mas mais fácil.
Há mais de 5 milhões de judeus e cerca de 4 milhões de palestinos que não irão a lugar nenhum, seguirão ali, mas não podem viver juntos como uma família feliz porque não são uma família. Então teremos de viver como vizinhos de porta.
Acho que 80%, 90% das pessoas dos dois lados sabem disso. Mesmo os que odeiam isso sabem que é a única saída. Quanto tempo levará, quantas vidas inocentes ainda serão perdidas, não sei.

Folha - O sr. não acha que falta empatia dos dois lados com a outra parte?
Oz -
Acho que não é natural esperar empatia de inimigos. A paz não resulta de empatia, como mostra a história. Os inimigos assinam acordos de paz rangendo os dentes, muitas vezes com péssimas intenções.
Então, como num ferimento, novos tecidos vão nascendo muito gradualmente. A empatia virá depois da paz, não é a paz que virá da empatia.

Folha - Mas essa era a lógica do processo de paz iniciado em Oslo, em 1993. A empatia viria depois da assinatura dos primeiros acordos, gradualmente. Mas veja como acabou.
Oz -
É verdade. Mas, infelizmente, no dia seguinte à assinatura dos acordos de Oslo, ambos os lados começaram a miná-lo. Os israelenses, ao construir novas casas nos territórios ocupados. Os palestinos, mantendo o incitamento ao ódio aos israelenses nas escolas, na mídia, e dizendo a seu povo que a retomada de Gaza e Cisjordânia seria o primeiro passo para a libertação total da Palestina. Alguns de nós sabem árabe e escutam com muito cuidado o que eles dizem.

Folha - Como a violência afetou sua vida pessoal?
Oz -
Antes de mais nada, estou muito triste, existencialmente triste. Depois, não vejo mais meus muitos amigos palestinos. Falo com eles ao telefone quase todo dia, mas não nos encontramos. E há algumas coisas que não aconselho minha família a fazer, como ir a shoppings e rodoviárias, por exemplo.


O jornalista Sérgio Malbergier viajou a convite do governo norueguês.


Texto Anterior: EUA: Violência e estupro entre jovens alarma americanos
Próximo Texto: Amos Oz
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.