São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004

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ARTIGO

Passado não autoriza Bush a desqualificar Kerry

NICHOLAS KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES"

O presidente Bush afirma que, no outono de 1972, cumpriu seu serviço militar na Guarda Aérea Nacional numa base no Alabama. Mas Bob Mintz estava lá -e tem certeza de que Bush não estava.
Muitos outros oficiais da base também já disseram não se lembrar de nenhuma instância em que Bush tenha estado presente em treinamentos conduzidos na base. O que é diferente, no caso de Mintz, é que ele se recorda de ter procurado Bush.
Mintz diz que ouviu falar que Bush tinha sido transferido para a base. Bush era descrito como um jovem piloto texano com influência política. Ele ouviu que Bush era solteiro, como ele, então estava interessado em tê-lo como companheiro de farras. Ele diz estar certo de que se recordaria se Bush tivesse comparecido.
"Tenho certeza de que eu o teria visto", afirmou Mintz ontem. "É uma unidade pequena, e não dá para entrar ou sair sem ser visto." Havia apenas entre 25 e 30 pilotos na base, e Bush -filho de um embaixador dos EUA na ONU e ex-namorado de Tricia Nixon- teria chamado a atenção.
Até agora eu vinha evitando comentar como Bush escapou do serviço militar no Vietnã, porque achava que outras questões eram mais importantes. Mas, se os partidários de Bush atacam John Kerry por sua conduta depois de ele ter se oferecido como voluntário para cumprir missões perigosas no Vietnã, é apenas justo examinar de perto o comportamento do atual presidente.
Não é uma visão agradável. Bush foi salvo de cumprir serviço militar ativo e de ser enviado ao Vietnã apenas depois de o presidente do Legislativo do Texas ter interferido a seu favor, graças à influência de sua família.
Em maio de 1968, Bush assumiu um compromisso de seis anos com as Forças Armadas para que fosse treinado como piloto. Depois de menos de dois anos, porém, ele parou repentinamente de voar, deixou de comparecer a seus exames físicos e pediu transferência para o Alabama. Nunca mais pilotou um avião militar.
Bush afirma que, depois de mudar-se para o Alabama, em 1972, cumpriu seu serviço militar obrigatório na Base Dannelly da Guarda Aérea Nacional, em Montgomery (embora diga que não se recorda do que fez por lá). O único oficial da base que se lembra de Bush por lá foi apresentado pela Casa Branca. Ele lembra da presença de Bush até mesmo em momentos em que o próprio Bush admite que não estava lá.
Já Bob Mintz é uma testemunha convincente. Ele serviu nas Forças Armadas de 1959 a 1984. Piloto comercial, ele hoje é democrata, mas foi republicano durante a maior parte de sua vida e não é contra Bush. Quando lhe perguntei se a polêmica suscita dúvidas quanto à credibilidade de Bush, Mintz respondeu: "Isso cabe ao povo americano decidir".
Outra testemunha digna de crédito é Leonard Wallis, um coronel aposentado da Força Aérea que, na época, era instrutor de pilotos na base, em regime de tempo integral. "Eu ficava lá praticamente todo dia", disse Wallis, acrescentando: "Nunca o vi [Bush], e olhe que estive lá continuamente entre julho de 1972 e julho de 1974". Wallis, que se descreve como desinteressado em política, acrescentou: ""Se ele tivesse estado lá mais de uma vez, eu o teria visto".
"Os registros provam de maneira clara que ele não cumpriu as obrigações que assumiu quando se alistou na Guarda Aérea Nacional", escreve o coronel da reserva Gerald Lechliter, que fez a análise mais meticulosa que já vi do registro de Bush. Lechliter acrescenta que, segundo documentos divulgados pela Casa Branca, Bush recebeu pagamentos não autorizados ou fraudulentos que violaram normas da Guarda Nacional.
Será que tudo isso torna George W. Bush desqualificado para ser comandante chefe? Não. Mas deve desqualificar sua campanha da tentativa de difamar o histórico militar de um rival que ainda carrega na coxa estilhaços de bomba da Guerra do Vietnã.


Tradução de Clara Allain


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