São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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análise

Separatismo abastece crise boliviana

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A grave crise institucional na Bolívia se junta a outro fator de tensões internas, a "questão cruceña". Ou a ameaça de profundo racha no país andino envolvendo o altiplano pobre, de tradição indígena e nacionalista, radicalizado em oposição ao livre mercado, e as partes baixas e ricas interessadas em exportar sem travas seus recursos naturais.
O separatismo com epicentro em Santa Cruz tem sido objeto de estudo de acadêmicos americanos preocupados com a vulnerabilidade (a fixação é terrorismo) de países vistos como "Estados fracos". A Bolívia encabeça o grupo em nosso continente.
No governo boliviano anterior, o Pentágono conseguiu que fossem entregues aos EUA foguetes de fabricação chinesa. Inutilizou-os.
Evo Morales tomara o rumo do Palácio Quemado, e os americanos imaginavam armas capazes de alcançar aviões comerciais caindo em mãos de terroristas. O ex-presidente que autorizou a entrega está sob risco de processo. Mais tensões. Há movimentos na direção de uma mesma frente de "resistência" da "questão cruceña" e da oposição disposta a enfrentar Morales numa luta pelo controle da Assembléia Constituinte. Ele é necessário ao projeto oficial de "refundar a Bolívia".
Em 2 de julho, as quatro As quatro Províncias conhecidas como a região da meia-lua (Santa Cruz, Beni, Tarija e Pando) optaram pela autonomia com mais ou menos 70% dos votos em referendos locais. São as mais ricas, e os sentimentos mais profundos são, na realidade, separatistas.
Dois dias depois, "cruceños" com palavras de ordem de ruptura com o poder central e partidários de Morales disputaram a murros, pedradas e cacetadas o controle de um centro de trabalhadores indígenas. Saldo de 50 feridos. La Paz decidiu mobilizar o Exército. O chefe de polícia de Santa Cruz fez corpo mole e foi acusado de separatista.
Há registros mostrando que os sentimentos reais são de ruptura e não de autonomia. "A solução é separar, pura e simplesmente", já disse Zvoncko Matkovic, da Câmara de Comércio e Indústria de Santa Cruz. Rubem Costa, do Comitê Cívico de Santa Cruz, se queixa de que "há mais de 40 anos carregamos nas costas a economia da Bolívia". Santa Cruz é responsável por 90% da indústria nacional, e ficam em seu território 60% dos poços de petróleo.
Morales e os seus, convencidos de que a autonomia é a ante-sala da ruptura, espécie de revanche diante da "derrota conservadora" nas eleições presidenciais, alegam que a maioria dos votos nacionais (57,6%) foi contrária. No final do século 19, a Bolívia viveu situação mais ou menos igual. Liberais da época exigiram a federalização "em nome do progresso".
Fez-se a chamada "revolução federal", na realidade uma guerra civil, lembra o sociólogo boliviano Renzo Abruzzese.


O jornalista NEWTON CARLOS é analista de questões internacionais

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