São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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TORTURA LEGALIZADA

Governo Bush quer CIA fora das Convenções de Genebra

ADAM LIPTAK
DO "NEW YORK TIMES"

Muitas das técnicas de interrogatório duras que o Departamento de Defesa (Pentágono) americano repudiou na última quarta-feira seriam legalizadas por uma legislação proposta no mesmo dia pelo governo Bush. E os tribunais seriam proibidos de intervir.
A proposta está contida nas últimas dez páginas de um projeto de lei de 86 páginas dedicado em sua maior parte a comissões militares. Ela é um misto de referências cruzadas e omissões repletas de sentidos ocultos.
Mas especialistas jurídicos dizem que o projeto equivale a uma interpretação aparentemente singular das Convenções de Genebra, pela qual agentes da CIA e outros seriam autorizados a utilizar muitas das mesmas técnicas rejeitadas pelo Pentágono -incluindo as posições estressantes, a privação de sono, as temperaturas extremas e, possivelmente, afogamentos simulados.

Médico e monstro
"É uma coisa de "o médico e o monstro'", disse Martin S. Lederman, que leciona direito constitucional na Universidade Georgetown, referindo-se à abordagem dupla do governo. De fato, esta se propõe a oficializar em lei um sistema de procedimentos duplos que, na prática, já existe há algum tempo.
Os chamados detentos de alto valor mantidos em custódia pela CIA vêm sendo sujeitos a interrogatórios duríssimos em prisões secretas espalhadas pelo mundo -cuja existência foi reconhecida há três dias pelo presidente George W. Bush. Prisioneiros mais ordinários mantidos pelo Departamento de Defesa têm, em sua maioria, sido submetidos a interrogatórios mais brandos, embora grupos de defesa dos direitos humanos denunciem a ocorrência de abusos.
A nova lei proposta continuaria a proporcionar à CIA a liberdade de ação substancial da qual ela goza, ao mesmo tempo em que as revisões ao Manual de Campo do Exército anunciadas na quarta-feira imporiam limites maiores aos interrogatórios militares. A legislação deixaria aberta a possibilidade de as Forças Armadas reverem seus próprios padrões, de modo a autorizar as técnicas mais duras.
Em junho, ao julgar a ação Hamdan versus Rumsfeld, a Suprema Corte decidiu que um dispositivo das Convenções de Genebra relativo ao tratamento humanitário a prisioneiros se aplica a todos os aspectos do conflito com a Al Qaeda. O novo projeto de lei impedirá os tribunais de fazer esse tipo de ingerência, disse John C. Yoo, professor de direito da Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-funcionário do Departamento de Justiça que ajudou a desenvolver a resposta jurídica da administração à ameaça terrorista.
A legislação proposta se dá a muito trabalho para tentar assegurar que Suprema Corte não tenha uma segunda oportunidade. Em suas conclusões introdutórias, ela diz: "O projeto de lei deixa claro que as Convenções de Genebra não constituem fonte de direitos individuais judicialmente aplicáveis".


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