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Bolívia distribui cheques da Venezuela
Recursos de Caracas financiam projetos municipais que são aprovados em um dia e não pedem contrapartida nem licitação
Oposição vê ingerência de Hugo Chávez e tentativa de Morales de comprar apoio em regiões onde tem menos força, como Santa Cruz
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ
O programa "Bolívia muda,
Evo cumpre" é o sonho de qualquer prefeito: projetos aprovados no mesmo dia de sua apresentação, financiados a fundo
perdido e sem nenhuma contrapartida. Mas a generosa doação venezuelana a municípios
bolivianos em plena crise política alimentou ainda mais a discussão sobre a natureza da ajuda do presidente Hugo Chávez
ao colega Morales.
Financiado por uma doação
de US$ 53,3 milhões da Venezuela, o programa vem bancando projetos de até US$ 225 mil
em municípios do país escolhidos por Morales. Participam
cerca de 60 prefeituras, a maioria no leste do país, onde o governo tem menos apoio em
comparação com o altiplano.
A principal diferença da ajuda venezuelana é o percurso do
dinheiro: ao contrário de outros programas de ajuda internacional, os recursos não passam pelo Tesouro da Bolívia,
mas chegam às prefeituras por
meio de cheques assinados pelo
embaixador da Venezuela, Julio Montes.
"O governo nacional nem entra. Para a foto, aparece o presidente. Para o cheque e o contrato, assinamos diretamente
com o embaixador da Venezuela", disse à Folha o prefeito de
Warnes, Nilo Carmona, do partido oposicionista Unidade Nacional (UN, centro). "Como
funciona o dinheiro venezuelano? Não sei, não nos interessa.
Sei que é dinheiro doado."
"Dinheiro grátis"
Carmona é um dos 26 prefeitos do departamento de Santa
Cruz (leste) convidados a participar da segunda fase do programa. No último dia 23, ele
apresentou um projeto para a
construção de postos de saúde
em seu município, que tem um
forte pólo agroindustrial.
Naquele mesmo dia, técnicos
do governo federal analisaram
e aprovaram o financiamento
de três postos de saúde, com
um desembolso imediato de
40% dos US$ 120 mil previstos
-o restante será pago em duas
parcelas iguais de 30%. O cheque foi entregue à noite pelo
presidente Morales.
No evento, apenas o prefeito
de La Guardia, Jorge Morales
(sem partido), se recusou a receber o cheque: ele alegou que
sua cidade merecia mais recursos do que o aprovado. "Não há
um prefeito que tenha se recusado. Teria sido apedrejado em
seu município. Mesmo que não
goste, por que não vai receber
dinheiro grátis?", diz Carmona.
As principais vantagens do
programa são o tempo recorde
para tramitar -um dia, enquanto os financiamentos tradicionais levam até um ano- e
o formato de doação, sem exigência de contrapartida. Já as
maiores limitações são o valor
de US$ 225 mil, o teto da lei boliviana para projetos sem licitação, e o não-pagamento de lucro de empresas para a execução da obra, fazendo com que
os projetos sejam realizados diretamente pelas prefeituras.
As obras já começaram em
Warnes. O primeiro posto de
saúde está sendo construído
desde o fim de agosto no distrito de La Reforma, lugarejo onde predominam trabalhadores
rurais, muitos deles bóias-frias.
Um dos sete trabalhadores
da obra, Danilo Salvatierra, 19,
conta que atualmente é preciso
viajar 30 minutos para chegar
ao posto mais próximo e que o
distrito pedia a obra "há muito
tempo". O pedreiro desconhecia a origem do dinheiro. "Pensei que era coisa da prefeitura."
Críticas
A ajuda venezuelana aos municípios tem sido duramente
criticada pela oposição, que vê
uma ingerência em assuntos
internos e uma tentativa de
Morales de comprar apoio nas
regiões onde tem menos força
política, sobretudo em Santa
Cruz, no momento em que o
país vive uma grave crise política em torno da Assembléia
Constituinte.
"Esses recursos da Venezuela estão sendo manejados como
recursos privados, não têm
controle fiscal, e além disso são
para fazer política, descaradamente pura política. É claro assim", disse à Folha o prefeito
oposicionista de Potosí, René
Joaquino (Aliança Social, esquerda). Ele não foi convidado
no programa e afirma que não
aceitaria o dinheiro de Chávez.
Para Branko Marinkovic,
presidente do Comitê Cívico
Pró-Santa Cruz, organismo liderado por empresários, a ajuda venezuelana é uma intromissão estrangeira. "O que fariam no Brasil se a Venezuela
começar a distribuir dinheiro a
prefeitos sem controle?"
O ministro da Fazenda boliviano, Luis Arce, admitiu que o
programa é controlado diretamente pela Venezuela. "O presidente participa protocolarmente, porque é convidado pela embaixada venezuelana",
disse ele a uma rádio.
Para Arce, o dinheiro venezuelano não precisa passar pelo Tesouro nacional. "Os governo municipais são autônomos
e, portanto, seu orçamento não
precisa estar no Orçamento
Geral da Nação".
Questionado se o programa
era simplesmente de ajuda aos
municípios ou se tem intenção
política, o prefeito Carmona
disse que "são as duas coisas".
"Mas me me parece uma boa
estratégia. Em Warnes, onde
pensamos as coisas sem cores
partidárias, nós vamos receber
o dinheiro do presidente."
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