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ORIENTE MÉDIO
À Folha, escritor israelense diz que a escolha de Sharon foi "natural" diante da violência
Sharon é presente de Arafat, diz Oz
Reuters
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Em Jerusalém, soldado israelense chora durante o funeral de um colega morto a tiro por palestino |
SÉRGIO MALBERGIER
ENVIADO ESPECIAL A TROMSO
Os 11 meses de Intifada deixaram o escritor israelense Amos Oz
"existencialmente triste". A revolta palestina contra a ocupação israelense de Gaza e Cisjordânia faz
Oz, 62, militante pacifista e um
dos mais reconhecidos escritores
de seu país, evitar shopping centers e locais de aglomeração.
Oz, autor de "Fima", "A Caixa
Preta" e "O Mesmo Mar" (Companhia das Letras), entre outros,
falou à Folha durante uma conferência de escritores em Tromso,
no norte da Noruega (leia texto
nesta página), onde não deixou de
acompanhar pela TV ou pelo telefone os acontecimentos de sua
terra natal.
Para ele, a eleição do primeiro-ministro Ariel Sharon, no começo
deste ano, foi um "presente" do líder palestino Iasser Arafat à região. "Foi como voltar no tempo.
Os palestinos enviaram um sinal
de que a solução de dois Estados,
um judeu e outro palestino, não
seria possível." Leia a seguir os
principais trechos da entrevista.
Folha - A sociedade israelense
discutia, pouco antes da eclosão da
nova Intifada, há um ano, se estava
entrando numa fase pós-sionista,
de normalização e aceitação por
parte dos vizinhos árabes. Falava-se até em reduzir o tempo do serviço militar. Os israelenses estavam
cegos à realidade palestina?
Amos Oz - As pessoas tinham a
sensação de que o conflito Israel-palestinos estava chegando perto
de uma solução. Recebemos os sinais errados dos palestinos.
Por muito tempo, os palestinos
pragmáticos declaravam que,
quando chegasse o dia em que Israel devolvesse os territórios ocupados e reconhecesse um Estado
palestino com sua capital em Jerusalém Oriental, isso seria o fim
do conflito.
No último momento, Iasser
Arafat surgiu com o que chamou
de direito de retorno dos refugiados palestinos, o que é um eufemismo para uma liquidação gradual de Israel. E então o diálogo
fracassou.
Folha - Mas o sr. não acha que palestinos que foram expulsos ou deixaram suas casas no que é hoje Israel têm o direito de voltar?
Oz - Não. Acho que o direito a
uma pátria, a um passaporte, a
uma casa, a um emprego são essenciais. Mas o direito de voltar a
uma casa de 50 anos atrás, não. É
isso exatamente o que a extrema
direita alemã pede hoje, o direito
de voltar a regiões que perderam
na Segunda Guerra. É o que os colonos judeus na Cisjordânia querem, voltar a terras bíblicas. Os
palestinos têm o direito de voltar
para seu país, não ao nosso.
Folha - O sr. vem criticando duramente Arafat. O sr. acha que os palestinos precisam de uma nova liderança?
Oz - Cabe aos palestinos escolher
seus líderes, e Israel deve negociar
com o líder que eles escolherem.
Folha - E a escolha de Sharon pelos israelenses?
Oz - Sharon é o presente de Arafat ao povo judeu e aos palestinos.
Ao rejeitar as propostas de Ehud
Barak (antecessor de Sharon), em
julho do ano passado, ele recorreu
à violência e causou a eleição de
Sharon.
Foi como voltar no tempo. Os
palestinos enviaram um sinal de
que a solução de dois Estados, um
judeu e outro palestino, não seria
possível. Então os israelenses elegeram um linha dura diante da
violência. É muito triste, mas natural, que tenham preferido um linha dura.
Folha - O sr. pode prever o fim do
ciclo de violência atual?
Oz - É muito difícil ser um profeta vindo da terra dos profetas. A
concorrência é enorme. Posso dizer apenas como será a conclusão,
mas não quando.
Existirão dois Estados, basicamente com as fronteiras entre Israel e Gaza e Cisjordânia, com
uma capital israelense em Jerusalém Ocidental e uma palestina em
Jerusalém Oriental. E o problema
dos refugiados palestinos será resolvido dentro da Palestina.
Será assim simplesmente porque não há outra opção. Quando
vemos o que ocorre na ex-Iugoslávia ou na Irlanda do Norte, por
exemplo, é uma guerra civil, com
briga mesmo entre famílias. A
nossa é uma guerra entre nações,
que é mais fácil de resolver, não
fácil, mas mais fácil.
Há mais de 5 milhões de judeus
e cerca de 4 milhões de palestinos
que não irão a lugar nenhum, seguirão ali, mas não podem viver
juntos como uma família feliz
porque não são uma família. Então teremos de viver como vizinhos de porta.
Acho que 80%, 90% das pessoas
dos dois lados sabem disso. Mesmo os que odeiam isso sabem que
é a única saída. Quanto tempo levará, quantas vidas inocentes ainda serão perdidas, não sei.
Folha - O sr. não acha que falta
empatia dos dois lados com a outra
parte?
Oz - Acho que não é natural esperar empatia de inimigos. A paz
não resulta de empatia, como
mostra a história. Os inimigos assinam acordos de paz rangendo
os dentes, muitas vezes com péssimas intenções.
Então, como num ferimento,
novos tecidos vão nascendo muito gradualmente. A empatia virá
depois da paz, não é a paz que virá
da empatia.
Folha - Mas essa era a lógica do
processo de paz iniciado em Oslo,
em 1993. A empatia viria depois da
assinatura dos primeiros acordos,
gradualmente. Mas veja como acabou.
Oz - É verdade. Mas, infelizmente, no dia seguinte à assinatura
dos acordos de Oslo, ambos os lados começaram a miná-lo. Os israelenses, ao construir novas casas nos territórios ocupados. Os
palestinos, mantendo o incitamento ao ódio aos israelenses nas
escolas, na mídia, e dizendo a seu
povo que a retomada de Gaza e
Cisjordânia seria o primeiro passo para a libertação total da Palestina. Alguns de nós sabem árabe e
escutam com muito cuidado o
que eles dizem.
Folha - Como a violência afetou
sua vida pessoal?
Oz - Antes de mais nada, estou
muito triste, existencialmente
triste. Depois, não vejo mais meus
muitos amigos palestinos. Falo
com eles ao telefone quase todo
dia, mas não nos encontramos. E
há algumas coisas que não aconselho minha família a fazer, como
ir a shoppings e rodoviárias, por
exemplo.
O jornalista Sérgio Malbergier viajou a
convite do governo norueguês.
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